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Autismo adulto: invisibilidade, desafios e direitos

Resumo:


  • Autismo na vida adulta é invisível para a sociedade e instituições, resultando em falta de diagnóstico, desemprego e exclusão social.

  • O diagnóstico tardio do autismo gera impactos psicológicos profundos, como angústia, inadequação e esforço constante de camuflagem social.

  • Autistas adultos enfrentam abandono médico, falta de profissionais capacitados, automedicação, violações de direitos no mercado de trabalho e insegurança jurídica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Autistas adultos enfrentam abandono médico, exclusão no trabalho e negligência legal. Como garantir inclusão se o Estado os mantém invisíveis nas políticas públicas?

1. Introdução – A Invisibilidade do Autismo na Vida Adulta

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é, por definição, uma condição neurológica permanente, que acompanha o indivíduo ao longo de toda a vida. No entanto, o debate público, as políticas públicas e até os serviços de saúde ainda tratam o autismo como uma questão quase exclusivamente infantil. Essa percepção limitada não apenas reforça estigmas, mas também institucionaliza a invisibilidade dos adultos autistas, que se veem desamparados justamente no momento em que mais precisam de autonomia, inclusão e respeito aos seus direitos fundamentais.

Dados recentes apontam que 94% dos serviços especializados interrompem o atendimento ao atingir a maioridade, e que cerca de 85% dos autistas adultos estão desempregados ou subempregados​. Tais números escancaram a negligência do Estado brasileiro e revelam uma sociedade despreparada para acolher a diversidade neurológica fora da infância. Como lamenta Rodrigo Cesar de Oliveira Lobo, 32 anos: “Depois que fazemos 18 anos, parece que ficamos invisíveis”​.

Essa invisibilidade não é apenas simbólica — ela se traduz em ausência de diagnóstico, falta de acesso à saúde mental, exclusão do mercado de trabalho e descrédito nos espaços jurídicos. Autistas adultos, especialmente os considerados "nível 1 de suporte", convivem com o paradoxo de parecerem “funcionais” aos olhos da sociedade, enquanto enfrentam desafios severos e silenciosos em seu cotidiano.

A proposta deste ensaio é, portanto, romper o véu da indiferença que cobre o autismo adulto, expondo as falhas estruturais do Estado brasileiro e as omissões sociais que perpetuam essa exclusão. Ao abordar os desafios médicos, psicológicos e jurídicos enfrentados por essa população, buscaremos não apenas denunciar, mas também propor caminhos concretos para uma inclusão real e humanizada. Afinal, reconhecer o autismo na vida adulta não é apenas uma demanda por visibilidade — é uma questão de justiça e dignidade.


2. O Diagnóstico Tardio e Seus Impactos Psicológicos

Entre os inúmeros desafios enfrentados pelos autistas adultos, o diagnóstico tardio talvez seja o mais perverso. Quando o transtorno permanece não identificado por décadas, as consequências se acumulam em forma de angústia, inadequação, esgotamento mental e sofrimento invisível. Isso não ocorre por acaso. No Brasil, os serviços de saúde e educação continuam estruturados para detectar o autismo apenas na infância, ignorando por completo a existência de adultos autistas que passaram toda a vida sendo rotulados como “difíceis”, “esquisitos” ou “fracassados” — muitas vezes por seus próprios médicos, professores e familiares​.

Relatos presentes nos estudos apontam com clareza essa negligência institucional. Uma mulher de 32 anos descreve como a verborragia e a ansiedade dificultaram a investigação correta de seu caso: “Falta de profissionais interessados em investigar minhas demandas, excesso de deduções sem investigação”​. Já M.R., diagnosticada aos 43 anos, resume: “Vivi 43 anos sem diagnóstico – cada fracasso era 'falha de caráter'.”. O diagnóstico tardio, nesses casos, não apenas explica retrospectivamente uma trajetória de sofrimento, como também abre espaço para um processo profundo de ressignificação da identidade.

