Capa da publicação Psicopatia: traços e impactos no Direito Penal
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O lado obscuro da psicopatia.

Traços da personalidade, temperamento e caráter no Direito Penal brasileiro

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19/04/2025 às 00:54

Resumo:


  • A psicopatia é um transtorno de personalidade que se destaca pela falta de empatia, manipulação e comportamentos antissociais.

  • No contexto do Direito Penal brasileiro, a psicopatia levanta questões sobre a imputabilidade e responsabilidade penal dos indivíduos afetados.

  • Os psicopatas apresentam características como frieza emocional, manipulação, ausência de culpa, impulsividade e comportamento predatório, representando uma ameaça silenciosa na sociedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. O que diz a lei sobre os psicopatas?

No que tange à matéria penal, a doutrina ainda não é homogênea quanto à culpabilidade de uma pessoa com Transtorno de Personalidade Dissocial. Essa divergência mostra-se compreensível, pois, como mencionado anteriormente, a psicopatia não pode ser caracterizada como uma doença mental.

Por outro lado, há dificuldade em classificar os psicopatas como pessoas plenamente imputáveis, embora seja certo que possuem suas faculdades mentais preservadas e plena capacidade de entender que determinadas condutas são contrárias à ordem jurídica.

A solução encontra-se na figura da semi-imputabilidade, pois o psicopata tem condições de compreender o caráter ilícito de seus atos e até de se comportar conforme esse entendimento, mas não enxerga nenhum problema neles. Dessa forma, são condenados como pessoas “normais”, podendo ter aplicada a causa de diminuição de pena prevista no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal.

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 

Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL. Código Penal).10

O artigo 26 do Código Penal Brasileiro versa sobre a inimputabilidade, ou seja, trata daquelas pessoas que não podem ser responsabilizadas penalmente por seus atos, em virtude de determinadas condições previstas em lei.

Sobre a inimputabilidade, Bitencourt (2010) afirma que se trata da incapacidade de culpabilidade e da inaptidão para ser considerado culpado. Refere-se à ausência de sanidade mental ou de maturidade psíquica, circunstâncias nas quais o indivíduo não pode responder por seus atos em diversas hipóteses previstas legalmente11.

Quando se trata de insanidade mental ou de falta de discernimento — o que não se aplica ao caso do psicopata —, é interessante observar o posicionamento de Bitencourt:

Além de mentalmente não possuir desenvolvimento mental completo, por doença ou perturbação mental é necessário à consequência desse distúrbio: a incapacidade de discernimento [...] reuni dos aspectos um biológico que é a doença em si e um aspecto psicológico que seria capacidade de entender ou autodeterminar. (BITENCOURT, 2010, p. 175)12.

O trecho discute a relação entre doença mental ou perturbação psíquica e a incapacidade de discernimento do indivíduo, aspecto crucial para a análise da responsabilidade penal. O autor afirma ser necessário considerar dois aspectos: o biológico, que se refere à própria doença ou distúrbio, e o psicológico, relacionado à capacidade do indivíduo de compreender suas ações ou de se autodeterminar conforme normas sociais e morais.

Essa análise é fundamental para determinar se uma pessoa pode ser responsabilizada por seus atos, especialmente em casos de transtornos mentais. No caso da psicopatia, por exemplo, a ausência de empatia e o desprezo pelas normas sociais podem comprometer a imputabilidade penal. O texto sugere que indivíduos com tais condições, que não possuem plena capacidade de compreensão ou autodeterminação, devem ser considerados inimputáveis — ou seja, não totalmente responsáveis por seus comportamentos.

