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Cabe recurso do ato que julga o recurso hierárquico previsto na Lei n.º 8.666/93

17/06/2008 às 00:00
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PROCEDIMENTO DO RECURSO HIERÁRQUICO DA LEI N.º 8.666/93

O artigo 109 da Lei n.º 8.666/93 prevê três hipóteses de recurso: o recurso ou recurso hierárquico, a representação e o pedido de reconsideração.

É cabível recurso das decisões de habilitação ou inabilitação, julgamento das propostas, anulação ou revogação da licitação, indeferimento do pedido de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento, rescisão do contrato e aplicação de penalidade.

O recurso será apresentado no prazo de cinco dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, salvo no caso de recurso em licitação na modalidade convite, cujo prazo para recurso é de dois dias úteis.

O endereçamento do recurso será para a autoridade superior, por intermédio da autoridade que praticou o ato.

Interposto o recurso, a autoridade que praticou o ato deverá decidir se atribui a ele efeito suspensivo, que sempre será concedido quando o recurso atacar o ato que julga a habilitação ou a proposta da licitante. Nos demais casos, a autoridade terá de analisar se é favorável ao interesse público a concessão do efeito suspensivo. Essa análise deve observar se a fundamentação do recorrente é relevante e se a não atribuição de efeito suspensivo pode causar dano ao licitante ou à própria Administração.

Em seguida, os demais licitantes serão intimados para impugnar o recurso no prazo de cinco dias úteis, à exceção da modalidade convite, cujo prazo para impugnação será de dois dias úteis. A intimação será feita mediante publicação na imprensa oficial, exceto nos casos de desclassificação de proposta ou inabilitação de licitante, quando, se presentes os prepostos das licitantes no ato em que for tomada a decisão, os interessados poderão ser comunicados diretamente, por meio de registro em ata.

Escoado o prazo para impugnação, a autoridade que praticou o ato deverá se manifestar no prazo de cinco dias úteis. Ela poderá manter a decisão ou reformá-la. Se mantiver a decisão, deverá remeter o recurso para a autoridade superior, acompanhado das informações necessárias para o julgamento. Caso reforme a decisão, também deverá remeter o processo para a autoridade superior, apesar de existirem controvérsias doutrinárias, pois a Lei de Licitações não estabelece qual o procedimento a ser adotado.

Marçal Justen Filho defende que o processo deverá subir apenas se a parte prejudicada pela reforma da decisão assim o requerer no prazo de 5 dias. [01]Diógenes Gasparini se opõe a isso, afirmando que, se houver reconsideração, os outros interessados deverão ser informados e o processo arquivado. [02] Jessé Torres Pereira Júnior propõe que o processo seja remetido à autoridade superior, qualquer que seja a decisão da autoridade que praticou o ato. [03]

Adotamos o entendimento de Jessé Torres Pereira Júnior, porque ele garante que a decisão seja revista pela autoridade superior, em observância ao princípio do duplo grau de jurisdição, que, embora não exista em todos os recursos, deva ser aplicado quando possível, a fim de aprimorar a decisão.

A orientação do TCU segue o mesmo rumo, apesar de utilizar como fundamento a celeridade processual, conforme acórdão 1.788/2003 plenário:

47.Vislumbro, então, que o único sentido deste novo recurso seria o de levar a matéria à análise da 2ª instância. Assim, entendo que o mais célere e coerente com o interesse público é que a Administração, ao reformar sua decisão, eleve de imediato a matéria à autoridade superior (como disciplina Jessé Torres), no caso de haver controvérsia, ou o faça após a requisição dos interessados (conforme doutrina de Marçal Justen Filho).

Elevado o recurso à autoridade superior, esta terá o prazo de cinco dias úteis para decidir. Os interessados serão intimados da decisão através de publicação na imprensa oficial.