Esse reencontro com a própria história, porém, não vem sem dor. Muitos adultos diagnosticados tardiamente experimentam um misto de alívio e luto — alívio por finalmente entenderem quem são, e luto por todo o tempo vivido sem apoio, reconhecimento ou acolhimento. A descoberta do diagnóstico traz consigo o peso das oportunidades perdidas e o desafio de reconstruir a autoestima abalada por anos de exclusão e inadequação.

Outro fator de extrema relevância é a prática conhecida como masking — ou camuflagem social —, um comportamento aprendido por muitos autistas para se ajustarem às normas neurotípicas. Embora essa adaptação superficial possa facilitar interações sociais, ela impõe um custo psicológico altíssimo. O esforço contínuo para parecer “normal” leva à exaustão, à perda de identidade e, em muitos casos, à depressão profunda. Como relatado em um dos textos, “as demandas do meu trabalho me obrigam a mascarar o autismo por 12 horas por dia, o que gera altos custos para minha saúde física e mental”​. Essa prática é mentalmente devastadora, especialmente quando não há suporte terapêutico adequado.

A ausência de diagnóstico e de apoio psicológico especializado empurra muitos autistas adultos para a automedicação, o isolamento e, em casos extremos, para pensamentos suicidas. Estudos apontam que os autistas adultos têm risco até 10 vezes maior de ideação suicida em comparação à população geral​. A frase “Eu só queria parar de sofrer nesse mundo que não me aceita” ecoa como um grito silencioso de quem se cansa de tentar caber em moldes que jamais os contemplaram.

Romper com essa lógica exige mais do que empatia: exige ação estruturada. Investir em capacitação de profissionais, criar protocolos específicos para diagnóstico adulto e garantir suporte psicológico contínuo são medidas urgentes. Não reconhecer o autismo na vida adulta é negar às pessoas o direito básico de compreender quem são — e ninguém pode viver plenamente sob a sombra da dúvida sobre sua própria identidade.


3. O Abandono Médico e a Falta de Profissionais Capacitados

A negligência médica em relação aos autistas adultos não é um acaso — é uma falha sistêmica. O próprio desenho dos serviços de saúde no Brasil pressupõe que o autismo seja diagnosticado e tratado apenas na infância, deixando à margem todos aqueles que chegaram à vida adulta sem o reconhecimento formal da condição. O resultado é um sistema que, além de desinformado, é excludente. Adultos com TEA frequentemente enfrentam longas esperas, diagnósticos equivocados e uma rede de atendimento que ignora completamente suas especificidades.

O diagnóstico tardio compromete não apenas o acesso a direitos e tratamentos, mas também o desenvolvimento da identidade e da autoestima do indivíduo. Muitos autistas adultos, ao longo da vida, internalizam a crença de que seus desafios decorrem de falhas pessoais, o que os leva a experimentar sentimentos crônicos de inadequação e frustração. A ausência de um diagnóstico claro impede o entendimento das próprias limitações e necessidades, gerando uma trajetória marcada por culpa e tentativas fracassadas de se adaptar a expectativas sociais para as quais não foram preparados. Essa experiência subjetiva de desencontro consigo mesmo pode ser tão debilitante quanto as barreiras externas, exigindo atenção especial no debate sobre saúde mental e inclusão.

Mesmo aqueles que conseguem chegar a um diagnóstico enfrentam novos desafios: o tratamento adequado e contínuo. Em muitos casos, a ausência de protocolos específicos para adultos autistas leva à medicalização excessiva, ao uso de terapias genéricas e à ausência de abordagens multidisciplinares. Uma mulher de 51 anos relatou que seus médicos não aprofundaram “as pesquisas sobre as limitações e dificuldades, para além das aparências”, expondo o despreparo até mesmo nos casos em que o autismo já havia sido identificado​.

