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Associação de proteção veicular: Lei Complementar nº 213/2025 retroage?

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Resumo:


  • A análise trata da obrigatoriedade de associações de proteção veicular se adaptarem à Lei Complementar nº 213/2025, considerando o direito de associação e a proteção ao ato jurídico perfeito e direito adquirido.

  • Destaca-se a importância da liberdade de associação como direito fundamental, regulamentado pelo Código Civil, e a proteção constitucional contra a retroatividade da lei em prejuízo do ato jurídico perfeito e do direito adquirido.

  • O parecer conclui que a nova lei deve ser aplicada de forma prospectiva às associações preexistentes, respeitando os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e proteção da confiança legítima, sem afetar o núcleo essencial do direito fundamental de associação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei Complementar nº 213/2025 regulamenta as associações de proteção veicular. Suas regras incidem sobre atos constitutivos anteriores ou afetam apenas atividades operacionais futuras?

Resumo: Análise sobre a aplicabilidade de nova lei complementar regulatória (LC 213/2025) a associações de proteção veicular constituídas anteriormente. Direito fundamental de associação (Art. 5º, XVII-XXI, CF/88) como liberdade positiva e negativa, e regramento do Código Civil (Art. 53-61). Proteção constitucional contra a retroatividade da lei em prejuízo do ato jurídico perfeito e do direito adquirido (Art. 5º, XXXVI, CF/88) como cláusula pétrea e pilar da segurança jurídica. Distinção, com base na doutrina e jurisprudência, entre aplicação retroativa (vedada para o ato constitutivo e direitos fundamentais) e aplicação prospectiva (possível para requisitos operacionais e condutas futuras). Citações doutrinárias e exemplos jurisprudenciais. Conclusão pela obrigatoriedade de adequação às normas operacionais futuras, resguardado o ato constitutivo e direitos adquiridos sob a lei anterior.

Palavras-chave: Direito de Associação – Lei Complementar – Irretroatividade da Lei – Ato Jurídico Perfeito – Direito Adquirido – Aplicação da Lei no Tempo – Associações de Proteção Veicular.


1. OBJETO DO ESTUDO

O presente trabalho visa analisar a obrigatoriedade de associações de proteção veicular, regularmente constituídas sob a égide da legislação anterior (Constituição Federal e Código Civil), adaptarem-se e cumprirem integralmente as disposições da Lei Complementar nº 213, promulgada em 2025, que passa a regulamentar especificamente o setor. A análise considera os preceitos constitucionais do direito de associação, a proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, doutrina e jurisprudência pertinentes.


2. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

2.1. O DIREITO FUNDAMENTAL DE ASSOCIAÇÃO

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) eleva a liberdade de associação à categoria de direito fundamental (Art. 5º, XVII a XXI), desdobrando-se em uma dimensão positiva (liberdade de criar e aderir a associações) e uma negativa (liberdade de não se associar ou de se desligar, e vedação à interferência estatal indevida). Conforme leciona Alexandre de Moraes, a Constituição "garantiu a plena liberdade de associação para fins lícitos, [...] afastando a necessidade de prévia autorização estatal e vedando a interferência do Poder Público em seu funcionamento" (Direito Constitucional. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 148).

Interessante os levantamentos realizados na votação do Supremo Tribunal Federal na ADI 3045, o qual faz menção a obra de Jorge Miranda em seu Manual de Direito Constitucional, no que diz respeito às múltiplas dimensões do direito de associação:

“(..). II – Antes de mais, é um direito individual, positivo e negativo:

1.º) O direito de constituir com outrem associações para qualquer fim não contrário à lei penal e o direito de aderir a associações existentes, verificados os pressupostos legais e estatutários e em condições de igualdade;

2.º) O direito de não ser coagido a inscrever-se ou permanecer em qualquer associação, ou a pagar quotizações para associação em que não esteja inscrito, e, no limite, o direito de deliberar a dissolução de associação a que pertença. Este direito tem a natureza de liberdade enquanto não implica, para nenhum efeito, a dependência de autorização de qualquer tipo ou de qualquer intervenção administrativa.