De maneira específica sobre a doença mental, Bitencourt ainda ressalta que:

Deve compreender as psicoses que incluem o estado e alienação mental por desintegração da personalidade ou evolução deformada de seus componentes, como ocorre na esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva na paranoia e outras identificadas pela ciência. (BITENCOURT, 2010, p.175).13

Bitencourt (2010, p. 175) aborda o conceito de psicoses, definindo-as como condições que envolvem uma alienação mental resultante da desintegração da personalidade ou de uma evolução deformada de seus componentes, como ocorre em transtornos como a esquizofrenia, a psicose maníaco-depressiva (transtorno bipolar), a paranoia, entre outros. Esses transtornos são caracterizados pela perda do contato com a realidade, frequentemente associada a sintomas como delírios, alucinações e desorganização do pensamento. Pessoas que sofrem de psicose geralmente apresentam uma visão distorcida da realidade, o que pode comprometer sua capacidade de tomar decisões racionais ou de se envolver adequadamente em interações sociais. A psicose, portanto, é entendida como um transtorno que afeta profundamente a percepção da realidade, levando à desintegração da personalidade do indivíduo.

Por outro lado, a psicopatia é um transtorno de personalidade que não envolve a perda do contato com a realidade. Psicopatas, ao contrário de indivíduos psicóticos, são plenamente conscientes de suas ações e frequentemente racionalizam seus comportamentos — muitas vezes antiéticos e manipuladores — sem apresentarem sinais típicos de psicose, como delírios ou alucinações. Embora demonstrem comportamento emocionalmente frio e ausência de empatia, não sofrem alterações perceptivas da realidade, sendo capazes de manipular situações e pessoas de forma consciente e deliberada.

Portanto, a psicopatia não se encaixa na concepção tradicional de alienação mental apresentada por Bitencourt, uma vez que os psicopatas não experimentam uma desintegração mental ou psíquica, como ocorre nas psicoses. A citação evidencia a diferença fundamental entre esses transtornos, esclarecendo que, embora ambos possam ser gravemente prejudiciais tanto para os indivíduos que os apresentam quanto para a sociedade, a psicopatia não envolve a ruptura da personalidade observada nas psicoses, mas sim padrões persistentes de comportamento desviante e ausência de empatia.

De acordo com Narloch (2006), existem muitos indivíduos que possuem características favoráveis ao dos psicopatas, destacam-se dentre eles, alguns casos verídicos como o de Francisco de Assis Pereira, que ficou conhecido como o maníaco do parque, e casos fictícios usados pelos Sistema de entretenimento em forma de filmes e seriados, como Hanniball Lecters de “O Silêncio dos inocentes”. São personagens como esses que aguçam o estudo sobre esta área de Psicologia e encarnem o mal através de comportamentos incomuns, bizarros, e na maioria das vezes, criminosos.14

De acordo com Narloch (2006), muitos indivíduos exibem características similares às dos psicopatas. Alguns casos reais, como o de Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, e fictícios, como Hannibal Lecter, de O Silêncio dos Inocentes, são frequentemente destacados. Esses exemplos, tanto da vida real quanto da mídia, contribuem para o estudo da psicologia, pois ilustram comportamentos bizarros, antiéticos e frequentemente criminosos, característicos da psicopatia. A presença dessas figuras na cultura popular desperta o interesse e estimula a reflexão sobre os limites entre a normalidade e a patologia no comportamento humano.

Hervey Milton Cleckley (1976, p. 90) descreve o psicopata como uma pessoa absolutamente indiferente aos valores sociais, incapaz de compreender qualquer situação relacionada a eles. Demonstra total desinteresse pela evolução da humanidade e é inapto a compreender ou se envolver com questões ligadas à literatura e à arte. Além disso, é completamente incapaz de apreciar aspectos fundamentais da vida cotidiana, como a beleza, a feiura, o amor, a maldade, o humor e o terror.15

A psicopatia é um transtorno de personalidade que, normalmente, é muito difícil de diagnosticar e detectar. Afinal, um psicopata pode parecer um indivíduo como qualquer outro, podendo ser, inclusive, sedutor, inteligente e carismático.