As filas para atendimento especializado são mais um retrato do abandono. A espera por diagnóstico ou acompanhamento na Unifesp, por exemplo, chegou a mil pessoas. Isso representa não apenas uma falha logística, mas o descaso com uma população que, historicamente, já enfrenta barreiras em quase todas as esferas da vida. Para muitos, o acesso a um profissional capacitado exige tempo, dinheiro e deslocamentos que tornam o tratamento simplesmente inviável.

A consequência desse cenário é trágica. Segundo os dados do material analisado, 72% dos autistas adultos recorrem à automedicação em algum momento da vida​. Isso é mais do que um número — é um sinal de desespero. A professora A.D. sintetiza essa contradição: “Preciso trabalhar para pagar tratamentos, mas o trabalho me impede de ter energia para terapias”. Essa frase escancara o ciclo de esgotamento a que estão submetidos: para buscar ajuda, precisam trabalhar; mas o trabalho, sem adaptações, drena suas forças, impedindo o cuidado de que necessitam.

Além disso, a falta de políticas de saúde mental voltadas para adultos com TEA impede que sejam tratadas com efetividade as comorbidades mais comuns, como ansiedade, depressão e TDAH. Esses transtornos, muitas vezes, são mal compreendidos pelos próprios profissionais de saúde, que não têm formação suficiente para interpretar os sinais do autismo em adultos e acabam tratando apenas os sintomas superficiais.

Não se trata apenas de ampliar o acesso ao diagnóstico, mas de transformar completamente a lógica de atendimento: capacitar profissionais, ampliar os serviços, garantir continuidade no cuidado após a infância e adaptar as práticas clínicas à realidade e à subjetividade do adulto autista. O abandono médico, tal como está estruturado hoje, compromete vidas e perpetua a exclusão de quem mais precisa ser acolhido.


4. O Mercado de Trabalho e a Violação de Direitos

O mercado de trabalho representa, para a maioria dos autistas adultos, um território hostil. Ainda que a legislação brasileira reconheça o autismo como uma deficiência para todos os efeitos legais — especialmente após a promulgação da Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) —, a realidade vivida por esses indivíduos é marcada por exclusão, despreparo institucional e violações sistemáticas de direitos trabalhistas. O reconhecimento legal, infelizmente, não se traduziu em inclusão real.

Embora o acesso ao mercado formal de trabalho seja um desafio em si, a permanência no emprego costuma ser ainda mais complexa para autistas adultos. A maioria das empresas brasileiras não está preparada para reconhecer e atender às necessidades específicas dessa população. Falta compreensão sobre o que significa promover um ambiente verdadeiramente acessível: não se trata apenas de contratar autistas para cumprir cotas, mas de garantir condições reais para que possam exercer suas funções com dignidade e produtividade. A ausência de adaptações razoáveis — como ambientes menos ruidosos, rotinas estruturadas, supervisão compreensiva e comunicação clara — torna o cotidiano laboral um campo de tensão constante, contribuindo para altos índices de rotatividade, licenças médicas e sofrimento psíquico.

Mais grave ainda são as violações diretas de direitos. C.M. foi "Demitida por 'jeito inadequado'", e relata a "audácia de invalidar meu diagnóstico no processo". Pesquisas citadas indicam que 83% das demissões de autistas violam leis de inclusão, o que escancara a ineficiência da fiscalização e a fragilidade das garantias formais.

A Lei de Cotas (Lei nº 8.213/1991) estabelece a reserva de vagas para pessoas com deficiência, incluindo os autistas. No entanto, sua aplicação prática é permeada de obstáculos. Muitas empresas resistem a contratar autistas, e quando o fazem, raramente oferecem ambientes adaptados às suas necessidades. Faltam espaços silenciosos, flexibilidade de horário, supervisão humanizada e comunicação clara — medidas simples que poderiam representar a diferença entre a permanência e o colapso funcional.

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O serviço público, que deveria dar o exemplo, também falha. De acordo com os textos analisados, bancas examinadoras já recusaram a inscrição de candidatos autistas nas vagas destinadas a pessoas com deficiência, mesmo diante de laudos e amparo legal. Além disso, autistas que conseguem ingressar em cargos públicos enfrentam resistência na aplicação de direitos assegurados em lei, como a redução de carga horária para acompanhamento de filhos com TEA, e até situações de assédio institucional por parte de chefias despreparadas​.

Outro ponto crítico é o preconceito estrutural que recai sobre autistas classificados como “nível 1 de suporte” — erroneamente rotulados como “autistas leves”. A aparência de funcionalidade leva muitos empregadores (e colegas) a invalidar as dificuldades reais enfrentadas por esses indivíduos. Como afirma uma mulher de 35 anos: “As pessoas esquecem que autista cresce, e nível 1 passa por invisível. Como se fosse leve, e não tem nada de leve — é desafiador”​.

A realidade é que os direitos trabalhistas dos autistas adultos são frequentemente tratados como favores, e não como garantias. A legislação existe, mas sua implementação é ineficaz, e as instituições responsáveis pela fiscalização permanecem inertes. Isso configura não apenas omissão administrativa, mas uma violação sistemática da dignidade dessas pessoas.

Sem ações concretas — como capacitação de empregadores, fiscalização efetiva e cultura organizacional inclusiva —, o mercado de trabalho seguirá sendo um lugar de exclusão, sofrimento e silenciamento para autistas adultos. E enquanto isso persistir, seguiremos sendo cúmplices de um modelo de sociedade que exige adaptação do diferente, mas se recusa a adaptar-se para incluí-lo.


5. A Insegurança Jurídica e o Descompasso Legal

A distância entre o que está previsto na legislação e o que se concretiza na vida dos autistas adultos brasileiros é abissal. Embora o país conte com instrumentos legais importantes — como a Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) —, o que se observa, na prática, é uma constante invalidação desses direitos, seja por desconhecimento, preconceito institucional ou pela ausência de regulamentações claras e específicas. O autismo adulto, especialmente nos níveis de suporte considerados “leves”, permanece juridicamente subestimado e socialmente invisível.

As garantias legais, que deveriam assegurar acesso a benefícios previdenciários, adaptações no ambiente de trabalho e políticas públicas de inclusão, são frequentemente negadas ou judicializadas. Como relatam os textos, é comum que laudos diagnósticos sejam invalidados em concursos públicos, forçando o candidato autista a recorrer ao Judiciário para acessar um direito que já lhe é legalmente assegurado​. Esse tipo de barreira institucional transforma o acesso à cidadania em uma batalha contínua, onde o desgaste emocional e financeiro recai sempre sobre o mais vulnerável.

No campo da previdência, a situação não é diferente. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é, em teoria, garantido a pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social. No entanto, autistas adultos enfrentam sérias dificuldades para acessar esse direito, uma vez que os critérios de avaliação socioeconômica frequentemente ignoram as dificuldades funcionais específicas do autismo​. A consequência é que muitos acabam sendo excluídos de políticas que foram justamente criadas para protegê-los.

A ausência de regulamentações claras também impacta diretamente a vida funcional dos autistas. Profissões reconhecidamente desgastantes, como aquelas exercidas nas áreas da saúde e da segurança pública, não contam com diretrizes específicas para autistas. Assim, a possibilidade de aposentadoria especial, redução de carga horária ou acesso a licenças específicas permanece em um limbo jurídico, criando uma zona cinzenta onde o direito existe, mas não se realiza​.

A percepção equivocada de que o autismo só existe na infância ou a frequente negligência sofrida por autistas de nível 1 de suporte, justamente por, aos olhos da sociedade, "não parecerem autistas", o que dificulta o reconhecimento de suas necessidades reais. Essa invisibilidade funcional compromete o reconhecimento jurídico das necessidades reais desse grupo e, por consequência, mina suas chances de acessar direitos básicos.

Enquanto isso, em outras partes do mundo, experiências mais avançadas demonstram que é possível estruturar políticas públicas mais inclusivas. Países como Canadá, Reino Unido e Austrália já implementam estratégias nacionais voltadas ao autismo ao longo de toda a vida, com ênfase em suporte para adultos, inclusão no trabalho e capacitação de profissionais​. O Brasil, por sua vez, permanece atado a uma lógica assistencialista e infantilizada, que ignora a complexidade e a continuidade das demandas dos autistas ao longo da vida adulta.

A assistência a autistas enfrenta obstáculos tanto no SUS quanto na saúde suplementar. No STJ, o Tema 1.295 discute se planos de saúde podem limitar terapias multidisciplinares, como psicoterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. A decisão impactará famílias atípicas, que já lidam com o lobby dos planos de saúde contra a Análise do Comportamento Aplicada (ABA). O cenário é preocupante.

A insegurança jurídica enfrentada por esses indivíduos não é apenas uma falha técnica do sistema legal. Trata-se de um reflexo direto de uma sociedade que ainda não reconhece plenamente a neurodiversidade como parte integrante de sua estrutura. O descompasso entre o direito formal e a realidade cotidiana dos autistas adultos é, portanto, um problema ético, político e estrutural. E só será superado com vontade institucional, articulação entre os poderes e, sobretudo, com escuta ativa dos próprios autistas, que há décadas gritam por reconhecimento.


6. Considerações Finais – A Urgência de um Compromisso Intersetorial

A invisibilidade dos autistas adultos não é apenas uma falha de percepção coletiva: é uma negligência institucionalizada que compromete direitos fundamentais, destrói trajetórias pessoais e perpetua ciclos de exclusão. Ao longo deste ensaio, ficou evidente que o autismo não desaparece com a chegada à maioridade. No entanto, o suporte público, o acolhimento social e o reconhecimento jurídico frequentemente evaporam assim que o indivíduo deixa de ser criança.

Os depoimentos citados, as estatísticas apresentadas e os relatos de exclusão no mercado de trabalho, no sistema de saúde e no acesso à justiça compõem um cenário alarmante. Um ciclo de sofrimento alimentado por omissões sucessivas: diagnósticos tardios, ausência de profissionais capacitados, precariedade no tratamento, estigmatização e violação de direitos. Tudo isso somado ao peso invisível do masking, da automedicação, do isolamento e da desesperança.

Como sintetizou uma mulher de 32 anos diagnosticada tardiamente: “Sinto que minha vida reiniciou a partir do diagnóstico, tenho sentido melhoras e mais esperança em viver. Os pensamentos suicidas reduziram muito.”​. Esse sentimento, embora profundamente pessoal, também evidencia o quanto foi negligenciado por um sistema que falhou em reconhecer suas necessidades. Ele revela o poder transformador que o reconhecimento, o suporte e o acolhimento podem ter sobre uma vida inteira de luta solitária. Mas também denuncia o quanto foi negligenciado até aqui.

A resposta a essa realidade precisa ser, antes de tudo, sistêmica. É imperativo um esforço coordenado entre Poder Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas, Legislativo, Executivo, empresas e sociedade civil. A inclusão plena dos autistas adultos não é apenas um dever legal e ético, mas um investimento em uma sociedade mais justa, diversa e produtiva.

Entre as medidas urgentes, destacam-se:

  1. Políticas de continuidade, que garantam a transição entre infância e vida adulta com suporte constante e especializado;

  2. Capacitação da rede de saúde, especialmente o SUS, para diagnóstico e tratamento multidisciplinar de adultos autistas;

  3. Fiscalização rigorosa da legislação trabalhista e previdenciária, com enfrentamento à invalidação de laudos e demissões ilegais;

  4. Campanhas públicas de conscientização, para desmistificar o autismo adulto e combater os estigmas associados aos níveis considerados “leves”;

  5. Promoção de acessibilidade real, com adaptações razoáveis nos ambientes de trabalho, estudo e serviços públicos.

Chegou o momento de sair da retórica da inclusão e enfrentar, com seriedade e comprometimento, as barreiras que ainda mantêm milhares de brasileiros autistas em silêncio, invisíveis e à margem. O reconhecimento pleno das necessidades dessa população é mais do que uma questão legal — é um imperativo moral.

