Resumo: Este parecer analisa a interpretação do Artigo 9º da Lei Complementar nº 213, de 15 de janeiro de 2025, e da Resolução SUSEP nº 49, de 08 de abril de 2025, no que concerne ao prazo de 180 dias para regularização de associações de proteção patrimonial mutualista. O objetivo é elucidar o direito de constituição e o procedimento de regularização para novas associações fundadas após o referido prazo, em face das associações preexistentes. Fundamenta-se na análise da legislação citada e nos princípios constitucionais da liberdade de associação, livre iniciativa e legalidade. Conclui-se que o prazo de 180 dias possui natureza de norma transitória, aplicável exclusivamente às entidades irregulares preexistentes à lei, não impedindo a criação de novas associações. Estas, contudo, para operar regularmente, devem observar os requisitos do regime jurídico permanente instituído pela Lei Complementar nº 213/2025.
1. OBJETO DO PARECER
Trata de parecer acerca da interpretação da Lei Complementar nº 213, de 15 de janeiro de 2025 ("LC 213/25"), e da Resolução SUSEP nº 49, de 08 de abril de 2025 ("Res. SUSEP 49/25"), especificamente no que tange ao direito de associações que visem operar a proteção patrimonial mutualista e sejam fundadas após o decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da publicação da LC 213/25, mencionado em seu Artigo 9º. A consulta busca um parecer fundamentado sobre a legalidade da constituição, o direito à regularização e o procedimento aplicável a essas novas associações, bem como, sobre a situação das associações preexistentes face ao referido prazo.
2. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
2.1. Do Direito Fundamental à Liberdade de Associação e da Livre Iniciativa
A Constituição Federal de 1988 ("CF/88"), estabelece os pilares do direito em análise. O Art. 5º, em seus incisos XVII a XXI, assegura:
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
Esse direito fundamental, conforme a doutrina e jurisprudência, é a base para a organização da sociedade civil. Paralelamente, o Art. 170 da CF/88 consagra a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica, assegurando a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (parágrafo único).
A criação de associações, portanto, é livre, digo, associações de finalidades que não sejam de proteção mutualista, tendo em vista que agora, esse modelo específico de associação passa a contar com a regulação, se insere em um mercado específico da proteção mutualista. Essa regulação deve ser feita por lei e não pode aniquilar a liberdade fundamental de associação ou de iniciativa.
2.2. Do Princípio da Legalidade e da Competência Regulatória
O princípio da legalidade, insculpido no Art. 5º, II ("ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei") e no Art. 37, caput (regendo a Administração Pública), é basilar. Para a Administração Pública, vige a "legalidade estrita": só é permitido fazer o que a lei autoriza ou determina.
A LC 213/25, ao alterar o Decreto-Lei nº 73/1966, exerceu a competência da União para legislar sobre seguros e operações correlatas (Art. 22, VII, CF/88 e Art. 7º do DL 73/66, com nova redação). Ao fazê-lo, estabeleceu um novo regime para a proteção patrimonial mutualista. Qualquer restrição ao direito de criar ou operar associações com esse fim deve estar expressamente prevista na lei.
Nessa hipótese, não se admite interpretação restritiva de direitos fundamentais ou proibição por omissão legislativa, motivo que se fez por meio da lei complementar e, posteriormente, com muita cautela, deves ser feita na via infralegal os demais detalhes da regulamentação da proteção mutualista.
Destaca que a regulamentação é da atividade da proteção mutualista operada por associação civil e não a regulamentação propriamente da associação civil, entidade definida pela Constituição Federal e Código Civil.
2.3. Da Natureza e Escopo do Prazo do Art. 9º da LC 213/25
Acerca do Art. 9º da LC 213/25, sua redação é clara ao direcionar-se às entidades que, na data de publicação da Lei Complementar, estivessem realizando atividades sem a autorização da SUSEP. O prazo de 180 dias foi concedido a essas entidades específicas para que optassem entre (i) iniciar o processo de regularização, mediante alteração estatutária e cadastramento específico, ou (ii) cessar suas atividades.
