Capa da publicação Contribuições sindicais: compulsoriedade x caroneiros
Capa: Canva
Artigo Destaque dos editores

Contribuições sindicais no Brasil: evolução jurisprudencial, competência jurisdicional e novos paradigmas de financiamento sindical pós-Reforma Trabalhista

18/03/2025 às 10:40

Resumo:


  • A liberdade de associação sindical é um princípio fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988.

  • A contribuição sindical passou por transformações estruturais com a Reforma Trabalhista, tornando-se facultativa.

  • A jurisprudência do STF tem se posicionado favoravelmente à validade das alterações promovidas pela Reforma Trabalhista em relação à contribuição sindical.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O STF exige autorização individual e expressa para o desconto da contribuição sindical, enquanto o MPT admite a coletiva. Como viabilizar o financiamento dos sindicatos sem compulsoriedade e evitando os "free riders"?

Resumo: A liberdade de associação sindical constitui um princípio fundamental assegurado pela Constituição Federal de 1988. A contribuição sindical, instituto historicamente controverso no ordenamento jurídico brasileiro, passou por transformações estruturais com o advento da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que alterou seu caráter compulsório. Este artigo analisa os aspectos constitucionais e convencionais da contribuição sindical, sua exigibilidade após a reforma legislativa e a competência jurisdicional para dirimir conflitos relacionados à matéria, fundamentando-se na evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho.

Palavras-chave: Contribuição sindical; Contribuição assistencial; Reforma Trabalhista; Supremo Tribunal Federal; Tribunal Superior do Trabalho; Controle de constitucionalidade e convencionalidade.


1. Introdução

A liberdade sindical configura-se como direito fundamental expressamente garantido pela Constituição Federal de 1988, nos termos dos artigos 5º, inciso XVII, 8º, caput, e 37, inciso VI, abrangendo tanto o direito de associação quanto os mecanismos de financiamento das entidades sindicais. Com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), houve significativa alteração no regime jurídico da contribuição sindical, extinguindo sua obrigatoriedade e condicionando sua cobrança à autorização prévia e expressa do trabalhador.

Essa modificação legislativa provocou intensos debates nos âmbitos doutrinário, sindical e jurisprudencial, suscitando questões fundamentais acerca da constitucionalidade e convencionalidade da nova sistemática e seus impactos no financiamento das entidades sindicais. Simultaneamente, a definição da competência jurisdicional para apreciar litígios envolvendo a contribuição sindical tornou-se objeto de controvérsia, especialmente após a ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

O presente artigo propõe-se a examinar criticamente a constitucionalidade e a convencionalidade da contribuição sindical sob a égide do novo marco regulatório, os efeitos da Reforma Trabalhista sobre sua exigibilidade e os critérios determinantes para fixação de competência jurisdicional em questões relacionadas à matéria, à luz dos precedentes vinculantes estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal.


2. Fundamentos Constitucionais e Evolução Normativa

A contribuição sindical encontra fundamento no artigo 8º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, que prevê a contribuição para o custeio do sistema confederativo de representação sindical. Esta previsão constitucional se articula com o disposto no artigo 149 da CF, que estabelece as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Historicamente, sua interpretação gerou controvérsias quanto à compatibilidade entre seu caráter compulsório e o princípio da liberdade sindical, também consagrado constitucionalmente.

A regulamentação infraconstitucional da contribuição sindical encontra-se nos artigos 545 a 610 da CLT, com destaque para o artigo 548, que estabelece o patrimônio das entidades sindicais. Antes da Reforma Trabalhista, a contribuição sindical possuía natureza tributária, sendo compulsoriamente exigida de todos os empregados, independentemente de filiação sindical.

Além das discussões sobre constitucionalidade, a contribuição sindical também foi objeto de análise quanto à sua convencionalidade, ou seja, sua compatibilidade com as normas internacionais, especialmente as Convenções nº 87 e 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tratam da liberdade sindical e do direito de sindicalização.

O Comitê de Liberdade Sindical da OIT, através de seus Verbetes 325 e 327, estabelece importantes diretrizes sobre o financiamento sindical, reconhecendo que a imposição legal de contribuição a todos os trabalhadores não viola necessariamente os princípios da liberdade sindical, desde que haja mecanismos adequados para a manifestação de oposição. Segundo o Verbete 325, "a questão do desconto de contribuições sindicais pelos empregadores e seu repasse para os sindicatos deve ser resolvida pela negociação coletiva entre empregadores e sindicatos em geral, sem obstáculos de natureza legislativa". Já o Verbete 327 estabelece que "a supressão da possibilidade de retenção das quotas sindicais na folha de pagamento, que poderia causar dificuldades financeiras para as organizações sindicais, não propicia o desenvolvimento de relações profissionais harmoniosas".

