4. PERIGOSIDADE DA VÍTIMA VERSUS PERIGOSIDADE DO DELINQUENTE
O Direito Penal desde a escola clássica sempre concentrou seus estudos no trinômio delinquente-pena-crime, mas após o Holocausto, patrocinado por Hitler e seus asseclas, a preocupação com a vítima começou a mudar. Deste modo, o direito penal evoluiu muito nos últimos anos, e os estudos sobre o delito, o autor do delito e principalmente a vítima foi tendo importância crescente em todo o mundo. A conclusão desses estudos vitimológicos deu margem à constatação de que nem sempre o autor do crime e a vítima estavam de lados opostos.
No estudo da vitimologia, que tem como seus fundadores Benjamin Mendelson e Hans Von Hentig, foi possível afirmar não ser mais possível considerar as vítimas apenas como meros sujeitos passivos de um crime, uma vez que seus comportamentos podem influenciar o criminoso a cometer a infração penal.
Não são poucos os casos em que a participação da vítima é essencial para a consumação da infração penal. Pode-se apresentar, como exemplo, os crimes de rixa ou de briga de rua, que é caracterizado por lesões corporais recíprocas, que acontecem devido a situações instantâneas, tumultuosas, imprudentes. Nestes casos, vítimas e criminosos se misturam e se confundem.
No homicídio também, pode-se encontrar tais situações quando ocorre a chamada injusta provocação da vítima. É o que se dá comumente na provocação de torcedor fanático por algum partidário de outro escrete, quando o seu time ganha o jogo da equipe adversária.
No importante estudo sobre o comportamento da vítima, é relevante discorrermos sobre a perigosidade vitimal, que é a etapa inicial da vitimização. Perigosidade vitimal é um estado psíquico e comportamental em que a vítima se coloca estimulando a sua vitimização, a exemplo da jovem que aceita carona de um desconhecido.
A compreensão do conceito de "Perigosidade Vitimal’’ é de suma importância, pois visa o entendimento do motivo que inspira a vítima provocadora, predisposta ou facilitadora a se envolver em determinados delitos e sobre casos de vitimização com o consentimento da vítima. O comportamento da vítima, por isso mesmo, influi na dosimetria da pena, porém sem jamais destituir do agente criminoso a responsabilidade penal pelo preceito legislativo vulnerado.
O primeiro aspecto observado por Garcia-Pablos de Molina30 diz respeito à compreensão da dinâmica criminal e da interação delinquente- vítima. Em que medida a vítima interfere para o desencadear da ação criminosa, ou sua precipitação. Em que medida suas ações ou reações condicionam ou direcionam as ações dos agressores. E em que delitos o papel da vítima é de menor importância.
É de se observar, na busca da melhor literatura sobre o assunto, que muito pouco se ocupa a doutrina do tema “o comportamento da vítima”. A pessoa considerada vítima no evento criminoso pode se encontrar em situações diversas que vão se desdobrar em formas de periculosidade vitimal. Para efeitos práticos, a vitimologia, atuando de forma conjunta com outras ciências – como a criminologia e a psicologia, por exemplo – traça um perfil de vitimização, que levará à definição de uma tipologia vitimológica.
As classificações encontradas na doutrina são diversas, porém é importante ressaltar que todas elas partem da análise dos seguintes eixos: predisposição, comportamento, consciência, intenção e influência social da vítima diante do delito.
No que pese o mérito das diversas classificações existentes e de suas utilidades, expõe-se, a título exemplificativo, a classificação oferecida por Benjamin Mendelson31 em 1947, confrontando-a com a moderna classificação oferecida pelo italiano Gianluigi Ponti no ano de 1990. Mendelson prevê a seguinte classificação vitimológica:
a) Vítima completamente inocente: Essa espécie de vítima que também é conhecida como ideal, é aquela que no momento da execução do crime não tem nenhuma participação, ou seja, o criminoso é o único responsável pela produção do resultado. Exemplo: sequestros, roubos qualificados, terrorismo, vítima de bala perdida, abuso de incapazes, etc.