III – Revela-se depois um direito institucional, a liberdade das associações constituídas:

1.º) Internamente, o direito de auto-organização, de livre formação dos seus órgãos e da respectiva vontade e de ação em relação aos seus membros;

2.º) Externamente, o direito de livre prossecução dos seus fins, incluindo o de filiação ou participação em uniões, federações ou outras organizações de âmbito mais vasto;

3.º) Como corolário, a susceptibilidade de personificação – se a atribuição de subjetividade jurídica, sem condicionalismos arbitrários ou excessivos, for o meio mais idôneo para tal prossecução de fins;

4.º) Como garantias, a vedação de intervenções arbitrárias do poder político; a liberdade ou autonomia interna das associações acarreta a existência de uma vontade geral ou colectiva, o confronto de opiniões para a sua determinação, a distinção de maiorias e minorias. Daí a necessidade de observância do método democrático e das regras em que se consubstancia, ao lado da necessidade de garantia dos direitos dos associados. À lei e aos estatutos cabe prescrever essa regra e essas garantias, circunscrevendo, assim, a actuação dos órgãos associativos, mas não a liberdade de associação (devidamente entendida).

IV – Na liberdade negativa de associação manifestam-se, talvez mais do noutras zonas, a dimensão individual do direito e a exigência de respeito tanto por parte do Estado como por parte de quaisquer outras entidades, públicas e privadas (...).

Esse respeito não se traduz apenas na não sujeição de quem quer que seja – cidadão, trabalhador, consumidor, etc. – à filiação automática, por fora de certa qualidade, numa associação, ou na não sujeição a um dever de inscrição.

Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco1 expõem em sua obra Curso de Direito Constitucional a importância das associações para satisfação e efetivação de necessidades dos indivíduos:

“A liberdade de associação presta‐se a satisfazer necessidades várias dos indivíduos, aparecendo, ao constitucionalismo atual, como básica para o Estado Democrático de Direito. Quando não podem obter os bens da vida que desejam, por si mesmo, os homens somam esforços, e a associação é a fórmula para tanto. Associando‐se com outros, promove‐se maior compreensão recíproca, amizade e cooperação, além de se expandirem as potencialidades de autoexpressão. A liberdade de associação propicia autoconhecimento, desenvolvimento da personalidade, constituindo‐se em meio orientado para a busca da autorrealização. Indivíduos podem‐se associar para alcançar metas econômicas, ou para se defenderem, para mútuo apoio, para fins religiosos, para promover interesses gerais ou da coletividade, para fins altruísticos, ou para se fazerem ouvir, conferindo maior ímpeto à democracia participativa. Por isso mesmo, o direito de associação está vinculado ao preceito de proteção da dignidade da pessoa, aos princípios de livre iniciativa, da autonomia da vontade e da garantia da liberdade de expressão. Não obstante o vínculo do direito de associação com tantos outros valores constitucionais, não se pode incorrer no equívoco de considerar essa liberdade como meramente complementar de outras tantas. Compreender as associações apenas pelos fins a que tendem seria despojar essa liberdade de um âmbito mais estendido a que está vocacionada para proteger. A liberdade de associação é um direito dotado de autonomia com relação aos objetivos que pode vir a buscar satisfazer. Com a proclamação do direito de se associar, protege‐se a liberdade de criação de grupos em si mesma, desde que lícitos – e não a liberdade de formação de grupos para fins necessariamente democráticos, por exemplo. Essa consideração será útil para o enfrentamento de diversas questões práticas. Esse ponto de vista auxilia a extremar, ainda, a garantia constitucional da liberdade de associação do status jurídico dos objetivos a que a associação se dedica e dos meios para alcançá‐los de que se vale”

Essa liberdade é regulada infraconstitucional pelo Código Civil (Art. 53-61), que estabelece os parâmetros para a constituição e funcionamento das associações como pessoas jurídicas de direito privado, cujo ato constitutivo primordial é o estatuto social, que reflete a vontade dos associados fundadores, nos limites da lei vigente à época.

Para Maria Helena Diniz, o estatuto é "a lei orgânica da associação, que rege sua vida e suas relações internas e externas" (Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. 1: Teoria Geral do Direito Civil. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 315).

No tocante o tema na Constituição Federal, no Brasil a liberdade de associação foi vista em primeiro momento na Constituição de 1891:

Art. 72. - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: § 8º A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas, não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública.

Seguindo ordem cronológica, o direito era previsto nas Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e da Emenda Constitucional n. 1/69:

Constituição de 1934. Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:(...) 12) É garantida a liberdade de associação para fins lícitos, nenhuma associação será compulsoriamente dissolvida senão por sentença judiciária.

Constituição de 1937. Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes(...) 9º) a liberdade de associação, desde que os seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes;

Constituição de 1946. Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:(...) § 12 - É garantida a liberdade de associação para fins lícitos. Nenhuma associação poderá ser compulsoriamente dissolvida senão em virtude de sentença judiciária. § 13 - É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer Partido Político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem.

Constituição de 1967. Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes(...) § 28 É garantida a liberdade de associação. Nenhuma associação poderá ser dissolvida, senão em virtude de decisão judicial.