Com a edição da Lei nº 13.467/2017, o legislador introduziu modificações substanciais nos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT, transformando a contribuição sindical em prestação facultativa, condicionada à autorização prévia e expressa do trabalhador.

Esta alteração representou uma ruptura paradigmática no sistema de financiamento sindical brasileiro, historicamente dependente da contribuição compulsória, e suscitou debates sobre sua constitucionalidade formal e material, bem como sua convencionalidade à luz das Convenções da OIT.


3. Distinção entre Contribuição Sindical e Contribuição Assistencial

A contribuição assistencial, também denominada taxa assistencial ou contribuição negocial, distingue-se da contribuição sindical por sua origem e finalidade. Enquanto a contribuição sindical continua prevista em lei, tendo apenas se tornado facultativa após a Reforma Trabalhista, e possuía originalmente caráter tributário, a contribuição assistencial deriva da negociação coletiva e tem por objetivo custear a luta e negociação coletivas.

Esta modalidade de contribuição encontra fundamento no art. 513, alínea "e", c/c art. 611, CLT, sendo prerrogativa dos sindicatos "impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas". Historicamente, tem sido estabelecida por meio de acordos e convenções coletivas, como contrapartida dos benefícios obtidos pela categoria nas negociações.

Antes da Reforma Trabalhista, a exigibilidade da contribuição assistencial a trabalhadores não sindicalizados foi objeto de intenso debate jurisprudencial, culminando na edição do Precedente Normativo nº 119 e da Orientação Jurisprudencial nº 17 da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, que consideravam inválida a extensão da cobrança a não associados.

Posteriormente, o STF consolidou entendimento semelhante na Súmula Vinculante nº 40, que estabelece: "A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo."


4. Jurisprudência do STF

O STF apreciou a constitucionalidade da contribuição sindical facultativa na ADI 5794, consolidando entendimento favorável à validade das alterações promovidas pela Reforma Trabalhista.

Em julgamento paradigmático, o STF firmou que a exigência de autorização prévia e expressa para desconto da contribuição sindical não viola a Constituição Federal, mas, ao contrário, harmoniza-se com o princípio da liberdade sindical e o direito de associação. Segundo o entendimento da Corte Suprema, a contribuição sindical compulsória representava um resquício do modelo corporativista incompatível com os valores democráticos consagrados pela ordem constitucional vigente e com o artigo 8º da Constituição Federal, que veda a interferência do Estado na organização sindical.

Significativa evolução jurisprudencial ocorreu com o julgamento do Tema 935 de Repercussão Geral pelo STF, que fixou a seguinte tese: "É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição."

Esta decisão representou importante modificação no entendimento anterior, reconhecendo a validade da contribuição assistencial para toda a categoria, desde que garantido o direito de oposição, em consonância com os Verbetes 325 e 327 do Comitê de Liberdade Sindical da OIT. A tese reconhece, implicitamente, o problema dos "free-riders" (caroneiros) – trabalhadores não sindicalizados que se beneficiam das conquistas obtidas pela negociação coletiva sem contribuir para o financiamento da atividade sindical.


5. Controvérsias Atuais sobre a Autorização para Desconto

5.1. Autorização Individual versus Deliberação Coletiva

Após a Reforma Trabalhista, a interpretação dos artigos 545 e 578 da CLT, que exigem "autorização prévia e expressa" para o desconto da contribuição sindical, tornou-se objeto de controvérsia. O debate central consiste em determinar se a deliberação coletiva em assembleia da categoria poderia suprir a exigência de autorização individual.

A Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (CONALIS) manifestou-se favorável à possibilidade de autorização coletiva, conforme expresso no Item 37 da Nota Técnica n.º 2/2018: "A 'autorização prévia e expressa' para desconto em folha da contribuição devida ao sindicato poderá ser tanto coletiva quanto individual, nos termos deliberados em assembleia convocada pelo sindicato, assegurada a participação de todos os integrantes da categoria, associados ou não associados (CF, art. 8º, III e VI, e CLT, art. 462. e 611)."

Este entendimento encontra respaldo no Enunciado n.º 24 da Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) do Ministério Público do Trabalho, que reconhece a legitimidade da contribuição sindical fixada em assembleia geral da categoria, desde que assegurado o direito de oposição.

5.2. Posicionamento do STF

Em contraponto à posição da CONALIS, o STF tem manifestado entendimento de que a deliberação assemblear não supre a exigência de prévia autorização expressa do trabalhador. Segundo decisões recentes da Corte, "a legitimação da cobrança daquelas contribuições de forma compulsória, sem previsão legal, afronta a autonomia da vontade do trabalhador e sua liberdade de manter-se ou não associado ao sindicato, garantia elencada na categoria de direitos fundamentais (art. 5º, XX, da CF)".

