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O dano na responsabilidade civil

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10/06/2008 às 00:00
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Ao contrário do que ocorre na esfera penal, o dano sempre será elemento essencial na configuração da responsabilidade civil; não há responsabilidade civil por ‘tentativa’, ainda que a conduta tenha sido dolosa.

Dano é toda lesão a um bem juridicamente protegido, causando prejuízo de ordem patrimonial ou extrapatrimonial. Sem que tenha ocorrido dano a alguém, não há que se cogitar em responsabilidade civil. Ao contrário do que ocorre na esfera penal, aqui o dano sempre será elemento essencial na configuração da responsabilidade civil; não há responsabilidade civil por ‘tentativa’, ainda que a conduta tenha sido dolosa.

Para Agostinho Alvim (1972, p. 180), hipóteses tais como de juros de mora, cláusula penal e arras não pressupõem dano, estando mais ligadas à idéia de penalidade do que de ressarcimento de um dano, daí estarem fora do âmbito da responsabilidade civil. Ocorre que todas essas situações são tratadas pela legislação como ‘danos presumidos’ – CC, arts. 404, §ú; 416, §ú; e 419, respectivamente –, mostrando o cuidado do legislador em manter a distinção apontada acima entre o caráter punitivo da sanção penal e o caráter reparatório da sanção civil.

"Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum praticamente a todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinadamente do dever de indenizar.

"(...). Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral" (CAVALIERI F.º, 2005, p. 95-96).

Para Pessoa Jorge (1999, p. 381-382), o dano corresponde à lesão de certo bem, que conduz ao dano concreto, ou real.

Acrescenta ainda:

"(...), discute-se em que aspecto das situações jurídicas ele se insere: se consiste na violação do direito subjectivo, ou na ofensa ao bem, ou na lesão à disponibilidade deste, ou na ofensa ao interesse do titular.

"Parece-nos, dentro desta concepção, que o prejuízo deve ser entendido como frustração efectiva das utilidades do bem.

"Referimos acima o mecanismo da ofensa-lesão a situações vantajosas; ora, o prejuízo só existe quando, havendo essa lesão, o respectivo titular não consegue, na realidade, usufruir as utilidades do bem, ou só o consegue com maior esforço, hipótese em que o prejuízo consiste nesse maior esforço.

"O dano surge, assim, em relação a qualquer situação vantajosa, mesmo de facto, e não se reporta necessàriamente à lesão de um direito subjectivo; mas só é relevante para efeitos de responsabilidade civil, quando resulta da lesão de uma situação vantajosa tutelada pelo direito, nos termos que vimos acima.

"Deste modo, o prejuízo não se confunde com a lesão do direito ou, em geral, da situação vantajosa. Se o empreiteiro, obrigado a entregar a casa dentro de determinado prazo, só vem a fazê-lo quinze dias mais tarde, houve ofensa do direito de crédito, mas pode não ter havido prejuízos, v. g. se o dono da casa, que a destinava a sua habitação, não a utilizaria nesse período por se encontrar ausente no estrangeiro. Se alguém danifica ou se apropria de coisa alheia, lesa o direito de propriedade; mas, se a conserta ou restitui antes que dela necessite o dono, não provoca prejuízos a este, pelo que não haverá responsabilidade civil" (Pessoa Jorge, 1999, p. 384).

Assim, são patrimoniais os danos a interesses avaliáveis em dinheiro; não patrimoniais ou morais são os que se verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. Outrossim, a distinção entre dano patrimonial e extrapatrimonial (moral), é importante ressaltar, não se faz apenas com base no direito ofendido, visto que, p.ex., a ofensa a bens da personalidade (bens imateriais) freqüentemente gera prejuízos de ordem patrimonial, como a perda de capacidade laborativa em razão de ofensa corporal, ou a perda de clientela provocada por violação da honra (cf. Pessoa Jorge, 1999, p. 373).

Nem todo dano, porém, é indenizável; há que reunir certos requisitos: alienidade (ou alteridade), certeza e mínimo de gravidade (Pessoa Jorge, 1999, p. 384-387).

A primeira exigência que se faz é que os prejuízos tenham sido suportados por outra pessoa que não o agente; somente haverá antijuridicidade na lesão a patrimônio alheio, não havendo que se falar em dever de reparar dano infligido a si próprio ou ao seu próprio patrimônio.

Haverá ainda que ser certo o dano. Isto é, não se indeniza o prejuízo hipotético ou eventual, de verificação duvidosa (Pessoa Jorge, 1999, p. 386). Quanto aos lucros cessantes e aos prejuízos futuros, baseia-se "na evolução normal (e, portanto, provável) dos acontecimentos" (Pessoa Jorge, 1999, p. 387).

A atualidade, isto é, a contemporaneidade do dano com a responsabilização, apesar de freqüentemente ser listada como requisito da reparabilidade do dano, não se faz essencial. Não é correto, assim, excluir definitivamente o dano futuro, uma vez que também ele será indenizável "desde que, ao tempo da responsabilização, já se possam verificar os fatos que, com certeza ou com razoável probabilidade darão ensejo a prejuízos projetados no tempo" (Tepedino et al., 2004, p. 334).

Por fim, exige-se que o dano sofrido apresente um mínimo de gravidade, de modo que o prejuízo insignificante não caracteriza descumprimento de dever por parte do agente.

Quanto a esse requisito, elucidativa é a lição de Pessoa Jorge:

"A lei não afirma expressamente que o prejuízo, para ser reparável, tenha de apresentar um mínimo de gravidade ou valor, mas tal conclusão é imposta pelo bom-senso e até pelo princípio da boa-fé: a exigência da reparação de um desses prejuízos [mínimos] só poderia explicar-se pelo propósito de vexar o lesante e, como tal, não mereceria a tutela do direito. Sendo a responsabilidade civil uma obrigação, pode invocar-se, em abono desta tese, a regra do n.º 2 do artigo 298.º, [do Código Civil Português] segundo a qual a prestação deve corresponder a um interesse do credor digno de protecção legal.

"(...)

"Esse requisito do mínimo de gravidade só poderá apreciar-se, caso a caso, pelo prudente arbítrio do julgador. Mas não significa que apenas sejam reparáveis os prejuízos de valor elevado; também o serão os pequenos prejuízos, desde que excedam o referido mínimo. E tem de se ter presente que o acto ilícito pode revestir carácter continuado e ir provocando prejuízos insignificantes, cuja acumulação todavia representa grande perda" (Pessoa Jorge, 1999, p. 387-388).

No mesmo sentido é a posição de Antunes Varela:

"A gravidade do dano há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado" (apud Cavalieri F°., 2005, p. 102-103).

Reflexo disso é a tese amplamente acolhida pela jurisprudência de não indenizar os "meros dissabores"1. Não é dizer que nesses casos não há dano, pois dano há; o que não há é um mínimo de gravidade que torne aquele dano indenizável.


1. Dano patrimonial

Dano patrimonial, então, é aquele que pode ser avaliado pecuniariamente por critérios objetivos, "podendo ser reparado, senão diretamente – mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão –, pelo menos indiretamente – por meio de equivalente ou indenização pecuniária" (Antunes Varela apud Cavalieri F.º, 2005, p. 96-97).

Patrimônio pode ser entendido como "o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro" (Cavalieri F.º, 2005, p. 96), ou, na definição de Windscheid, uma unidade juridicamente relevante, não representando a soma de suas partes mas a unidade delas, o ‘todo’ como coisa em si, contraposta às suas partes. Lembre-se, porém, que o dano patrimonial, como já dito acima, não será necessariamente aquele que atinge bem patrimonial, sendo perfeitamente possível que surja de dano a bem imaterial, bem como é possível, e freqüente, que lesões causadas a bens patrimoniais gerem danos extrapatrimoniais.

