Resumo: O presente estudo propõe analisar a relação entre a Polícia Civil e a metáfora da “casca de banana”, destacando os desafios enfrentados por essa instituição ao longo do tempo.
Palavras-chave: Polícia Civil; Segurança Pública; Casca de Banana.
1. INTRODUÇÃO
“As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.” (Lei Federal nº 12.830/2013)
É amplamente conhecido entre os operadores da segurança pública que a segurança pública é um dever do Estado e um direito e responsabilidade de todos. Sua execução visa à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sendo realizada por diversas instituições: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares e polícias penais (federal, estaduais e distrital).
A esse sistema soma-se a atuação das guardas municipais. Em 2025, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 608588, com repercussão geral, consolidou o entendimento de que é constitucional a criação de leis municipais para que guardas municipais atuem em ações de segurança urbana. No entanto, tais normas devem respeitar os limites constitucionais, garantindo que suas funções não se sobreponham às das polícias Civil e Militar, mas sim cooperem com elas.
Conforme o entendimento fixado, as guardas municipais não possuem poder investigativo, mas podem realizar policiamento ostensivo e comunitário, além de agir diante de condutas lesivas a pessoas, bens e serviços. Também podem realizar prisões em flagrante, sempre em respeito às atribuições das demais forças de segurança.
É importante destacar que a segurança pública está inserida no rol dos direitos sociais, conforme o artigo 6º da Constituição Federal de 1988, ao lado da educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.
O artigo 144 da Constituição define as funções de cada órgão de segurança pública. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, ressalvada a competência da União. As atribuições de todas as agências de segurança estão bem delimitadas, a fim de evitar sobreposições e usurpações indevidas.
2. A POLÍCIA CIVIL E A CASCA DE BANANA
Usando uma figura de linguagem, podemos comparar o sistema de segurança pública a uma bananeira completa, composta por raízes, caule, folhas e frutos. Cada órgão de segurança desempenha um papel fundamental dentro desse sistema, formando um todo indivisível.
No entanto, ao longo do tempo, a Polícia Civil passou a sofrer invasões indevidas em suas atribuições, resultado de interpretações e decisões questionáveis dos Tribunais Superiores, que passaram a admitir que a atividade investigativa não é privativa das polícias civis (federal ou estadual).
O primeiro grande impacto ocorreu com a criação dos Juizados Especiais Criminais, por meio da Lei Federal nº 9.099/1995. Essa legislação ampliou a interpretação da expressão “autoridade policial”, prevista no artigo 69, permitindo que outros agentes de segurança lavrassem termos circunstanciados e os encaminhassem ao Juizado. Além disso, passou-se a admitir que policiais militares pudessem ser nomeados “peritos ad hoc” para elaborar laudos de constatação de substâncias entorpecentes.
Posteriormente, diversos conselhos nacionais passaram a legislar sobre atribuições investigativas, estendendo essas funções a outros órgãos para apuração de determinados fatos, especialmente aqueles que ganhavam destaque na mídia.
Além disso, o Poder Executivo, ao longo dos anos, tem priorizado investimentos nas forças de policiamento ostensivo em detrimento da Polícia Civil. Enquanto a polícia ostensiva recebe recursos significativos para estruturação e ampliação de suas atividades, a Polícia Civil enfrenta sucessivos cortes, incluindo a redução da realização de concursos públicos. Essa situação, por vezes, é conveniente para interesses políticos, uma vez que investigações policiais fortalecidas poderiam expor irregularidades cometidas por detentores do poder.
Diante desse cenário, a Polícia Civil enfrenta um verdadeiro estado de coisas inconstitucional. A falta de infraestrutura compromete o exercício de suas funções: delegacias instaladas em prédios precários, falta de materiais básicos, condições inadequadas de trabalho e servidores desmotivados.
A metáfora da “casca de banana” ilustra essa realidade. A bananeira, que antes era frondosa e produtiva, teve suas raízes enfraquecidas, suas folhas arrancadas e seus frutos colhidos. Agora, restam apenas as cascas descartadas, simbolizando o descaso e a precarização da Polícia Civil.
3. REFLEXÕES FINAIS
A Polícia Civil desempenha um papel essencial na segurança pública, sendo responsável por investigações criminais e pela função de polícia judiciária. No entanto, ao longo dos anos, tem sofrido constantes ataques à sua autonomia e atribuições, seja por decisões judiciais que flexibilizam seu papel investigativo, seja por políticas públicas que negligenciam seu fortalecimento institucional.
