A Administração Pública deve se pautar por princípios que assegurem racionalidade, continuidade e controle. Entre eles, a previsibilidade decisória desempenha um papel estruturante, pois permite que decisões administrativas sejam compreensíveis e alcancem maior adesão por parte de gestores e cidadãos. A sanção da Lei nº 13.655/2018, ao reformar a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), buscou enfrentar lacunas interpretativas que comprometiam a segurança jurídica. Conforme Diniz (2018), essa legislação representa um novo paradigma hermenêutico, ao exigir maior densidade argumentativa nas decisões públicas. A previsibilidade, nesse contexto, passou a ser um instrumento relevante para fortalecer a confiança institucional e reduzir a instabilidade normativa, contribuindo para a efetividade da gestão e a proteção dos administrados diante de interpretações variáveis do direito.
A estabilidade das decisões públicas também é fortalecida quando se exige que os gestores considerem as consequências práticas de seus atos. A LINDB, nos artigos 20 a 30, incorpora essa perspectiva, determinando que fundamentos técnicos e jurídicos embasem o processo decisório. Esses dispositivos impuseram maior responsabilidade argumentativa à Administração, contribuindo para decisões mais coerentes com a realidade (FERREIRA; FRANÇA, 2022). A normatização da motivação qualificada limita o arbítrio interpretativo e favorece a padronização de condutas. Ao incorporar critérios objetivos, a gestão pública avança no sentido de oferecer respostas mais adequadas ao interesse coletivo, promovendo um ambiente institucional com menor margem para retrocessos.
Ao exigir que os órgãos de controle considerem o contexto da decisão administrativa, a legislação busca harmonizar controle e autonomia decisória. Galvão (2021) observa que a LINDB impõe novos filtros à atuação fiscalizatória, restringindo a responsabilização automática por divergência interpretativa. Essa diretriz reduz o temor dos gestores diante de eventuais punições, incentivando ações fundamentadas e transparentes. A previsibilidade das decisões também proporciona maior estabilidade jurídica ao ciclo de políticas públicas, minimizando riscos de paralisações decorrentes de reavaliações abruptas. A segurança proporcionada pela legislação está associada à consistência normativa e à capacidade de proteger decisões baseadas em critérios razoáveis, ainda que sujeitas à revisão.
A insegurança jurídica é um dos principais entraves à gestão pública eficaz. O excesso de controles repressivos, associado à instabilidade normativa, gera o chamado “apagão das canetas”, no qual gestores preferem a inércia à tomada de decisões, temendo questionamentos futuros (FALCÃO FILHO, 2022). A previsão legal de que apenas o dolo e o erro grosseiro ensejam a responsabilização pessoal do agente, conforme dispõe o artigo 28 da LINDB, busca mitigar esse problema. A jurisprudência e a doutrina vêm reconhecendo essa mudança de postura como necessária para o funcionamento adequado da Administração, protegendo gestores que atuam com diligência, mesmo diante de interpretações divergentes da norma.
A previsibilidade também repercute diretamente na governança. A análise de consequências e a proporcionalidade tornam-se elementos estruturantes da decisão administrativa (JUSTEN FILHO, 2018). A legislação exige que os atos sejam acompanhados de fundamentação compatível com a realidade, levando em consideração as limitações operacionais da gestão. O aprimoramento da motivação administrativa, ao considerar contextos fáticos e alternativas viáveis, amplia a coerência entre norma e prática. Essa abordagem consolida um modelo de governança mais técnico e menos vulnerável a mudanças arbitrárias. Ao se tornar referência normativa, a LINDB redefine os contornos da legalidade administrativa, estabelecendo um padrão mais exigente de racionalidade decisória.
No campo da governança pública, a previsibilidade decisória é ainda mais relevante quando se trata da continuidade das políticas públicas e da estabilidade regulatória. Jordão (2018) assinala que o artigo 23 da LINDB reforça a necessidade de equilíbrio entre inovação e constância na interpretação jurídica. A previsibilidade, nesse sentido, assegura que mudanças de orientação institucional ocorram de forma gradual e motivada, evitando desorganizações abruptas. Ao promover maior uniformidade nos entendimentos administrativos, a legislação favorece o planejamento governamental e a execução de políticas públicas com base em diretrizes estáveis. A aplicação da norma, assim, passa a atuar como um mecanismo de governabilidade e integridade institucional.