2.HIPÓTESE FÁTICA

Em processo de licitação é interposto recurso contra a decisão que habilita uma licitante. O recurso é recebido e a interessada é intimada para impugná-lo. O prazo para impugnação se escoa sem que as contra-razões recursais sejam protocoladas. A autoridade que habilitou a licitante reforma sua decisão e remete o recurso para a autoridade superior, a qual concorda com a reforma e anula o ato habilitatório. A decisão é publicada. Cinco dias após a publicação, a licitante que foi inabilitada em razão do recurso interpõe recurso combatendo o ato que decidiu o primeiro recurso. Qual o tratamento a ser dispensado para esse recurso?


3.RECURSO DO ATO QUE JULGA RECURSO

Ao reformar a decisão atacada a autoridade competente profere nova decisão. Por exemplo, ao anular o ato que classifica a proposta a autoridade superior está desclassificando a proposta, pois inexiste outra decisão que possa ser tomada. Assim, de uma análise inicial do artigo 109 da Lei n.º 8.666/93, o recurso seria cabível, porque esse artigo estabelece que cabe recurso da decisão de inabilitação. Marçal Justen Filho inicia um raciocínio nesse viés:

Ora, retratar-se e alterar a decisão anterior configura uma nova decisão. Seria inconstitucional reputar que a nova decisão, invalidatória da anterior, estaria imune a ataque. Tem de assegurar-se a todos os interessados precisamente o mesmo tratamento. Se a reconsideração produzida em virtude do recurso não estivesse sujeita a outro recurso, ter-se-ia infração à garantia constitucional do art. 5º, inc. LV. (...) [04]

Porém, o próprio autor considera inadequada essa idéia, pois ela poderia prolongar o processo indefinidamente:

Ter-se-ia de renovar o processamento do recurso, aplicando-se as regras anteriormente enunciadas. Isso, além de uma grande perda de tempo, criaria o risco de a controvérsia eternizar-se (desde que a autoridade sempre reconsiderasse seu ato anterior). [05]

A Consultoria Zênite apresenta a mesma tese, porém afirma que o recurso só poderia ser apresentado uma vez:

Reconsiderando sua decisão, com fundamento no art. 109, § 4º, primeira parte, da Lei nº 8.666/93, estará a comissão de licitação, em verdade, proferindo uma nova decisão, isto é, expedindo um novo ato administrativo. Nesse caso, o recurso não chega a ser submetido à apreciação da autoridade superior. Vale dizer, não houve o duplo grau de jurisdição que se realiza, em vigor, com o julgamento pela instância superior àquela responsável pela decisão recorrida. Portanto, valendo a reconsideração como uma nova decisão, abre-se aos licitantes novo prazo recursal, propiciando-se aos licitantes eventualmente inconformados com a referida decisão questioná-la da forma mais ampla possível, mesmo porque essa nova decisão poderá estar informada com argumentos novos, desenvolvidos pela própria comissão, e a respeito dos quais os licitantes que haviam impugnado o primeiro recurso interposto nada poderiam ter dito, obviamente.

Todavia, o exercício, pela autoridade ou comissão, da competência de reconsiderar sua decisão só poderá ocorrer uma única vez, sob pena de sucessivas reconsiderações eternizarem a fase recursal, o que é inadmissível. [06]

Discordamos de Marçal Justen Filho pelo motivo exposto pelo próprio autor: se a cada mudança de decisão for aberto prazo recursal, o processo poderia se prolongar por prazo indeterminado. Também divergimos da opinião da Consultoria Zênite por não encontrarmos razão para a limitação imposta de apenas um recurso. Se o motivo para a possibilidade de interposição de um recurso é a impugnação da decisão proferida, por que o interessado não apresentou suas razões quando poderia ter impugnado o recurso? O momento para a parte que puder ter sua situação prejudicada se manifestar é o das contra-razões. Se ela não apresentar todos os motivos que podem lhe defender, ocorre a preclusão consumativa. Da mesma forma, se ela não apresentar a impugnação, ocorrerá a preclusão temporal.

Em sentido contrário a Marçal e à Consultoria Zênite, está Diógenes Gasparini:

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Se essa autoridade reconsiderar seu ato, decisão ou comportamento, dessa medida deve ser informada a recorrente e, após, arquivado o processo. Contra essa reconsideração não cabe qualquer recurso, já que todos puderam manifestar seus interesses no respectivo processo. [07]

Carlos Pinto Coelho Motta trilha o mesmo caminho:

Interposto o recurso, e reconsiderando a Comissão sua decisão, passa o recorrente a vencedor. Não caberá, então, recurso dessa reconsideração, diante do § 1º do art. 109. Tratar-se-á de matéria preclusa. [08]

Carlos Ari Sundfeld oferece solução mais flexível:

Se o agente recorrido reconsiderar o seu ato, estará encerrada a tramitação do recurso. No entanto, o assunto poderá ser alçado à instância superior por provocação dos outros licitantes, através de representação prevista no art. 109-II. [09]

Entretanto, destoamos de Carlos Ari Sundfeld por compreender que a representação liga-se apenas ao objeto da licitação ou do contrato e não pode ser utilizado para combater decisão de julgamento de proposta ou de habilitação.

O TCU, no mesmo acórdão 1.788/2003 (plenário), apresenta seu posicionamento:

45. Caberia então a impetração de novo recurso hierárquico, com direito a novo juízo de retratação por parte da Comissão de Licitação? Entendo que não. A Comissão, ao julgar o recurso, já havia analisado as razões dos recorrentes e as contra-razões das empresas que exerceram este direito no devido tempo. Não faz sentido submeter a Comissão à nova análise sobre a mesma matéria, considerando que todos os argumentos dos interessados já deveriam estar no processo desde a fase das contra-razões.

(...)

48. Em qualquer dos casos, entendo que os momentos adequados para as empresas manifestarem seus argumentos são quando da interposição de recurso e da apresentação de contra-razões, havendo preclusão do direito de as licitantes praticarem estes atos se não forem observados os prazos previstos em lei, a não ser que a Administração, ao decidir pela retratação, o faça com base em fatos novos, contra os quais não se tenha dado oportunidade de defesa aos licitantes, o que não parece ser o caso em comento, conforme a argumentação dos recorrentes (item 14.1 da instrução).

Caberá recurso do ato de julgamento que trouxer fatos novos, pois ele representará uma nova decisão no processo, não pautada nos argumentos do recurso ou de sua impugnação, portanto imprevisível para as partes. Ela será decorrente do poder de autotutela da Administração, que durante a análise de recurso, se tomar conhecimento de fato não apreciado anteriormente e que seja prejudicial ao processo, poderá anular o ato viciado e os a ele relacionados. Isso porque, no processo administrativo, é admitida a reforma para pior.

Logo, pelo exposto, o recurso apresentado na situação ilustrativa, não deve ser conhecido, em vista da falta do pressuposto processual do cabimento, senão quando a decisão do primeiro recurso trouxer fato novo, não exposto no primeiro recurso.

A parte tem o momento adequado para se manifestar sobre o recurso interposto e nesse momento deve alegar toda sua matéria de defesa. Em não fazendo isso, operar-se-ão as preclusões temporal e consumativa.


Notas

01 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 628.

02 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 528.

03 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. 6. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 908.

04 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 628.

05 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 628.

06 Orientação objetiva. Recursos Administrativos. Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC, Curitiba: Zênite, n. 48, p. 129-135, fev. 1998.

07 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 528.

08MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações & contratos. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 544.

09 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 191.

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Sobre o autor
Evandro Beck Souza

Advogado em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Evandro Beck. Cabe recurso do ato que julga o recurso hierárquico previsto na Lei n.º 8.666/93. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1812, 17 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11399. Acesso em: 24 nov. 2024.

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