b) Vítima menos culpada do que o delinquente: É a vítima que possui alguma parcela de culpa pelo resultado danoso causado a si mesma, seja frequentando lugares reconhecidamente perigosos durante horários inapropriados ou expondo seus pertences ostensivamente.
c) Vítima tão culpada quanto o delinquente: Nessa modalidade de vítima é visto que sem a sua participação ativa o crime não teria ocorrido. É a vítima provocadora, encontrada nos casos de estelionato, corrupção, rixa, sedução, etc.
d) Vítima mais culpada que o delinquente: Como o título já mostra esse tipo de vítima é considerada mais culpada que o delinquente, incidindo nos casos de lesão corporal e homicídio privilegiado, crimes consumados após injusta provocação da vítima.
e) Vítima como única culpada: Tal caso aparece quase que, exclusivamente, na legítima defesa, podendo ser citado os atropelamentos em vias muito movimentadas, onde a vítima insiste em tentar atravessar de forma abrupta não dando tempo para o motorista reagir, ou as vítimas de roleta-russa, de mensagens de WhatsApp clonado pedindo dinheiro etc.
Ponti oferece uma classificação mais concisa:
a) Vítima ativa: aquela que tem atitude psicológica que vem influenciar no comportamento do autor.
b) Vítima passiva ou vítima genuína: aquela na qual não se vislumbra qualquer manifestação objetiva ou subjetiva para influenciar ou estimular o comportamento do autor.
Frise-se que, apesar de a concepção de Ponti ser mais concisa do que a de Mendelson, dela se pode extrair todas as classificações deste. E será assim que as outras classificações existentes se apresentarão: apesar de umas mais minuciosas, e outras mais abrangentes, todas consistem na distinção de existir, ou não existir, um comportamento determinante – objetivo ou subjetivo – da vítima.
Ao observarmos a evolução histórica e o contexto de surgimento da vitimologia, pode-se afirmar que os direitos humanos que tratam dela são os mesmos que tratam dos direitos e garantias do delinquente. Desse modo, garantir direitos às vítimas não importa supressão dos direitos do delinquente, ou o contrário. Ambos se complementam e constituem vertentes necessárias para a plenitude do direito penal. Pode-se afirmar que a grande valia da vitimologia para o direito penal consiste na inserção do elemento “vítima” na relação delinquente-delito-pena, alterando os parâmetros até então estabelecidos.
Seus méritos não se tornam maiores ou menores se a considerarmos como ciência autônoma ou ramo de outra ciência, de modo que o seu estudo organizado e estruturado por si só já contribui para a óptica do Direito Penal.
No que pese a tipologia vitimológica importar para prevenção delitiva, seus parâmetros são elásticos e suas classificações tendem a ser infinitas, de modo que a maior importância da vitimologia, no aspecto dos tipos de vítima, é analisar o comportamento da vítima e a contribuição decisiva desta para o evento criminoso.
Desse modo, a vitimodogmática se apresenta como área de conhecimento segura para o estudo dos reflexos do comportamento da vítima no Direito Penal. Diante da relevância do estudo da vitimologia para o Direito Penal, resta inexplicável o porquê de se utilizar tão pouco do papel da vítima em nosso ordenamento jurídico.
Em matéria penal e processual penal, diz-se o agente perigoso, quando o seu atuar criminoso violenta não apenas a vítima, mas também coloca em risco a sociedade. Portanto, o juiz cuidará de analisar o grau de perigosidade do agente (o quanto sua conduta é constituída de perigo e quanto na pena isto lhe custará);
Em matéria trabalhista ambientalista, analisa-se o risco do meio ambiente para as condições de trabalho insalubre ou perigoso. Portanto, falamos em periculosidade de um local.
Nos estudos vitimológicos, a participação ativa da vítima na execução do fato delituoso é parte essencial do projeto criminoso. Sua adesão, mesmo que inconsciente, em outras palavras, é elemento vital para que haja o resultado esperado pelo criminoso.
Os meios de vitimização existentes no mundo inteiro são inúmeros e a cada momento que passa dezenas de pessoas se tornam vítimas desses mecanismos, como a televisão, a telefonia móvel, a internet, as redes sociais, o assédio, o racismo, a homofobia, o machismo, o desemprego, a legítima defesa, a reincidência, as correntes migratórias, o abandono de menores, o desamparo aos idosos, o tráfico humano, o encarceramento injusto ou ilegal, a denunciação caluniosa, os acidentes de trabalho, as armas de fogo, o trote escolar, o bullying, o ataque a animais, os criminosos grupais, a tortura, o erro médico, os jogos de azar, o terrorismo, o ataque terrorista por drone, a mídia eletrônica, dentre tantos outros que a cada dia aparecem pelo catalisador homem e sua barbárie.
Não é necessário fazer qualquer esforço para constatar que a desinformação de qualquer espécie é maléfica, mas também o excesso de informação também é prejudicial à população. Na verdade, nos dias que correm, até nossas escolas mais informam do que formam. Tudo isto pode dar margem às principais causas da vitimização no mundo inteiro.
5. Sistema legal de Proteção à Vítima no processo penal BRASILEIRO
Para que se possa pensar num sistema legal de proteção à vítima em qualquer ramo do direito, é indispensável que haja previsão quanto a isso na Constituição Federal, pois é ela a carta de princípios onde ficam registrados todos os direitos e garantias individuais dos cidadãos.
Mais de 12 anos depois da entrada em vigor da Lei n.º 9.099/95, onde a vítima foi finalmente valorizada no campo criminal nacional, pelo menos no âmbito da criminalidade pequena e média, novas leis foram promulgadas dando ênfase à vítima no processo penal brasileiro.
De todas essas modificações, talvez a de maior importância seja a Lei n.º 9.807, de 13 de julho de 1999, que criou o Sistema Nacional de Proteção a Vítimas e Testemunhas, regulamentada pelo Decreto n.º 3.518, de 20 de julho de 2000. Trata-se de trabalho que envolve equipe multidisciplinar direcionada para a proteção de vítimas e testemunhas que colaboram com as autoridades na descoberta da autoria de crimes e na sua repressão.
Este programa é gerenciado pela GAVTA - Gerência de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, cuja atividade principal consiste em apoiar a criação de programas equivalentes nos Estados, mediante convênio com a Secretaria de Direitos Humanos, e a supervisão do Ministério da Justiça, que coordena o Programa Nacional de Direitos Humanos. Importante observar, porém, que tal legislação não atende por completo aos interesses das vítimas, pois trata apenas daquelas que são ameaçadas, nada tratando sobre aquelas vítimas que sofrem danos materiais e psicológicos decorrentes do próprio crime, sem serem posteriormente ameaçadas.
De acordo com a referida lei:
i) a proteção concedida pelos programas de proteção à vítima, deverá ser realizada considerando-se a gravidade da coação, a dificuldade de preveni-la e sua importância para a produção da prova, podendo ser estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convívio habitual com a vítima (art. 2.º, caput e § 1º);
ii) quem decide sobre o ingresso do protegido no programa e as providências necessárias para o seu cumprimento é o conselho deliberativo – por maioria absoluta – composto por representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos direitos humanos (arts. 4.º e 6.º);
iii) tendo “em mãos” a solicitação de inclusão devidamente instruída com a qualificação da pessoa a ser protegida e com informações da sua vida pregressa, o conselho poderá rejeitá-la caso seja constatado que a personalidade ou conduta da vítima seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, ou que a vítima seja condenada em cumprimento de pena, ou indiciado/acusado sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades (art. 5.º, § 1.º; art. 2.º, § 2º);
iv) a proteção oferecida pelo programa terá duração de dois anos – podendo ser prorrogado – e dentre as medidas protetivas aplicáveis, encontramos: segurança na residência, transferência de residência, escolta, apoio e assistência social, médica e psicológica, ajuda financeira mensal32 (cujo teto será fixado pelo conselho deliberativo no início de cada exercício financeiro) caso o protegido não tenha renda ou esteja impossibilitado de exercer atividade laboral, alteração do nome completo, sendo facultado ao protegido, com a cessação da ameaça ou coação, retornar ao nome anterior etc. (art. 11; art. 7.º; art. 9.º, caput e § 5.º).