Este cadastramento, regulamentado pela Res. SUSEP 49/25 (que também se aplica expressamente às associações existentes na data da publicação da LC 213/25), é o marco inicial do processo de adequação para as entidades preexistentes, com o condão de suspender processos administrativos sancionadores e a exigibilidade de multas já aplicadas, conforme detalhado nos parágrafos do Art. 9º.
Trata-se de norma de direito intertemporal e transitório, visando solucionar a situação fática de irregularidade de um universo determinado de entidades no momento da entrada em vigor da nova lei. Não é uma norma que estabelece um prazo fatal para a constituição de novas associações, nem um limite temporal para o ingresso no regime regulatório permanente.
Esse regime de transição ocorreu quando tivemos a mudança do Código Civil de 1916 para o de 2002. Uma das principais mudanças foi a necessidade de adequação dos estatutos das associações constituídas sob a égide do Código Civil de 1916 às novas exigências do diploma legal de 2002.
O artigo que regeu essa transição é o artigo 2.031 do Código Civil de 2002:
Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão adaptar-se às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2005.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às organizações religiosas nem aos partidos políticos.
Posteriormente, a Lei nº 10.838/2004 alterou o prazo estabelecido no caput do artigo 2.031, prorrogando até 11 de janeiro de 2007. Portanto, o prazo final para que as associações civis adaptassem seus estatutos às novas disposições do Código Civil de 2002 foi 11 de janeiro de 2007.
No julgamento do processo 0054616-33.2011.8.26.0100-TJSP, a magistrada. Dra. Tania Mara Ahualli, citou a lição de Narciso Orlandi Neto: A nulidade que pode ser declarada diretamente, independentemente de ação, é de direito formal, extrínseca. Ela pode não alcançar o título, que subsiste íntegro e, em muitos casos, apto a, novamente, ingressar no registro. O registro é nulo de pleno direito quando não observados os requisitos formais previstos na lei: ‘A chamada nulidade de pleno direito, tal como prevista no art. 214 da Lei de Registros Públicos, não admite o exame de elementos intrínsecos, que refogem à atividade qualificadora do oficial registrador.
Em razão de estar em desacordo com a lei, seguindo a doutrina acima, estaria nulo os registros/averbações futuros de documentos das associações que não fizeram o cadastro dentro do prazo lega
2.4. Da Situação das Associações Preexistentes e o Prazo de 180 Dias
É fundamental distinguir a situação das associações que já existiam e operavam antes da LC 213/25. Para estas, o prazo de 180 dias previsto no Art. 9º foi, de fato, peremptório e terminativo quanto à oportunidade de aderir ao regime transitório de regularização ali previsto.
As associações preexistentes que não efetuaram o cadastramento específico junto à SUSEP dentro desse prazo, conforme os procedimentos da Res. SUSEP 49/25, ou não cessaram suas atividades, perderam os benefícios da suspensão de processos e multas. Sem o cadastro, os processos administrativos sancionadores instaurados pela SUSEP por operação irregular (infração ao Art. 113 do DL 73/66 ) que estavam suspensos devem ser retomados, a exigibilidade das multas pecuniárias já transitadas em julgado, que estava suspensa, deve ser retomada e as ações civis ajuizadas pela Procuradoria-Geral Federal em representação da SUSEP, que estavam suspensas, devem ser retomadas.
Para esse grupo específico de associações (preexistentes e que não se cadastraram no prazo), a oportunidade de se beneficiarem das regras de transição do Art. 9º se esgota com o fim do prazo de 180 dias. O prazo legal é determinado em dias e não em meses, portanto, conta-se dia a dia. A contagem começa com a publicação da lei, que ocorreu dia 16 de janeiro de 2025.
2.5. Do Marco Regulatório Permanente e a Regularização de Novas Associações
A LC 213/25, para além da regra de transição, instituiu o regime jurídico permanente da proteção patrimonial mutualista (Capítulo VII-B do DL 73/66), em que define o conceito de operação de proteção patrimonial mutualista (Art. 88-D), a figura do grupo de proteção patrimonial mutualista, vinculado a uma associação (Art. 88-E), a qual deve observar as regras gerais do Código Civil (Lei nº 10.406/2002, Arts. 53-61) e as disposições específicas da LC 213/25, a exclusividade da administração das operações por uma Administradora de Operações de Proteção Patrimonial Mutualista, pessoa jurídica específica (sociedade por ações) autorizada pela SUSEP (Art. 88-H), necessidade de contrato entre a associação e a administradora (Art. 88-E, §1º, IV), independência patrimonial do grupo em relação à associação e à administradora (Art. 88-G) e as regras gerais do contrato de participação por adesão (Art. 88-N).
Este regime se aplica a todas as operações, inclusive àquelas iniciadas por associações constituídas após a entrada em vigor da LC 213/25, inclusive após o prazo de 180 dias do Art. 9º.
A "regularização" dessas novas associações não passa pelo cadastramento específico e transitório do Art. 9º. Ela se dá pelo cumprimento das exigências do regime permanente, ou seja, a constituição regular da associação (Código Civil), adequação estatutária (Art. 88-E, §1º, I), contratação de uma administradora autorizada pela SUSEP (Art. 88-E, §1º, IV; Art. 88-H), observância das normas operacionais e prudenciais (Arts. 88-F, 88-G, 88-N e regulamentação do CNSP/SUSEP) e a manutenção de cadastro atualizado junto à SUSEP, como parte da supervisão contínua (Art. 88-E, §3º), este cadastro é distinto do cadastro transitório do Art. 9º:
Art. 88-E (...) § 3º As associações deverão manter cadastro atualizado na Susep e encaminhar a última versão do seu estatuto social e do contrato de prestação de serviços referido no inciso IV do § 1º deste artigo, na forma regulamentada pelo CNSP.
A SUSEP e o CNSP detêm a competência para regulamentar e fiscalizar este regime permanente (Art. 32, I, III, IV, V, VI, XI; Art. 36, II, III, VII, todos do DL 73/66 com nova redação) e para estabelecer os procedimentos de autorização das administradoras (Art. 88-L). Negar a possibilidade de regularização a novas associações que cumpram esses requisitos seria contrário à lei e aos princípios constitucionais.
3. CONCLUSÃO
Com base nos fundamentos constitucionais e legais expostos, pode concluir que é plenamente lícita a constituição de novas associações para operar proteção patrimonial mutualista após o prazo de 180 dias do Art. 9º da LC 213/25, em respeito à liberdade de associação (Art. 5º, XVII-XXI, CF/88) e à livre iniciativa (Art. 170, CF/88).
O prazo de 180 dias do Art. 9º da LC 213/25 foi uma norma de transição, aplicável exclusivamente às associações preexistentes e irregulares, estabelecendo um termo final para que estas iniciassem seu processo de regularização mediante cadastramento específico (Res. SUSEP 49/25). Para essas entidades, o prazo foi peremptório quanto à adesão a esse regime transitório.
Sobre as associações fundadas após o prazo de 180 dias, elas têm o direito de operar regularmente, desde que cumpram os requisitos do regime jurídico permanente instituído pela LC 213/25 (Capítulo VII-B do DL 73/66). A regularização dessas novas associações opera-se mediante sua constituição formal, adequação estatutária e, fundamentalmente, pela contratação de uma Administradora de Operações de Proteção Patrimonial Mutualista autorizada pela SUSEP, além do cumprimento das demais normas operacionais e da manutenção de cadastro atualizado junto à SUSEP (Art. 88-E, §3º), conforme regulamentação a ser expedida pelos órgãos competentes (CNSP/SUSEP).
O princípio da legalidade (Art. 5º, II e Art. 37, caput, CF/88) impede a criação de óbices não previstos em lei à constituição ou regularização de novas associações que se proponham a operar sob as regras do novo marco legal permanente, já que a regra não finaliza com os 180 dias, o cadastro, depois desse prazo de transição, será permanente, cabendo a todas as associações que forem de proteção mutualista, realizarem o seu cadastro.