"Tradicionalmente, define-se dano patrimonial como a diferença entre o que se tem e o que se teria, não fosse o evento danoso. A assim chamada ‘Teoria da Diferença’, devida à reelaboração de Friedrich Mommsen, converteu o dano numa dimensão matemática e, portanto, objetiva e facilmente calculável" (Maria Celina Bodin, 2003, p. 143).

O dano patrimonial pode ser classificado como lucro cessante ou dano emergente –art. 402. do CC; este reflete a diminuição efetiva do patrimônio, enquanto aquele representa a frustração de um ganho (Pessoa Jorge, 1999, p. 377), pouco importando o momento da verificação do prejuízo – não se exige a atualidade do dano; ou seja, posto que o lucro cessante freqüentemente somente esteja configurado no futuro, ele será indenizado, pois impedir o aumento do patrimônio também é considerado dano para fins de reparação civil.

Vejamos agora um pouco mais a fundo tal diferenciação.

1.1. Dano emergente

Dano emergente é tudo aquilo que se perdeu, importando "efetiva e imediata diminuição no patrimônio da vítima", devendo a indenização "ser suficiente para a restitutio in integrum" (Cavalieri F.º, 2005, p. 97). Ele não será composto necessariamente somente pelos prejuízos sofridos diretamente com a ação danosa, mas incluirá também tudo aquilo que a vítima despendeu com vistas a evitar a lesão ou o seu agravamento, bem como outras eventuais despesas relacionadas ao dano sofrido.

Há autores que defendem ser indenizável também o dano indireto (reflexo, ou em ricochete) – apesar da restrição que consta do art. 403. do CC –, que é aquele "ensejado por condição advinda do fato lesivo" (Carolina de Paula, 2007, p. 39). Para Noronha (2003, p. 578), basta que os danos indiretos sejam certos e conseqüência adequada do ato antijurídico para que sejam indenizáveis. Já Agostinho Alvim (1972, p. 361) entende que somente será indenizável o dano indireto quando não concorrerem concausas para a sua realização.

O dano emergente poderá ainda ser classificado como dano presente – se já verificado, ou dano futuro – se ainda não verificado. Tal distinção não encontra guarida expressa em nossa legislação civil, que fala tão somente em "prejuízos efetivos e lucros cessantes por efeito direto e imediato" do ato (art. 403, do CC). Já a legislação portuguesa, p. ex., prevê essa distinção de forma explícita no art. 564.º, 2, de seu Código Civil2, remetendo a fixação da indenização para o futuro quando não houver elementos para sua determinação. Na doutrina francesa, por outro lado, a existência de elementos que possibilitem a avaliação do dano futuro é considerada requisito para a sua indenizabilidade (cf. Caio Mário, 1999, p. 40).

A ausência de previsão em nossa legislação não é óbice para a indenizabilidade do dano futuro, pois não se exige que o resultado se produza ato contínuo ao ato antijurídico, mas tão somente que lhe seja "efeito direto e imediato", pouco importando o momento em que se produz.

Os danos futuros podem ainda ser classificados em certos e eventuais, "em função da certeza ou incerteza da sua verificação" – os danos presentes são sempre certos, pois já se verificaram (Pessoa Jorge, 1999, p. 380-381). Como é intuitivo, certo é o dano cuja realização é conseqüência lógica, natural e esperada. Já o dano eventual é aquele cuja concretização, através de um juízo de probabilidade, não se pode afirmar, não sendo, portanto, indenizável (cf. Noronha, 2003, p. 666-667).

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1.2. Lucro cessante

Por sua vez, o lucro cessante reflete a "perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro" e decorre "não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima (...), como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado", desde que se configure como conseqüência necessária da conduta do agente (Cavalieri F.º, 2005, p. 97-100). Pressupõe-se "que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou", i.e., "a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho" (Pessoa Jorge, 1999, p. 378).