A segurança jurídica depende da previsibilidade e da confiança nas decisões estatais. A LINDB, ao reforçar a necessidade de motivação qualificada, protege o administrado contra oscilações interpretativas desproporcionais. Conforme Branco (2020), o dever de fundamentação não é uma mera formalidade, mas uma exigência estruturante para o controle da Administração. Ao valorizar critérios objetivos e rejeitar decisões baseadas exclusivamente em abstrações normativas, a legislação promove maior alinhamento entre legalidade e eficiência. Essa diretriz contribui para uma cultura decisória mais responsável, com menor espaço para arbitrariedades. A previsibilidade não elimina a discricionariedade administrativa, mas a submete a um novo padrão de racionalidade e controle.
A adoção da previsibilidade como diretriz institucional fortalece também a confiança de investidores e agentes externos na Administração Pública. Segundo Ferreira e França (2022), a previsibilidade normativa influencia positivamente o ambiente econômico, pois reduz riscos regulatórios e amplia a segurança nas relações contratuais com o Estado. Ao exigir motivação fundamentada, a legislação também estimula melhores práticas na elaboração de atos administrativos, alinhadas ao interesse público e à sustentabilidade das decisões. A estabilidade gerada por esse modelo normativo contribui para a atração de parcerias público-privadas e a consolidação de uma cultura de governança orientada por parâmetros objetivos.
A análise da LINDB reformada pela Lei nº 13.655/2018 evidencia uma reconfiguração da lógica decisória na gestão pública. Ao impor maior rigor à fundamentação e exigir a consideração de impactos concretos, a norma busca conciliar eficiência, legalidade e segurança jurídica. O estudo evidencia que a previsibilidade decisória é um componente indispensável da boa governança, na medida em que proporciona estabilidade institucional, favorece o planejamento administrativo e protege tanto gestores quanto cidadãos. Sua implementação, contudo, exige um esforço contínuo de interpretação e adaptação por parte dos órgãos públicos. A consolidação desse novo paradigma depende do aprofundamento da cultura jurídica voltada à fundamentação qualificada.
REFERÊNCIAS
BRANCO, Luiza Szczerbacki Castello. A nova hermenêutica jurídica da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Revista de Artigos Científicos, v. 12, n. 1, Tomo II, p. 1039-1054, jan./jun. 2020.
DINIZ, Maria Helena. Artigos 20 a 30 da LINDB como novos paradigmas hermenêuticos do direito público, voltados à segurança jurídica e à eficiência administrativa. Revista Argumentum – RA, Marília/SP, v. 19, n. 2, p. 305-318, mai./ago. 2018.
FALCÃO FILHO, José Marçal de Aranha. A Lei nº 13.655/2018 e o combate à paralisia da administração pública diante do ativismo judicial. 2023. 129. f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito de Alagoas, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2022.
FERREIRA, Ana Catarina dos Santos Oliveira; FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência e juridicidade na aplicação de normas de gestão pública a partir da linha de interpretação do artigo 22 da LINDB. Revista Digital de Direito Administrativo – RDDA, v. 9, n. 2, p. 173-195, 2022.
GALVÃO, Nayanne Brandão. Os novos parâmetros decisórios inseridos pela Lei nº 13.655/2018 à LINDB sob o filtro da análise econômica do direito. 2021.
JORDÃO, Eduardo. Art. 23. da LINDB – O equilíbrio entre mudança e previsibilidade na hermenêutica jurídica. Revista de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro – Edição Especial – Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), Rio de Janeiro: FGV, p. 63-92, 2018.
JUSTEN FILHO, Marçal. Art. 20. da LINDB: dever de transparência, concretude e proporcionalidade nas decisões públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 13-41, nov. 2018.