Para a Psicologia, a psicopatia é caracterizada como um conjunto de traços específicos de personalidade que, além disso, se manifesta por padrões comportamentais peculiares.

Dessa forma, na psicopatia, destacam-se três características principais de personalidade:

  • Desinibição: caracteriza-se pela dificuldade em controlar impulsos, pela impaciência e pela incapacidade de avaliar as consequências de suas ações.

  • Intrepidez: refere-se à ausência de reação adequada a situações de estresse ou perigo, acompanhada de autoconfiança excessiva e grande habilidade de manipulação.

  • Insensibilidade: está relacionada à dificuldade de sentir empatia, de se colocar no lugar do outro e de vivenciar emoções genuínas por outras pessoas. Envolve, ainda, uma busca constante por prazer pessoal, mesmo que isso cause danos a terceiros. Além disso, o indivíduo apresenta dificuldade em estabelecer vínculos e envolvimento emocional.

O lado obscuro da psicopatia se manifesta por meio de comportamentos frios, calculistas e insensíveis, que contrastam fortemente com a aparência, muitas vezes carismática e funcional, do indivíduo. Trata-se de um transtorno complexo, no qual o psicopata demonstra total ausência de empatia, culpa ou remorso por seus atos, sendo capaz de causar profundo sofrimento a outros sem qualquer sinal de arrependimento.

Entre as principais características desse lado sombrio, destacam-se:

  • Frieza emocional: psicopatas têm extrema dificuldade em estabelecer vínculos afetivos genuínos. Suas emoções são superficiais ou simuladas, com o objetivo de manipular terceiros.

  • Manipulação e mentira patológica: utilizam a mentira como ferramenta constante, muitas vezes sem necessidade aparente, apenas como parte de seu jogo de controle e dominação.

  • Ausência de culpa ou remorso: mesmo após cometerem atos cruéis ou violentos, não demonstram arrependimento, justificando ou minimizando suas ações com frieza.

  • Charme superficial: uma das facetas mais perigosas da psicopatia é a capacidade de se mostrar sedutor, simpático e envolvente, o que muitas vezes mascara sua verdadeira natureza.

  • Impulsividade e irresponsabilidade: psicopatas vivem intensamente o presente, sem preocupação com as consequências futuras, o que os leva a agir de maneira imprudente ou até criminosa.

  • Comportamento predatório: enxergam as pessoas como objetos ou meios para alcançar seus objetivos, sendo capazes de traçar planos friamente para explorar ou prejudicar alguém.

Esses traços contribuem para o perfil de um indivíduo que, apesar de estar inserido na sociedade, representa uma ameaça silenciosa. O lado obscuro da psicopatia, portanto, revela um ser humano funcional na aparência, mas emocionalmente disfuncional, guiado por impulsos de dominação, prazer e controle.

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O psicopata apresenta um conjunto específico de características que o diferenciam dos demais transtornos de personalidade. Entre os traços mais marcantes está a ausência de empatia — ou seja, a incapacidade de se colocar no lugar do outro ou de sentir compaixão. Essa frieza emocional permite que ele cause sofrimento sem experimentar culpa ou remorso. Mesmo quando seus atos são claramente prejudiciais, o psicopata tende a justificar seu comportamento ou a transferir a responsabilidade para os outros.

Além disso, mentem com naturalidade, utilizando a mentira como ferramenta de controle. São egocêntricos, arrogantes e apresentam um senso de superioridade que os leva a acreditar que estão acima das normas e das leis. Demonstram também impulsividade, tomando decisões precipitadas, sem considerar as consequências de seus atos. No convívio social, mantêm relacionamentos superficiais e instáveis, guiados por interesse pessoal, pois não formam laços afetivos genuínos. Costumam adotar um estilo de vida parasitário, explorando os outros para obter benefícios próprios, e têm grande dificuldade em manter compromissos, promessas ou responsabilidades.