Na breve definição de nossa lei, lucro cessante é aquilo que razoavelmente se deixou de lucrar (art. 402, do CC). Razoável, na definição de Cavalieri F.º (2005, p. 98), "é aquilo que o bom senso diz que o credor lucraria, apurado segundo um juízo de probabilidade, de acordo com o normal desenrolar dos fatos". Daí dizer Agostinho Alvim (1972, p. 189) que, "até prova em contrário, admite-se que o credor haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz que lucraria", presumindo-se que os fatos se desenrolariam segundo o seu curso normal, não tivesse ocorrido a intervenção do agente.

O BGB, em seu §252, oferece uma definição mais completa, definindo o lucro cessante como aquele que "com certa probabilidade era de esperar, atendendo ao curso normal das coisas ou às especiais circunstâncias do caso concreto e, particularmente, às medidas e previsões adotadas"3.

Nesta categoria podemos ainda incluir a chamada perda de chance, que envolve a interrupção por ato antijurídico de um processo em curso que propiciaria a uma pessoa a oportunidade de obter no futuro algo benéfico – que pode ser a obtenção de uma vantagem, ou a prevenção de um prejuízo que vem efetivamente a ocorrer –, de modo que aquela oportunidade se perdeu de modo definitivo (cf. Noronha, 2003, p. 665). O fato de posteriormente outra oportunidade semelhante surgir não elimina o caráter antijurídico da conduta.

"A doutrina francesa, aplicada com freqüência pelos nossos Tribunais, fala da perda de uma chance (perte d’une chance) nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, arrumar um novo emprego, deixar de ganhar uma causa pela falha do advogado etc. É preciso, todavia, que se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada" (Cavalieri F.º, 2005, p. 97).

Assim, Yves Chartier afirma que "a reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seria realizada, e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo" (apud Caio Mário, 1999, p. 42). Daí não se admitir a reparação de dano hipotético, ou remoto, que não seria conseqüência direta e imediata do ato antijurídico; "o lucro frustrado há de ser conseqüência necessária da conduta do agente, não bastando que o ato ilícito se erija em causa indireta ou remota do dano" (Cavalieri F.º, 2005, p. 100).

Portanto, não é suficiente que haja uma possibilidade de ocorrência do dano; não se exige, porém, que a sua ocorrência seja absolutamente certa. Renato Maneschy, (apud Cavalieri F.º, 2005, p. 99) aponta como critério "condicionar o lucro cessante a uma probabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugados às circunstâncias peculiares do caso concreto", de modo que será "sempre necessário que os efeitos decorram e se produzam do ato danoso em relação ao futuro, impedindo ou diminuindo o benefício patrimonial legitimamente esperado".

Note-se que não há um nexo de causalidade ligando diretamente o ato com o dano, de modo que não é possível, sem alguma flexibilidade dogmática, afirmar que na perda de chance o dano é conseqüência "direta e imediata" do injusto. A resolução dessa questão está ligada às teorias da causalidade, estudadas mais adiante. Adiantamos que, adotando uma leitura estrita do texto legal, não é possível sustentar a reparabilidade da perda de chance, exatamente por lhe faltar o caráter de imediação, como decorrência direta da ação. É preciso, então, ir além do texto da lei, e pensamos que o melhor fundamento pode ser encontrado na teoria da causalidade adequada.


2. Dano extrapatrimonial

Inicialmente, é importante apontar uma questão terminológica: há doutrinadores que se referem à categoria de dano oposta ao dano material (ou patrimonial) como dano moral, enquanto outros preferem a expressão dano extrapatrimonial, por ser este um termo mais representativo e menos limitado, pois "o caráter principal desta espécie de dano é o de não atingir o patrimônio, e não pròpriamente, o de ser moral" (Agostinho Alvim, 1972, p. 219).

Há autores, como Maria Celina Bodin (2003, passim), que restringem o dano extrapatrimonial às violações aos direitos da personalidade. De certo modo semelhante é a posição de Cavalieri F.º (2005, p. 102), para quem a proteção legal se estende "a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética", não mais se limitando à dor, tristeza e sofrimento, como fora outrora.

"Os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade, e à liberdade estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro fundamento e essência de cada preceito constitucional relativo aos direitos da pessoa humana.

"À luz da Constituição vigente, podemos conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral" (Cavalieri F.º, 2005, p. 101).

Para Pessoa Jorge (1999, p. 373), é a lesão de interesses de ordem espiritual, consistindo na "dor ou desgosto que deriva da perda de um ente querido, da ofensa corporal que provoca um sofrimento ou deformação física, da calúnia que atinge a honra ou a reputação" – a ‘dor da alma’, na expressão de Cavalieri F.º (2005, p. 100). Para Agostinho Alvim (1972, p. 220), também o dano extrapatrimonial supõe a dor moral ou física.

Aguiar Dias (1960, p. 771-772), por outro lado, seguindo a linha de Savatier, conceitua-o por exclusão: aquilo que não pode ser considerado dano patrimonial é dano extrapatrimonial (moral, na terminologia por ele utilizada). Assim, a distinção "não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão sobre o lesado", de modo que "tanto é possível ocorrer dano patrimonial em conseqüência de lesão a bem não patrimonial, como dano moral por efeito da ofensa a bem material".

Portanto, a característica principal do dano extrapatrimonial seria não o bem protegido, mas a impossibilidade de se efetuar uma avaliação objetiva do dano.

"Assim, no momento atual, doutrina e jurisprudência dominantes têm como adquirido que o dano moral é aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas" (Maria Celina Bodin, 2003, p. 157-158).

Já Cavalieri F.º (2005, p. 100-104) o define como violação do direito à dignidade, estando desvinculado do aspecto psíquico da vítima, de modo que a "dor, vexame, sofrimento e humilhação" são apenas reflexos do dano moral sofrido que podem ou não ocorrer, e não o dano em si, no que nos parece extremamente preciso (nesse sentido: Maria Celina Bodin, 2003, p. 131).

Como conseqüência dessa idéia, torna-se possível a colocação no pólo passivo de vítimas que não estão sujeitas a um "detrimento anímico, como se dá com doentes mentais, as pessoas em estado vegetativo ou comatoso, crianças de tenra idade e outras situações tormentosas". Mesmo que a pessoa não tenha consciência da lesão que lhe é imposta,

"enquanto ser humano será detentora de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade, mais precioso que o patrimônio. É a dignidade humana, que não é privilégio apenas dos ricos, cultos ou poderosos, que deve ser por todos respeitada. (...).

"Os direitos da personalidade, entretanto, englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada" (Cavalieri F.º, 2005, p. 101-102).

No entanto, de forma que nos parece contraditória, Cavalieri F.º (2005, p. 105) afirma que somente é dano moral a "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar", e que o "mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada" estão fora da abrangência do dano moral, por "fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia", bem como porque "tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo". A configuração do dano moral seria constatada não pelo ato em si, mas pela repercussão que ele possa ter no sentimento íntimo e pessoal da dignidade da vítima. "A eventual repercussão apenas ensejará o seu agravamento" (p. 105-106).

Se, como afirmado acima, o aspecto psíquico da vítima é irrelevante, sendo possível que a pessoa sofra dano extrapatrimonial (moral) ainda que não tenha consciência do ato lesivo, o fato de a vítima ter sofrido uma humilhação que foge à normalidade, ou ter o seu "equilíbrio psicológico rompido" em nada influi na constatação do dano. O simples fato de a vítima ter, p.ex., tido um direito seu da personalidade violado já configura o dano moral, pouco importando a intensidade do sofrimento a que se submeteu, se é que houve algum.

Com pensamento semelhante, Caio Mário (1999, p. 39) já apontava, no âmbito da responsabilidade patrimonial, que "o que orientará a justiça, no tocante ao dever ressarcitório, é a lesão ao direito ou interesse da vítima, e não a sua extensão pecuniária".