5.1. Inovações trazidas pela Lei n.º 11.690, de 09 de junho de 2008.
A Lei n.º 11.690/2008 alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, especialmente acrescentando cinco parágrafos ao artigo 201 (Título VII, Da Prova, Capítulo V, Do Ofendido) que trata da vítima33 de crime (ofendido34 na linguagem do código):
“Art. 201 . Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
§ 1.º Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.
§ 2.º O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.
§ 3.º As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.
§ 4.º Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido.
§ 5.º Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.
§ 6.º O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.”
Pela nova legislação, a vítima será comunicada do dia do ingresso e da saída do acusado da prisão, das datas de todas as audiências e da sentença e do acórdão (§ 2.º do art. 201. do CPP). Muito importante essa previsão, pois a vítima passa a ter conhecimento oficial do que de fato ocorreu com aquele que lhe causou o dano criminal já que até então, a vítima, em regra, participava apenas da audiência para sua oitiva e, raras vezes, sabia o que acontecia com seu algoz e ficava sujeita a diversos boatos do tipo: "ele praticou o crime e nada ocorreu. Já foi solto...".
A lei trata dos meios pelos quais a vítima será comunicada dos atos processuais citados e reserva espaço na sala de audiência para a vítima (§§ 4.º e 5.º do art. 201). Entretanto, a regra prevista no novo § 5.º do art. 201. do CPP nos parece a mais importante. Prevê que "se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado".
Aqui se percebe uma clara preocupação com a vítima no que diz respeito às consequências do delito, tanto no campo social quanto psicológico. A vítima, agora, não mais será abandonada pelo sistema criminal, pois terá um atendimento especializado para que possa superar o trauma causado pelo delito, sobretudo naqueles de extrema gravidade e que além do físico ou material atingem o psicológico (crimes de estupro, lesão corporal, extorsão, racismo, homofobia, violência doméstica etc.).
Mas não se pode perder de vista que o tratamento deve ser dispensado tanto à vítima que nada contribuiu para a realização do delito, quanto àquela que desde o início colaborou com o projeto criminoso do delinquente. Em síntese, deve o dispositivo legal se dirigir tanto à vítima inocente, quanto à provocadora ou facilitadora.
O referido preceptivo visa, em suma, minorar a ocorrência da vitimização secundária do ofendido e, por isso, acreditamos que com o § 5.º do art. 201. do CPP, os juízes adotarão, em regra, a postura de encaminhar a vítima para atendimento especializado sempre que o crime for grave ou envolver crianças, idosos, mulheres e adolescentes.
Por isso, além de se utilizar dos profissionais ligados aos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), o Poder Judiciário deve contar, em seus quadros, com profissionais da área da psicologia, do serviço social, da saúde etc., o mesmo valendo para o Ministério Público e a Defensoria Pública, pois assim o objetivo de minorar as consequências do delito para a vítima serão alcançados com menos dificuldades operacionais.
Também o § 6.º do art. 201. do CPP tem a idêntica pretensão de mitigar a sobrevitimização, pois procura evitar a exposição da vítima à imprensa, sendo importante, em nosso sentir, que referido dispositivo seja aplicado, inclusive e principalmente, nos casos em que se apuram condutas de associações criminosas, velando o magistrado pelo sigilo, inclusive aos advogados, do endereço das vítimas.
Daí porque concordamos com a afirmativa de NAZARENO REIS35, ao aduzir que:
"Embora não expressamente previstas no novo art. 201, cremos que os mesmos direitos assistem aos sucessores da vítima, em caso de morte desta, por analogia com o direito à assistência (CPP, art. 268. c/c 31). Quanto aos herdeiros e sucessores carentes de vítimas de crimes dolosos, aliás, a Constituição Federal (art.245) já determinava que a lei deveria dispor sobre hipóteses e condições em que o Poder Público lhes daria assistência, por isso que a Lei 11.690/08 pode ser entendida como uma regulamentação parcial desse dispositivo da Constituição".