Emenda Constitucional 1/69. Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes: (...) § 28. É assegurada a liberdade de associação para os fins lícitos. Nenhuma associação poderá ser dissolvida, senão em virtude de decisão judicial.

A Constituição Federal de 1988 traz o tema de forma mais ampla, não seguindo as redações anteriores que apenas constava o direito à liberdade de associação para fins lícitos, o que prova que o Poder Constituinte teve um olhar mais atento e de modo a dar maior garantia, até porque, o Brasil acabava de sair de um regime ditatorial, partindo para uma nova fase democrática. O direito está previsto em cinco incisos do artigo 5º da Constituição Federal

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

A Constituição prescreve que é plena a liberdade de associação para fins lícitos e que a fundação de uma associação civil, na forma da lei, independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento. Aqui é perceptível a ideia de evitar que grupo de pessoas tenham o seu direito afetado, dado que, como demonstrado, as associações permitem um debate interno e organização de classes as vezes excluídas ou que lutam contra arbitrariedades.

O julgamento da ADI 3045 pelo Supremo Tribunal Federal retrata essa proteção a liberdade de associação:

“Diria, até, que, sob a égide da vigente Carta Política, intensificou-se o grau de proteção jurídica em torno da liberdade de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta anterior, nem mesmo durante a vigência do estado de sítio se torna lícito suspender o exercício concreto dessa prerrogativa. O regime constitucional anterior, considerados os mecanismos extraordinários de defesa do Estado, tornava lícito, ao Poder Público, na vigência das medias de emergência, do estado de emergência e do estado de sítio, suspender, temporariamente, o exercício da liberdade de reunião e da liberdade de associação; hoje, porém, tal não mais se revela possível, pois, quer sob égide do estado de defesa, quer sob a égide do estado de sítio, a liberdade de associação mantém-se íntegra a inatingível (CF/88, art. 136,§1º, e art. 139). Revela-se importante assinalar, neste ponto, que a liberdade de associação tem uma dimensão positiva, pois assegura a qualquer pessoa (física ou jurídica) o direito de associar-se e de formar associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante a qualquer pessoa, o direito de não se associar, nem de ser compelida a filiar-se ou a desfiliar-se de determinada entidade. Essa importante prerrogativa constitucional também possui função inibitória, projetando-se sobre o próprio Estado, na medida em que se veda, claramente, ao Poder Público, a possibilidade de interferir na intimidade das associações e, até mesmo, de dissolvê-las, compulsoriamente, a não ser mediante regular processo judicial”.

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Também nesse trilhar, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.1969/DF:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO 20.098/99, DO DISTRITO FEDERAL. LIBERDADE DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO PÚBLICA. LIMITAÇÕES. OFENSA AO ART. 5º, XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. I. A liberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas democracias políticas. II. A restrição ao direito de reunião estabelecida pelo Decreto distrital 20.098/99, a toda evidência, mostra-se inadequada, desnecessária e desproporcional quando confrontada com a vontade da Constituição (WillezurVerfassung). III. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do Decreto distrital 20.098/99.

Como todo direito não é absoluto, a liberdade de associação também possui limitações. A Constituição Federal prescreve em seu art. 5º, inciso XVII que é vedada a criação de associações para fins ilícitos ou paramilitar. Com base na doutrina de José Eduardo Sabo Paes:

“Portanto, proibida ou vedada estará a formação de:

a) associação com fins ilícitos, proibidos por lei, cujas atividades foram atentatórias à moral, aos bons costumes e à ordem pública;

b) societas criminis, conluio entre duas ou mais pessoas para a prática de um determinado crime. Trata-se de coautoria, em que se punem os agentes individualmente, de acordo com sua participação na consumação do delito acertado;

c) societas scleris, ou seja, associação que tem por finalidade reunir malfeitores parra a prática de crimes, organizar quadrilhas (CP, art.288) ou tramar conspiração;

d) associação política paramilitar, que busque a realização de objetivos políticos com organizações de caráter militar (CF de 1988, arts. 5º, XVII, in fine), o que é vedado, inclusive pelo §4º do art.17 da Constituição Federal.”

Além da previsão constitucional, inúmeros Tratados Internacionais tratam do tema. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica – promulgado pelo Decreto n. 678, de 06/11/1992 dispõe:

Artigo 16. Liberdade de associação

1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Decreto n. 592, de 06/06/1992:

ARTIGO 22. 1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de construir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses.

A liberdade de associação é direito fundamental, expressamente previsto na Constituição Federal e Tratado Internacionais, agir contra tal direito é caminhar contra o Estado Democrático de Direito e princípio da dignidade da pessoa humana.