A fim de se eliminar os chamados ‘meros aborrecimentos’ do campo da responsabilização civil, parece-nos que o foco deve ser colocado na ação causadora do dano, e não no aspecto psicológico da vítima – de difícil prova e quase impossível contraprova, diga-se de passagem.

"(...). De fato, não será toda e qualquer situação de sofrimento, tristeza, transtorno ou aborrecimento que ensejará a reparação, mas apenas aquelas situações graves o suficiente para afetar a dignidade humana em seus diversos substratos materiais, já identificados, quais sejam, a igualdade, a integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade familiar ou social, no plano extrapatrimonial em sentido estrito" (Maria Celina Bodin, 2003, p. 188-189).

Outrossim, exatamente por não se referir a um dano material, monetariamente apreciável, a doutrina descarta o termo ‘indenização’, em favor de ‘compensação’ (cf., p.ex., Maria Celina Bodin, 2003, p. 145), pois não há como haver propriamente uma indenização, um desfazimento do dano, mas tão somente se compensa o dano sofrido "com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização" (Cavalieri F.º, 2005, p. 102). Tanto Ripert (1949, p. 347) como os Mazeaud (apud Caio Mário, 1999, p. 56) ressaltam esse aspecto ao apontar que a reparação do dano moral visa à substituição de uma satisfação perdida por outra equivalente.

2.1. Dano estético

O dano estético surgiu como desmembramento do dano puramente psicológico, ligado inicialmente às "deformidades físicas que provocam aleijão e repugnância", desenvolvendo-se no sentido de abarcar também os "casos de marcas e outros defeitos físicos que causem à vítima desgosto ou complexo de inferioridade" (Cavalieri F.º, 2005, p. 123).

Esse dano não deve ser confundido com os reflexos patrimoniais do dano, tais como perda ou redução da capacidade laborativa – é categoria autônoma, de modo que não há, e jamais houve, impedimento na cumulação entre esses diferentes danos, como já reconhecia o Código Civil de 1916, em seu art. 1.538.

Segundo entendimento pacificado do STJ4, o dano estético, ao contrário do dano puramente moral, é concreto, é físico, ainda que não-patrimonial. Enquanto o dano moral propriamente dito seria de ordem puramente psíquica, pertencente ao foro íntimo, o dano estético é visível, porque concretizado na deformidade.

Por outro lado, Cavalieri F.º (2005, p. 123-124) aponta que o dano estético não passa de um aspecto do dano moral. "Em razão da sua gravidade e da intensidade do sofrimento, que perdura no tempo, o dano moral deve ser arbitrado em quantia mais expressiva quando a vítima sofre deformidade física".

2.2. Dano à imagem

O direito à imagem e a sua proteção vêm consagrados no art. 20, do CC vigente, estendidos, "no que couber", às pessoas jurídicas, pelo art. 52.

A doutrina em geral define o direito à imagem a partir da perspectiva da pessoa física. Para Jean Carbonier, é atributo da pessoa física, um desdobramento do direito da personalidade (Cf. Cavalieri F.º, 2005, p. 125). Já Carlos Alberto Bittar (2004, p. 94) o define como o direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos componentes distintos que a individualizam no seio da coletividade, compreendendo um conjunto de caracteres que a identificam no meio social; é dizer "é o vínculo que une a pessoa à sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em partes significativas".

Cavalieri F.º (2005, p. 126) resume:

"a imagem é um bem personalíssimo, emanação de uma pessoa, através da qual projeta-se, identifica-se e individualiza-se no meio social. É o sinal sensível da sua personalidade, destacável do corpo e suscetível de representação através de múltiplos processos, tais como pinturas, esculturas, desenhos, cartazes, fotografias, filmes".

Posto que seja um dos direitos da personalidade, e com eles compartilhe diversas características, o direito à imagem diferenciar-se-ia pela disponibilidade:

"a imagem de uma pessoa só pode ser usada em campanha publicitária de produtos, serviços, entidades, mediante autorização do seu titular, com as exceções referidas pelos doutrinadores, como a figura que aparece numa fotografia coletiva, a reprodução de imagem de personalidades notórias, a que é feita para atender ao interesse público, com o fito de informar, ensinar, desenvolver a ciência, manter a ordem pública ou a necessária à administração da justiça.