Também a Lei n.º 11.719/2008 que alterou tantos outros dispositivos do Código de Processo Penal preocupou-se com a vítima, estabelecendo no parágrafo único do art. 63. do citado código que "transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387. deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido". Conforme a nova redação dada ao art. 387, IV, do CPP, o juiz, ao proferir a sentença condenatória, "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido" 36 .
Ademais, a referida lei aditou o art. 217, conferindo legalidade ao depoimento por videoconferência “se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento”, podendo, ainda, determinara a retirada do réu a fim de que se preserve a integridade moral e psicológica da vítima.
Com as mudanças no Código de Processo Penal fica a convicção de que a tendência atual do direito penal (material e processual) é a valorização da vítima e que há mecanismos legais que podem ser utilizados para diminuir a sobrevitimização acarretada pelo crime e levada a cabo pelo processo penal nacional.
A reforma se preocupa, ainda, com o espaço que o ofendido tinha com vistas à proteção de seus interesses particulares, como sujeito processual, pois, antes, aparecia no processo apenas como objeto de prova, dando seu ‘testemunho’ do crime ou submetendo-se a exame de corpo de delito, conforme o caso. Em geral, não recebia adequadas informações sobre o andamento do processo e, muitas vezes, sequer sobre seu resultado, exceto quando se habilitasse como assistente do Ministério Público.
Juízes, promotores de Justiça, defensores públicos, advogados, delegados de polícia e demais servidores da Justiça devem ter noções de psicologia para melhor tratar as vítimas, bem como ter o auxílio dos profissionais da área do Serviço Social e da Psicologia, fato que não diminui a competência dos membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e nem da Advocacia, ainda mais se estes profissionais fossem do quadro de servidores ligados aos órgãos mencionados.
Nas palavras de JORGE TRINDADE37 :
“O fenômeno da vitimização secundária parece estar se tornando comum no mundo moderno e servindo para o agravamento da situação das vítimas. Por isso, há necessidade de um olhar atento tanto da psicologia quanto do direito, tanto dos psicólogos, quanto dos operadores judiciais. Reconhecer essa situação revitimizatória é sempre questionar os fundamentos em que se baseia a própria sociedade, por isso uma missão de difícil execução.”
Não se pode esquecer que um dos fundamentos da República é a dignidade da pessoa humana (art.1.º, III, da CF) e esta deve ser respeitada e aplicada a todos, pouco importando se são réus ou vítimas; se estão livres ou reclusos.
As vítimas, como já acontece com os acusados, devem ser tratadas como sujeitos de direitos e respeitadas por todos a sua volta e, principalmente, pelos membros do sistema de Justiça. É bem verdade que nem sempre se aplaude essa maior participação do ofendido no processo.
A esse respeito, Natalie Ribeiro Pletsch38 afirma que:
“O que se observa na cena processual contemporânea, ou melhor, nas reformas legislativas, é o retorno da vítima ao jogo (processual). Se já nociva a participação da vítima no processo, voltada para a indenização cível, posto que poderia ser assegurada naquela esfera a reparação do dano, a sua intervenção, na prática, não está dirigida tão-só à constituição do título executivo, mas vingar a lesão sofrida, o que é justificável pela sua incapacidade de distanciamento e racionalização, como já referido. A implicação prejudicial deste direcionamento é que contribui para reforçar a acusação e, consequentemente, dar-lhe mais armas do que aquelas das quais a defesa dispõe, Ou seja, agrava-se a situação do acusado que é contemplado com um duplo acusador.”
De qualquer modo, é preciso ter muita cautela e prudência para não agravar mais ainda a situação da vítima que já está traumatizada ou depressiva com os efeitos deletérios do delito.