6. CONCLUSÃO
Das linhas que foram traçadas na presente pesquisa, é possível se extrair um norte orientador para a análise mais técnica acerca da viabilidade de se instituir uma norma geral antielisiva no ordenamento jurídico pátrio.
Não se pode negar a distinção evidente entre elisão e evasão fiscal. Apesar da confusão incorrida por alguns juristas, cada um desses institutos detém um fundamento teórico completamente antagônico.
No que concerne ao chamado negócio jurídico indireto, à simulação fiscal, ao abuso de forma e ao abuso de direito, é necessário se proceder à análise de cada uma das figuras sob o enfoque da distinção entre elisão e evasão fiscal, devendo se valer de tais manifestações do ilícito, como fundamento de um ou outro instituto de forma adequada e jurígena.
Decerto, a vinculação dos atos do contribuinte à forma “esperada”, ao negócio que “geralmente“ seria implementado, ao contrato “mais comum” etc., implica na transgressão ao direito da liberdade que o particular tem de conduzir-se da maneira que melhor lhe convir ou que gere menos onerosidade.
A simulação se configura num conluio onde duas ou mais pessoas se portam de modo a ocultar a realidade dos fatos, valendo-se de métodos dissimulados para ludibriar ou prejudicar direitos de outrem.
O abuso de forma não se adapta ao conceito de elisão fiscal, porque envolve questões ligadas à dissimulação, ao ardil, a subterfúgios e outras formas espúrias, mantendo relação íntima com a evasão fiscal.
Quanto ao abuso de direito, foi possível observar que a sua ocorrência é verificada quando há, no exercício de um direito conferido pelo próprio sistema, a ultrapassagem dos limites prescritos na norma, sendo possível dele se extrair o negócio jurídico indireto, a simulação e o abuso de forma, porque são manifestações do ilícito, do próprio abuso de direito. Em outras palavras: o negócio jurídico indireto, a simulação e o abuso de forma são indissociáveis do abuso de direito.
Ultrapassadas essas premissas, é possível constatar que o sistema jurídico brasileiro albergou a possibilidade de o contribuinte planejar seus atos, de modo a não o tornar obrigado a conduzir-se de acordo com a previsão expressa de incidência tributária, ou a praticar negócios que gerem tributos mais onerosos.
Dessarte, explícita ou implicitamente, o planejamento é um direito que o sistema jurídico brasileiro assegura, como decorrência lógica e imediata do direito à livre iniciativa e à liberdade de contratar.
Via de conseqüência, conclui-se que o planejamento tributário cinge-se num processo prévio de representação dos efeitos decorrentes de uma determinada atividade, projetando os métodos, as diretrizes e os procedimentos a serem seguidos para a obtenção do resultado econômico, para que os atos e fatos oriundos do decurso da atividade gerem uma menor carga tributária.
Noutro aspecto, os esforços do Fisco, direcionados para verificar uma eventual hipótese de incidência tributária a qual não logrou adimplida a respectiva obrigação, devem lastrar-se na lei, em respeito ao princípio da legalidade ou da tipicidade cerrada.
Por essa razão, toda a cobrança de tributo deve ter base em lei, sob pena de ofensa à Constituição Federal, que estabelece ser condição sine qua non, para a cobrança tributária, a existência de norma jurídica que preveja a subsunção da hipótese fática aos estritos termos da respectiva previsão do enunciado normativo.
Ademais, o princípio da segurança jurídica serve ao hermeneuta como mais um fundamento para a análise dos efeitos de uma norma que recaia sobre a descaracterização dos atos validamente planejados pelo contribuinte.
Já a segurança jurídica é o fundamento para a estabilização das relações entre os particulares e entre estes e o Estado, possibilitando, assim, a certeza de que o sistema jurídico existe para prevenir as surpresas, afastando a aplicação da norma de forma variada, impedindo o despautério do aplicador do direito e, conseqüentemente, fortalecendo os laços de convívio social.
Sob outro prisma, a análise da casuística importa necessariamente numa verificação dos efeitos decorrentes da aplicação da norma cuja finalidade é a prevenção à economia legítima e prudente de tributos.
Sendo assim, a análise da norma sobre o caso concreto deve ter como norte a proporcionalidade dos respectivos efeitos, sob o enfoque da necessidade de se prevenir que, direta ou indiretamente, em decorrência da interpretação que vier a dar sobre o planejamento tributário, o Estado utilize o tributo como efeito confiscatório – fazendo incidir a norma com o intuito precípuo de onerar o contribuinte, e não de buscar a justiça fiscal.
Consubstanciando-se em tais fundamentos, é insofismável concluir que a antielisão fiscal representa uma tendência natural do Estado, mas que deve ser banida em razão da sua incompatibilidade com o sistema jurídico vigente no Brasil.
Por conta disso, cabe ao intérprete proceder à sua tarefa de forma adequada e cautelosa, sobretudo quando se tratar de questões cujo âmago envolve direitos e garantias constitucionais, as quais, por qualquer deslize de hermenêutica, podem ser alvo de retrocesso temeroso em face do constitucionalismo até aqui atingido.
Toda cautela é pouca quando se discute direitos e garantias constitucionais. Apesar do resguardo conferido pela Constituição Cidadã (BRASIL, 1988), impõe registrar que a forma e o viés com que os direitos são colocados no mundo jurídico prático dependem, preliminarmente, do modo em que são enxergados e aplicados pelo intérprete.
A evolução do direito é necessária. O que não se pode permitir é que o próprio direito seja levado às últimas conseqüências, como ciência que justificaria o atrofiamento da força normativa sobrejacente aos comandos constitucionais.
A preservação dos enunciados insculpidos na Constituição Federal (BRASIL, 1988) é de extrema relevância para se impedir certos abusos – sejam eles praticados pelo particular, sejam eles impostos ou tentados pelo Estado.
Em decorrência de tais assertivas, há de se concluir que de nada valerá o esforço do legislador, na tentativa de instituir uma norma geral antielisiva, a não ser que se leve a efeito somente em relação às condutas evasivas, as quais não se confundem com a dogmática presente na elisão fiscal.
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Notas
1 Abreviação de reichsabgabenordnung que, no vernáculo brasileiro, significa Código Tributário Real.
2 No português: escola.
3 A instabilidade política repercutia em todas as classes e camadas sociais, gerando insegurança e causando constantes transgressões aos diretos básicos do ser humano – tais como: as liberdades particulares, a intimidade, a vida, a propriedade, a livre iniciativa etc.; sempre levando em consideração interesses espúrios de poucos que se valiam do poder em benefício próprio e em detrimento da coletividade, do interesse público.
4 O autor destaca a igualdade, a razoabilidade e a proporcionalidade como postulados normativos específicos.
5 Assim considerada no cenário jurídico que fora traçado pela Assembléia Constituinte em 1988.