O enfraquecimento da Polícia Civil compromete não apenas a eficiência das investigações criminais, mas também a própria segurança da população. A falta de investimentos, a sobrecarga de trabalho e a desvalorização dos profissionais resultam em um serviço deficitário, afetando diretamente a resolução de crimes e a efetividade do sistema de justiça.
Por fim, urge salientar que a Polícia Civil é uma instituição essencial para o sistema de justiça criminal. A Lei Federal nº 14.735, de 2023, reafirmou sua importância ao prever que as polícias civis, dirigidas por delegado de polícia em atividade e de classe mais elevada, nomeado pelos governadores dos Estados e do Distrito Federal, são instituições permanentes, com funções exclusivas e típicas de Estado, essenciais à justiça criminal e imprescindíveis à segurança pública e à garantia dos direitos fundamentais no âmbito da investigação criminal.
Além disso, a norma estabelece princípios institucionais que orientam a atuação da agência de segurança, garantindo a proteção da dignidade humana e dos direitos fundamentais. Entre esses princípios estão a discrição e a preservação do sigilo necessário à efetividade da investigação e à salvaguarda da intimidade das pessoas, a hierarquia e a disciplina, a participação e interação comunitária, a resolução pacífica de conflitos, a lealdade e a ética, bem como a busca da verdade real e o livre convencimento técnico-jurídico do delegado de polícia. Também são reafirmados o controle da legalidade dos atos policiais civis, o uso diferenciado da força para preservação da vida e redução do sofrimento, a continuidade da investigação criminal e a atuação imparcial na condução das atividades investigativas e de polícia judiciária.
A norma ainda destaca a importância de uma política de gestão voltada à proteção e valorização dos integrantes da Polícia Civil, a unidade doutrinária e a uniformidade de procedimentos, além da autonomia, imparcialidade, tecnicidade e cientificidade na investigação, no indiciamento, na condução do inquérito, nos registros e nas perícias. A essencialidade da investigação policial para a persecução penal, a natureza técnica e imparcial das funções de polícia judiciária civil e de apuração de infrações penais, sob a presidência e análise técnico-jurídica do delegado de polícia, e a identidade de nomenclatura para unidades policiais, serviços e cargos de igual natureza são igualmente ressaltadas.
É urgente que o Estado reconheça a importância da Polícia Civil e adote medidas concretas para garantir sua estruturação e valorização. O fortalecimento dessa instituição não é apenas uma questão corporativa, mas uma necessidade fundamental para garantir um sistema de segurança pública eficiente, equilibrado e comprometido com os princípios democráticos.
A Polícia Civil é a guardiã da justiça, a voz da lei diante do crime e a esperança daqueles que clamam por segurança e verdade. Seu enfraquecimento não é apenas uma ameaça à instituição, mas um golpe contra o próprio Estado de Direito, comprometendo a ordem, a paz e a confiança da sociedade no sistema de justiça.
Negligenciar sua autonomia, desvalorizar seus profissionais e ignorar a necessidade de investimentos é permitir que a impunidade se fortaleça e que o caos tome o lugar da justiça. Uma sociedade sem uma polícia investigativa forte é uma sociedade refém do crime, onde a verdade se perde e a justiça se torna apenas uma promessa vazia.
O momento exige decisão e coragem. O fortalecimento da Polícia Civil não é um favor, mas um dever do Estado para com a população. Cabe aos governantes, legisladores e à sociedade como um todo reconhecer que a segurança pública começa na investigação eficiente, na busca incansável pela verdade e na inabalável defesa dos direitos fundamentais.
Assim, que a Polícia Civil seja não apenas protegida, mas elevada ao patamar que lhe é devido: o de uma instituição essencial, permanente e indissociável da justiça. Pois onde há investigação, há verdade. E onde há verdade, há justiça.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: Constituição Federal. Acesso em: 22 mar. 2025.
BRASIL. Lei nº 9.099/1995 – Juizados Especiais Criminais. Disponível em: Lei 9.099/1995. Acesso em: 22 mar. 2025.
BRASIL. Lei nº 12.830/2013 – em: Lei 9.099/1995. Acesso em: 23 mar. 2025.
BRASIL. Lei Federal nº 14.735, de 2023 – Lei Orgânica da Polícia Civil. Disponível em: Lei 14.735, 2023. Acesso em: 23 mar. 2025.