"O consentimento do titular da imagem não constitui renúncia, porque aquele não produz a extinção do direito, e tem um destinatário favorecido por seus efeitos. Quando se consente na utilização de um direito, tal consentimento é dado a pessoa ou pessoas determinadas, sem que por isso se queira produzir a extinção do direito. Essas pessoas poderão legitimamente fazer uso desse direito, como, por exemplo, a imagem de outrem, sem que haja nisso qualquer lesão" (Cavalieri F.º, 2005, p. 126-127).

O uso indevido da imagem de outrem poderá lesar o patrimônio daquele que teve seu direito violado em diversos aspectos: poderá gerar dano patrimonial referente ao valor exploração comercial de sua imagem, ou a eventual prejuízo que o uso indevido lhe acarretou. Por outro lado, poderá acarretar dano moral sempre que a imagem "for utilizada de forma humilhante, vexatória, desrespeitosa, acarretando dor, vergonha e sofrimento ao seu titular" (Cavalieri F.º, 2005, p. 127).

Com o fim da personalidade civil, os sucessores do detentor do direito à imagem passam a ser titulares daquele direito, e não só do crédito decorrente de eventual violação anterior à cessação da personalidade. Assim, os herdeiros poderão pleitear, em nome próprio, a reparação por dano patrimonial sofrido, bem como por eventual dano moral. No caso do dano moral o direito positivo estende a legitimidade para os parentes próximos (CC 12, parágrafo único).

2.3. Dano à honra

Ao adentrar no tópico de dano à honra é essencial que nos socorramos à doutrina penal, que propõe a distinção entre honra subjetiva e honra objetiva, que possibilita uma distinção entre dano moral objetivo e dano moral subjetivo.

A honra subjetiva concerne à psique do indivíduo, suscetível de ofensa mediantes atos que ultrajem a dignidade, auto-estima e respeito do ser humano, provocando-lhe dor; em outras palavras: é o sentido de cada um a respeito de seus atributos físicos, intelectuais, morais e demais dotes da pessoa humana (Damásio de Jesus, 1997, p. 197). A sua violação acarreta responsabilidade penal pelo crime de injúria. Temos, portanto, que está ligada unicamente ao dano não-patrimonial sofrido por pessoa natural.

A honra objetiva consiste no bom conceito, respeito ou admiração reconhecido à pessoa pelo meio social. A violação da honra objetiva ofende a reputação que a pessoa goza no âmbito social e, em conseqüência, diminuição de valor frente à opinião pública, podendo resultar nos crimes de difamação e de calúnia. Temos aqui, de forma clara, que tanto a pessoa natural como a pessoa jurídica são suscetíveis de sofrer violação em sua honra objetiva.

Dalazen (1999, p. 70-72) ressalta que esse dano à honra objetiva da pessoa jurídica não deve ser confundido com os efeitos patrimoniais do dano, tais como eventual abalo de crédito, evasão de clientela, redução de negócios, etc.; nada obsta que esses danos se cumulem, tal como confirma a Súmula 37, do STJ.

Nesse mesmo sentido, Cavalieri F.º (2005, p. 118) coloca que a pessoa jurídica "embora despida de certos direitos que são próprios da personalidade humana – tais como a integridade física, psíquica e da saúde –, é titular de alguns direitos especiais da personalidade, ajustáveis às suas características particulares, tais como o bom nome, a imagem, a reputação, o sigilo de correspondência etc."

Ademais, há hipóteses em que o direito positivo reconhece a possibilidade de o dano moral vitimar pessoa jurídica: o CC/02, art. 52; a Lei de Imprensa, art. 16, II; e o próprio CDC ao admitir que pessoa jurídica possa ser consumidora para os fins de proteção da lei. Tal entendimento acabou por ser pacificado pelo STJ – Súmula 227, em especial na situação de protesto indevido de título cambial5. Outrossim, a CF/88, ao prever o dever de reparação por dano moral – art. 5º, V e X –, não faz qualquer distinção entre pessoa natural e jurídica.

Em resumo:

"(...) em sua concepção atual, honra é o conjunto de predicados ou condições de uma pessoa, física ou jurídica, que lhe conferem consideração e credibilidade social; é o valor moral e social da pessoa que a lei protege ameaçando de sanção penal e civil a quem a ofende por palavras ou atos. Fala-se, modernamente, em honra profissional como uma variante da honra objetiva, entendida como valor social da pessoa perante o meio onde exerce sua atividade" (Cavalieri F.º, 2005, p. 119).

2.4. Dano extrapatrimonial e pessoa jurídica

Se muitos relutaram para aceitar que também os bem extrapatrimoniais estão incluídos no campo da responsabilidade civil, a possibilidade de uma pessoa jurídica ser titular desses bens lesados encontra ainda maior resistência.

É certo que tal oposição se deve em grande parte à visão de que o dano extra-patrimonial se restringe a um aspecto ‘moral’, ou ‘psicológico’, que certamente as pessoas jurídicas não têm; somente as pessoas físicas sentem ‘dor’.

Porém, não estando a não-patrimonialidade ligada necessariamente à dor, óbice algum há para que a pessoa jurídica possa pleitear a compensação por danos extrapatrimoniais (cf. Agostinho Alvim, 1972, p. 219). A violação aos direitos da personalidade, assegurados também às pessoas jurídicas, não possui como elemento a inflição de dor na vítima, mas tão somente a violação objetiva do direito.

Há autores que, já não se opondo totalmente à essa tese, mas também não estando confortáveis o suficiente para adota-la sem restrições, adotam uma linha intermediária, admitindo que a pessoa jurídica possa sofrer lesões extrapatrimoniais em certas situações.

Assim se posiciona Maria Celina Bodin, argumentando que a pessoa jurídica não recebe a mesma proteção atenção constitucional à sua dignidade concedida à pessoa física, entende que só haverá ditas lesões quando, p.ex., a empresa não tiver fins lucrativos ou "quando estiver sendo atacada em aspectos não-avaliáveis, direta e imediatamente, em dinheiro" (2003, p. 191-192). A autora ainda defende a necessidade de comprovação de um ‘potencial prejuízo’ patrimonial, batizando ainda de dano institucional a lesão sofrida nessas circunstâncias.

"(...). Assim, por exemplo, na elaboração do chamado dano institucional, nada impediria que se levasse em consideração as condições econômicas da vítima ou que se pensasse em termos de aposição de tetos indenizatórios, ou, ainda, que o delineamento dos lucros cessantes, nesse caso, fosse uma categoria específica que teria por base a imagem institucional de que a empresa é (ou era) detentora. Há inúmeras vantagens em se diferenciar, no âmbito da responsabilidade civil, a pessoa jurídica da pessoa humana, especialmente no que tange à especialíssima tutela de quês esta última é credora" (Maria Celina Bodin, 2003, p. 191-192).

Tal restrição à responsabilidade em face de danos extrapatrimoniais causados à pessoa jurídica nos parece infundada. Como já afirmamos, a lesão extrapatrimonial não está necessariamente ligada a sofrimento psicológico ou físico, de modo que não há qualquer fundamento, e muito menos fundamento jurídico, que justifique tal restrição.

Ademais, limitar a proteção contra lesões patrimoniais somente às instituições sem fins lucrativos é injustificável, e reminiscente da lamentável interpretação feita por parte da doutrina consumerista, que somente admite que pessoa jurídica ocupe a posição de consumidora quando não tiver finalidade lucrativa. Veremos esse assunto com mais detalhes em tópico específico.

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Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. O dano na responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1805, 10 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11365. Acesso em: 21 nov. 2024.

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