Ademais, o STF tem considerado que a interpretação favorável à autorização coletiva "esvazia o conteúdo das alterações legais declaradas constitucionais pelo STF, no julgamento da ADI nº 5.794, além da Súmula Vinculante 40".

5.3. Orientações do MPT

A CONALIS tem manifestado preocupação com condutas tendentes a desestimular a contribuição sindical. A Orientação n.º 13 estabelece que "o ato ou fato de o empregador ou de terceiro de coagir, estimular, auxiliar e/ou induzir o trabalhador a se opor ou resistir ao desconto de contribuições sindicais legais, normativas ou negociadas, ou de qualquer outra espécie, constitui, em tese, ato ou conduta antissindical, podendo implicar atuação do Ministério Público do Trabalho".

Adicionalmente, a Orientação n.º 20 da CONALIS ressalta o interesse coletivo sobre eventuais interesses individuais de não contribuição, privilegiando a manifestação da coletividade de trabalhadores exercida por meio da autonomia privada coletiva na assembleia sindical.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

6. Impactos e Desafios para o Sistema Sindical Brasileiro

A Reforma Trabalhista de 2017 teve impacto significativo no sistema de financiamento sindical brasileiro, com expressiva redução na arrecadação das entidades representativas. Esta situação tem exigido readequações estruturais e revisão de estratégias de representação e captação de recursos.

Como observado pela CCR do MPT, "a reforma foi dura, severa, enfraqueceu os sindicatos ao retirar a obrigatoriedade da principal fonte de custeio, sendo que a sobrevivência dos sindicatos está em risco". Esta constatação levanta importantes questões sobre a necessidade de condições materiais adequadas para que os sindicatos possam desempenhar efetivamente seu papel constitucional de defesa dos interesses coletivos.

O cenário atual demanda reflexões sobre modelos alternativos de financiamento e representação que fortaleçam a legitimidade das entidades sindicais e sua capacidade de atuação na defesa dos interesses coletivos, em harmonia com os princípios constitucionais e as normas internacionais sobre liberdade sindical.

A decisão do STF no Tema 935 oferece importante alternativa para o custeio das atividades sindicais, validando a contribuição assistencial para toda a categoria, desde que assegurado o direito de oposição. Esta solução busca equilibrar a liberdade individual com a necessidade de sustentabilidade do sistema sindical, enfrentando o problema dos "free-riders" sem comprometer a autonomia do trabalhador.


7. Conclusão

A contribuição sindical permanece como tema de significativa complexidade jurídica, especialmente após as alterações promovidas pela Reforma Trabalhista. O posicionamento do STF sobre a constitucionalidade da contribuição facultativa representa importante marco na evolução do direito sindical brasileiro, reforçando a autonomia do trabalhador e sua liberdade de escolha.

Paralelamente, o reconhecimento da constitucionalidade da contribuição assistencial para não associados, desde que garantido o direito de oposição (Tema 935), evidencia a busca por equilíbrio entre a liberdade individual e a sustentabilidade do sistema sindical, em consonância com os Verbetes 325 e 327 do Comitê de Liberdade Sindical da OIT.

As controvérsias sobre a forma de autorização para o desconto da contribuição sindical – individual ou coletiva – continuam em aberto, com posicionamentos divergentes entre órgãos como a CONALIS e o STF, demandando aprofundamento do debate jurídico para construção de soluções que compatibilizem a autonomia privada individual e coletiva.

O sistema sindical brasileiro encontra-se em processo de transformação, exigindo reflexões sobre modelos alternativos de financiamento e representação que fortaleçam a legitimidade das entidades sindicais e sua capacidade de atuação na defesa dos interesses coletivos, em harmonia com os princípios constitucionais e as normas internacionais sobre liberdade sindical.


Referências

MELO, Raimundo Simão de. STF declara constitucional a contribuição assistencial sindical. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-out-06/reflexoes-trabalhistas-stf-declara-validade-contribuicao-assistencial-sindical/. Acesso em: 17 mar. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF declara constitucionalidade da contribuição assistencial a trabalhadores não sindicalizados. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=513910&ori=1. Acesso em: 17 mar. 2025.

NOTA TÉCNICA 2, CONALIS. BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Nota Técnica nº 2, CONALIS. Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/?atuacao=conalis&td=notas_tecnicas. Acesso em: 17 mar. 2025.

ORIENTAÇÕES DA CONALIS. BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Orientações CONALIS. Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/?atuacao=conalis&td=orientacoes. Acesso em: 17 mar. 2025.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Flavia Pavan. Contribuições sindicais no Brasil: evolução jurisprudencial, competência jurisdicional e novos paradigmas de financiamento sindical pós-Reforma Trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7930, 18 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113220. Acesso em: 30 mar. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos