7. A DUE DILIGENCE COMO INSTRUMENTO DE MITIGAÇÃO DE RISCOS
A Due Diligence tem como objetivo identificar riscos ocultos, contingências e passivos que possam impactar a operação de M&A. Entre os principais riscos identificados estão:
Passivos trabalhistas: ações em curso, não recolhimento de FGTS, obrigações com sindicatos e irregularidades contratuais;
Passivos fiscais: débitos com Receita Federal, ausência de parcelamentos regulares, autos de infração em trâmite;
Litígios judiciais relevantes: ações civis públicas, ambientais, consumeristas e societárias;
Descumprimento regulatório: ausência de licenças, pendências com órgãos como ANVISA, ANEEL, IBAMA etc.
Esses riscos influenciam diretamente na redação das cláusulas de representações e garantias, além de impactarem a alocação de preço (por meio de "escrow accounts" ou "holdbacks") e a exigência de seguros de responsabilidade contratual.
A Due Diligence é, juridicamente, uma manifestação do princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e do dever de informação. Sua correta condução permite às partes, avaliarem a viabilidade do negócio com base em dados reais, redigir contratos com cláusulas específicas que enderecem riscos encontrados, reduzir a assimetria informacional entre comprador e vendedor, evitar litígios futuros, especialmente aqueles relacionados à responsabilidade pós-fechamento.
Segundo Modesto Carvalhosa (2016, p. 313):
a Due Diligence exerce papel essencial na identificação de elementos que, se ignorados, podem comprometer toda a operação, sendo etapa imprescindível para a segurança e validade jurídica do contrato.
Exemplo prático: Na operação de aquisição da ALL – América Latina Logística pela Rumo Logística, foi identificada, durante a Due Diligence, uma série de litígios ambientais e passivos ocultos que demandaram ajustes no preço da operação e no prazo para o "closing". A negociação foi bem-sucedida graças à adoção de cláusulas específicas mitigadoras, com base nas informações coletadas.
A jurisprudência nacional tem reconhecido a importância da Due Diligence como instrumento de diligência mínima esperada nas transações empresariais. A não realização ou a negligência neste processo pode implicar em culpa concorrente, reduzindo o direito à indenização posterior.
8. DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA DUE DILIGENCE EM M&A NO BRASIL
A Due Diligence é um dos pilares mais importantes nas transações de fusão e aquisição, trabalhando como uma ferramenta estratégica para mapear riscos, passivos ocultos e oportunidades de sinergia, por exemplo. Trazendo para o contexto que vivemos no Brasil, o processo de Due Diligence enfrenta barreiras que frequentemente, colocam em xeque a sua eficácia, exigindo constante adaptação por parte das empresas, investidores e consultores envolvidos. Não bastante, reformas legais e avanços tecnológicos vem moldando novas perspectivas e práticas no mercado.
8.1. BARREIRAS REGULATÓRIAS E CULTURAIS
Uma das principais barreiras enfrentadas frequentemente pelo processo de Due Diligence no Brasil, são as barreiras regulatórias e culturais. É de conhecimento público e notório que o ambiente jurídico brasileiro é bastante complexo, com cargas tributarias altíssimas, sobreposição de legislações em diferentes esferas do poder jurídico e constante instabilidade normativa. Analisando esse contexto de instabilidade jurídica, podemos entender como essa parte de análise regulatória torna-se uma das áreas mais críticas no processo de Due Diligence na realidade brasileira. Não se esquecendo que passivos nas áreas trabalhistas, previdenciária e ambiental são bastante comuns e, em sua maioria, difíceis de quantificar em um curto espaço de tempo, o que impacta diretamente a avaliação de um negócio.
Segundo a (OECD, 2022, p. 15):
a remoção de barreiras desnecessárias à concorrência por meio de reformas direcionadas pode promover a produtividade e o crescimento econômico.
Analisando o ponto de vista cultural, é possível perceber que certos negócios como empresas familiares e/ou de médio porte, ainda enfrentam uma resistência maior quando falamos de abertura a informações sensíveis ao negócio, comprometendo a transparência e a profundidade do processo de verificação, essenciais no processo de Due Diligence. Essa falta de maturidade em governança corporativa é frequentemente citada como um fator que afeta, e muito, a atracão do capital externo no mercado brasileiro (IBGC, 2023).
Além disso, a informalidade empresarial, muito presente dentro do mercado brasileiro, dificulta a verificação de práticas, contratos e obrigação que muitas das vezes não ficam formalmente registradas. A ausência de controles internos eficazes, relatórios auditados e políticas de compliance estruturadas pode gerar lacunas relevantes nas analisas, o que prejudica, e muito, o processo de Due Diligence.
Conforme destacado por Faster Capital (2023):
a devida diligência cultural é um componente crítico [...] e envolve um exame minucioso dos aspectos culturais de uma organização, que inclui valores, crenças, comportamentos e os pressupostos subjacentes que impulsionam esses elementos.
8.2. IMPACTOS DAS REFORMAS LEGISLATIVAS
Outra barreira frequentemente enfrentada pela Due Diligence no Brasil, são os impactos das Reformas Legislativas no processo. Nos últimos anos, várias reformas legais surgiram e alteraram o panorama da Due Diligence no Brasil. Exemplos dessas reformas legais, são a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017) e a Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que introduziram maior previsibilidade contratual, reduzindo a rigidez nas relações empresariais.
Com a promulgação da Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, o Brasil passou a pertencer a um grupo de países com mecanismos de responsabilização objetiva de pessoas jurídicas por atos ilícitos contra a administração pública. Trazendo para o contexto de transações de fusão e aquisição, essa legislação potencializou a importância do processo de Due Diligence como ferramenta preventiva para evitar a sucessão de passivos ocultos relacionados a atos de corrupção. Assim sendo, a análise de práticas de compliance e integridade tornou-se essencial das auditorias jurídicas, reputacionais e operacionais.
Segundo Silva e Oliveira (2021):
a diligência anticorrupção tornou-se padrão de mercado, sendo fator decisivo na precificação e até mesmo na viabilidade de operações de M&A.
A promulgação da Reforma Trabalhista, trouxe uma nova logica nas relações entre empregadores e empregados, flexibilizando regras de jornada de trabalho, terceirização, acordos coletivos e demissões. Dentro do processo da Due Diligence, a reforma alterou a análise de passivos trabalhistas, alterando a forma como os contratos de trabalho são avaliados.
Já a promulgação da Lei da Liberdade Econômica, teve como um dos seus pilares, reduzir a burocracia e facilitar o ambiente dos negócios no Brasil. Dentro do processo da Due Diligence, significou a desobrigação de certos registros, autorizações e licenças para atividades consideradas de baixo risco. Essas mudanças trouxeram uma maior celeridade para as análises regulatórias e permitiu que as equipes jurídicas e de compliance focassem em aspectos realmente críticos relacionados aos negócios da empresa alvo.
Mas por outro lado, desde que a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) entrou em vigor, foram introduzidas novas obrigações para empresas em relação ao tratamento dos dados pessoais, o que tornou obrigatório, por exemplo, a análise de conformidade digital nas auditorias das transações de fusão e aquisição. (PwC, 2023)
8.3. TENDÊNCIAS E INOVAÇÕES NA CONDUÇÃO DA DUE DILIGENCE
Em pleno século XXI, não podemos deixar de citar como novas tendencias e inovações afetam a condução da Due Diligence, principalmente no mercado brasileiro. Ferramentas de automação, machine learning e análise preditiva vem sendo utilizadas para acelerar a triagem de documentos, identificar padrões de risco e reduzir o viés humano na análise.
Segundo a CBR DOC (2025):
ferramentas tecnológicas, como inteligência artificial e automação, são cada vez mais adotadas para monitoramento de compliance, auditorias internas e due diligence. Isso reduz erros humanos e melhora a eficiência na detecção de riscos.
Além disso, a integração de critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) ao processo de Due Diligence, reflete uma mudança significativa no perfil dos investidores, que estão cada vez mais atentos a reputação e sustentabilidade das empresas alvo das transações de fusão e aquisição (Deloitte Brasil, 2020).
Outra tendencia significativa, é a chamada Due Diligence Continua, que tem o papel de estender para além da fase de negociação, acompanhando a empresa adquirida também nos pós fechamento. A Due Diligence Continua vem sendo adotada, principalmente, por fundos de private equity, com o intuito de garantir a aderência continua a práticas de compliance e governança (IBGC, 2023)
9. ESTUDOS DE CASOS
9.1. AQUISIÇÃO DA EMPRESA BR DISTRIBUIDORA POR GRUPOS INTERNACIONAIS
A empresa BR Distribuidora era uma das maiores distribuidoras de combustíveis do Brasil, com presença nacional e mais de 8 mil postos. No ano de 2019, a Petrobras concretizou a venda de sua participação majoritária, arrecadando R$8,6 bilhões com a operação. A partir de então, a empresa passou a se chamar Vibra Energia, passando a ter controle pulverizado e assim, atraindo investidores estrangeiros como Samson Rock Capital, Capitol Group e Vitol.
De acordo com Wilson Ferreira Jr., presidente da Vibra a época, “a companhia passou por uma das maiores diligências já feitas em uma empresa brasileira de capital aberto”, envolvendo “riscos ambientais, trabalhistas e de governança” (EXAME, 2021). O processo da Due Diligence foi considerado de extrema importância para que investidores estrangeiros tivessem uma maior segurança jurídica e estratégica para a conclusão da transação de aquisição.
O processo de Due Diligence realizado, incluiu diversas frentes de análises durante a transação de aquisição da BR Distribuidora por Grupos Internacionais, como por exemplo:
Ambiental: passivos decorrentes da operação de distribuição de combustíveis, como contaminação do solo e armazenamento de resíduos.
Trabalhista e Previdenciário: passivos ocultos e ações coletivas envolvendo terceirização e segurança do trabalho.
Governança e Compliance: conformidade com as diretrizes da Lei Anticorrupção e implementação de sistemas de controle interno.
Tributário: análise de autuações fiscais, benefícios tributários e regimes especiais.
Regulatório: licenças emitidas pela Agência Nacional do Petróleo e aderência as normas setoriais.
Segundo o Relatório Anual da Vibra Energia (2021):
a companhia passou por uma reformulação robusta em suas estruturas de compliance e controles internos, em linha com as expectativas de investidores estrangeiros.
O estudo de caso da aquisição da empresa BR Distribuidora por grupos internacionais após venda da participação da Petrobras, reforça como o processo de Due Diligence época importante para garantir a confiança de investidores internacionais e estruturar aquisições mais seguras e mais transparentes. O caso é uma demonstração de que, em países com maior complexidade institucional, como é o caso do Brasil, o processo de Due Diligence atua não somente como um instrumento de verificação, mas também como um importante fator estratégico de atração de capital estrangeiro para o mercado brasileiro e fortalecimento da governança.
9.2. FUSÃO ITAÚ-UNIBANCO
Na data de 03 de novembro de 2008 as gigante do ramo bancário, Itaú e Unibanco, anunciaram a fusão de suas operações. A decisão, no ponto de vista estratégico, visava ganhar escala, ampliar presença nacional e, principalmente, enfrentar a forte concorrência internacional. Roberto Setúbal, então presidente do Banco Itaú, afirmou que “foi um processo de meses, com sigilo absoluto, e com total sinergia na avaliação dos negócios” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008).
O processo de Due Diligence realizado, incluiu diversas frentes de análises durante a transação de fusão entre Itaú e Unibanco, como por exemplo:
Contingências jurídicas e trabalhistas: verificação de processos judiciais e potenciais passivos.
Aspectos fiscais: análise de tributos pagos, créditos tributários e riscos de autuações.
Governança e compliance: avaliação de políticas internas e conformidade com normas do Banco Central.
Infraestrutura tecnológica: compatibilidade entre os sistemas bancárias e sua capacidade de integração.
Avaliação regulatória: preparação de documentação e análise de impacto concorrencial, visando a aprovação do CADE e do Banco Central.
Segundo o Valor Econômico (2008):
as equipes jurídicas e de auditoria dos dois bancos trabalharam sob confidencialidade para mapear os riscos e passivos que poderiam impactar a união das operações.
O estudo do caso da fusão entre Itaú e Unibanco, comprova que o processo de Due Diligence é uma etapa estratégica e imprescindível nas transações de fusão entre empresas. A Due Diligence, além de identificar possíveis riscos ocultos, nos permite também, embasar decisões táticas, entender corretamente um valor justo para a negociação e, principalmente, aumentar a segurança jurídica da transação.
Em setores altamente regulados como é o setor bancário, por exemplo, fica evidente como o processo de Due Diligence é ainda mais relevante para as transações de fusão e aquisição, uma vez que sustenta todo o processo de aprovação pelos órgãos competentes. O sucesso da fusão das empresas, demonstra como a profundidade da análise e transparência entre as partes envolvidas são fatores importantíssimos para operações de grande porte.