Os indivíduos se associam para serem ouvidos, concretizando o ideário da democracia participativa. Por essa razão, o direito de associação está intrinsecamente ligado aos preceitos constitucionais de proteção da dignidade da pessoa, de livre iniciativa, da autonomia da vontade e da garantia da liberdade de expressão. Uma associação que deva pedir licença para criticar situações de arbitrariedade terá sua atuação completamente esvaziada; e toda dissolução involuntária de associação depende de decisão judicial transitada em julgado (art. XIX, do art. 5º da CF)”

2.2. O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI E A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL

A segurança jurídica, essencial ao Estado de Direito, é resguardada pelo princípio da irretroatividade da lei, gravado como cláusula pétrea no Art. 5º, XXXVI, da CF/88: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Tal garantia visa proteger as situações jurídicas consolidadas contra as mudanças legislativas.

Conceitua Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

"Ato jurídico perfeito é o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (LINDB 6º § 1º). [...] Direito adquirido é aquele que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular [...]"

(Código Civil Comentado. 12. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 236).

A constituição de uma associação, realizada de acordo com as normas vigentes (CF/88 e CC/02), é, portanto, um ato jurídico perfeito. O direito de existir e operar conforme essa constituição válida, bem como os direitos e deveres estabelecidos no estatuto original (dentro da legalidade da época), são direitos adquiridos pela entidade e seus membros.

O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada sobre o tema, afirmando que "a lei nova não pode retroagir para alcançar o ato jurídico perfeito" (v.g., ADI 493/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 25/06/1992), e que mesmo leis de ordem pública não podem, em regra, violar tais garantias constitucionais quando implicam prejuízo a situações já consolidadas.

A aplicação deste princípio perpassa a correta definição de seus conceitos-chave, positivados no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

O ato jurídico perfeito (§ 1º) é definido como "o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou". Nas palavras de Maria Helena Diniz, é aquele que "reuniu todos os elementos necessários à sua formação sob o império da lei velha" (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 187). A constituição de uma associação, mediante o registro de seus atos constitutivos em conformidade com as exigências legais da época (CF/88 e Código Civil), representa um exemplo paradigmático de ato jurídico perfeito, imune à desconstituição por lei posterior que venha a estabelecer novos requisitos formais ou substanciais para a criação de tais entidades.

O direito adquirido (§ 2º) é conceituado como o direito "que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer", bem como "aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem". Trata-se, conforme a doutrina clássica de Limongi França, do direito que "já integra o patrimônio do sujeito de direito, não podendo ser prejudicado por lei nova" (A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 210). O status jurídico de uma associação regularmente constituída, bem como os direitos inerentes à sua existência e funcionamento (como a capacidade de contratar, demandar, ser demandada, e operar segundo seu objeto social lícito), desde que estabelecidos validamente sob a lei anterior, qualificam-se como direitos adquiridos.

A disciplina do direito intertemporal, como sistematizada por Carlos Maximiliano, parte da premissa de que a lei nova tem efeito imediato sobre os fatos pendentes e futuros, mas não pode retroagir (retroatividade máxima ou média) para atingir fatos pretéritos e seus efeitos já consumados, especialmente quando disso resultar prejuízo aos institutos protegidos pelo Art. 5º, XXXVI, da CF/88 (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011).

A Lei Complementar 213/2025, ao regulamentar um setor específico (proteção veicular), insere-se na competência legislativa do Estado para ordenar atividades que tenham repercussão social e econômica. No entanto, essa regulamentação deve harmonizar-se com os princípios constitucionais. Conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, ao tratar da aplicação de novas normas administrativas, embora a Administração possa editar novas regras, estas devem respeitar as situações jurídicas subjetivas já aperfeiçoadas sob o regime anterior (Curso de Direito Administrativo. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2021).

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Sobre o autor
Gabriel Martins Teixeira Borges

Advogado inscrito na OAB/GO 33.568, OAB/PE 53.536 e OAB/RN 20.516. Pós-graduado em Direito Civil, Processo Civil, Direito Tributário e Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás. Jurídico da Força Associativa Nacional-FAN. Jurídico da Organização Nacional do Associativismo - ONA. Jurídico do Instituto do Nordeste de Autorregulação das Associações de Rateio - INAR. Membro da Associação Internacional de Direito Seguro. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Contratual. Diretor da Organização Internacional de Economia Social – OIES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Gabriel Martins Teixeira. Associação de proteção veicular: Lei Complementar nº 213/2025 retroage?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7953, 10 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113496. Acesso em: 24 abr. 2025.

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