Outra característica importante é a baixa tolerância à frustração, que pode levar a explosões de raiva ou a comportamentos agressivos diante de contrariedades mínimas. Ainda que muitos psicopatas não sejam criminosos violentos, suas atitudes são, em geral, antiéticas, manipuladoras e socialmente prejudiciais. É importante ressaltar que a psicopatia não é uma psicose: o psicopata mantém contato com a realidade, sabe distinguir o certo do errado, mas age de forma fria, calculista e sem remorso, o que reforça a complexidade e a periculosidade desse transtorno de personalidade.

Entre os traços mais comuns observados no comportamento e nos hábitos de pessoas com esse transtorno, destacam-se: falta de empatia, impulsividade, egocentrismo, megalomania, mentira patológica, busca constante por aventuras, comportamentos antissociais e ausência de emoções genuínas.

“O conceito de psicopatia tem sido, ao longo da evolução dos conhecimentos no campo da psicopatologia, objeto de muitas controvérsias devido à multiplicidade de aspectos envolvidos neste distúrbio (social, moral, criminal, etc)”. (BITTENCOURT, 1981, p. 20)16.

A citação de Bitencourt é bastante pertinente ao destacar a complexidade e as controvérsias que cercam o conceito de psicopatia dentro da psicopatologia. Essa complexidade decorre, em grande parte, do fato de que a psicopatia não pode ser compreendida apenas sob uma perspectiva única. Trata-se de um fenômeno que envolve dimensões sociais, morais, criminais e psicológicas, o que leva diferentes áreas do saber a interpretá-la de maneiras diversas.

Historicamente, a psicopatia foi objeto de estudo tanto da psiquiatria quanto da criminologia, da psicologia e até da filosofia moral, cada uma trazendo diferentes enfoques. Por exemplo, enquanto a medicina e a psicologia buscam compreender o comportamento do psicopata a partir de padrões neurológicos e comportamentais, a criminologia observa o impacto social e legal dessas atitudes, e a ética discute os limites da responsabilidade moral de um indivíduo que parece não sentir culpa nem empatia.

Além disso, as classificações diagnósticas também evoluíram e, muitas vezes, geram confusão. A psicopatia não aparece como diagnóstico formal no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), mas é frequentemente associada ao Transtorno de Personalidade Antissocial. No entanto, muitos especialistas argumentam que nem todo indivíduo com transtorno antissocial é psicopata — e vice-versa. A psicopatia possui traços específicos, como frieza emocional, superficialidade afetiva, charme manipulador e ausência total de remorso, que vão além do comportamento meramente desviante.

A controvérsia também está ligada ao fato de que o psicopata, muitas vezes, não apresenta sintomas visíveis de transtorno mental e pode ser socialmente funcional, o que dificulta seu diagnóstico e levanta questões sobre a culpabilidade criminal. Por isso, muitos debates giram em torno de até que ponto um psicopata pode ou não ser considerado plenamente responsável por seus atos perante a lei.

A psicopatia é um fenômeno multidimensional que desafia definições simplistas. A citação de Bitencourt expressa bem essa realidade ao apontar que o conceito ainda é objeto de debates e revisões constantes, refletindo os avanços e os impasses no entendimento desse distúrbio. Para compreendê-la de forma mais ampla, é necessário integrar diferentes áreas do conhecimento, respeitando suas especificidades e limitações.

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Sobre a autora
Vanesca Maria Barbosa de Lira

Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas de Limoeiro – FACAL (Limoeiro/PE). Graduada em Investigação Forense e Perícia Criminal pela Universidade Estácio de Sá (Caruaru/PE). Pós-graduada em Direito das Mulheres pela Faculdade i9. Pós-graduanda em Inteligência Policial pela Faculdade da Região Serrana – FARESE (Santa Maria de Jetibá/ES). Pós graduada em Direitos Humanos. Estudante de Psicanálise. Perita Judicial Grafotécnica. Autora de diversos artigos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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