Enquanto o Estado não se comprometer a transformar os direitos garantidos em direitos vividos, seguiremos sendo cúmplices de um sistema que julga pela aparência, deslegitima o sofrimento e abandona quem mais precisa de amparo. O futuro que queremos começa com o simples, mas corajoso, gesto de enxergar quem até hoje foi forçado a viver na sombra.

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Sobre os autores
Agostinho Gomes Cascardo Junior

Delegado de Polícia Federal desde 2006, atualmente exercendo a função de Adido Policial Federal do Brasil na Bolívia (desde 2022), já tendo ocupado a função de Superintendente da Polícia Federal em Rondônia (2020 - 2022). É Mestre em Ciência de Sistemas de Informação Geográfica pela Universidade Nova de Lisboa (2021) e Especialista em Segurança Pública (2018) e está cursando Especialização em Gestão de Riscos, Compliance e Auditoria pela PUC/PR. Possui Professional Certificate in Blockchain Fundamentals pela University of California/Berkeley (2021), Geospatial Intelligence Collegiate Certificate pela United States Geospatial Intelligence Foundation (2020) e Cryptocurrency Tracing Certified Examiner (CTCE) pela CipherTrace (2022).

Franco Perazzoni

Autista, delegado de Polícia Federal e professor voluntário no Núcleo de Estudos Amazônicos da Universidade de Brasília (NEAz-UnB). Pós-doutorando em Direitos Humanos, Saúde e Justiça (IGC/POSCOHR) e em Administração Pública (ENAP). Doutor em Sustentabilidade Social e Desenvolvimento (UAb-Portugal).

Lucas Fortaleza de Aquino Ferreira

Psiquiatra, graduado em Medicina pela Unichristus (2014), com Residência Médica em Psiquiatria no Hospital Prof. Frota Pinto (2018) e Mestrado em Ensino na Saúde pela Unichristus (2022). É autor da Escala de Rastreio de Autismo em Adultos (ERA-A) e em Mulheres (ERA-F) e fundador de iniciativas como a startup NeurAtip e o NeuroDivers Think P&D. Nos últimos anos, tem se dedicado ao atendimento clínico, à pesquisa científica e ao desenvolvimento de soluções para adultos autistas, consolidando ampla experiência na área.

Nívia Netto Moraes Eduardo

autista e possui múltiplos cursos de capacitação na área. Psicóloga, graduada em Psicologia pela Universidade de Vila Velha (2011), pós-graduada em Neuropsicologia e Reabilitação Cognitiva pela mesma instituição. Possui pós-graduação em Autismo e TDAH pela Verbo Educacional. Atua há 15 anos na clínica, com experiência em avaliação neuropsicológica e psicoterapia cognitivo-comportamental, com foco no atendimento a pessoas neurodivergentes.

Priscila Ferreira Beni

autista, professora na área de Negócios, doutoranda em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Administração de Empresas com Ênfase em Inovação e Empreendedorismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em neurodiversidade na vida adulta, com foco no desenvolvimento e gestão de estratégias de inclusão no ensino superior e no mercado de trabalho. Idealizadora e fundadora do NeuroDivers Think P&D.

Rodrigo Kredens Silva

Advogado (OAB/PR 77.995) formado pela PUC-PR, Especialista em Saúde Coletiva (PUC-PR) e Cirurgião-Dentista formado pela UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASCARDO JUNIOR, Agostinho Gomes ; PERAZZONI, Franco et al. Autismo adulto: invisibilidade, desafios e direitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7954, 11 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113520. Acesso em: 26 abr. 2025.

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