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Quinto constitucional

22/06/2008 às 00:00

Resumo:


  • O quinto constitucional reserva 20% dos assentos nos tribunais para advogados e promotores, que são selecionados por uma lista sêxtupla e nomeados pelo Executivo.

  • Introduzido na Constituição de 1934, o quinto constitucional passou por alterações em constituições subsequentes, exigindo prática forense mínima e evoluindo para a escolha em sêxtupla.

  • O quinto constitucional é criticado por não trazer democratização, transparência ou agilidade ao sistema judiciário, permitindo a nomeação de desembargadores e ministros sem concurso público de provas e títulos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Quinto constitucional é o mecanismo que confere vinte por cento dos assentos existentes nos tribunais aos advogados e promotores; portanto, uma de cada cinco vagas nas Cortes de Justiça é reservada para profissionais que não se submetem a concurso público de provas e títulos. A Ordem dos Advogados ou o Ministério Público, livremente, formam uma lista sêxtupla de candidatos e a remetem aos tribunais; estes, por sua vez, selecionam três, encaminhando esta relação ao Executivo que nomeia um destes indicados. Este procedimento é suficiente para o advogado ou o promotor deixar suas atividades e iniciar nova carreira, não na condição de juiz de primeiro grau, início da carreira, mas já como desembargador ou ministro, degrau mais alto da magistratura.

O quinto constitucional, idéia corporativista do governo Getúlio Vargas, foi, pela primeira vez, inserido na Constituição de 1934, § 6º, art. 104, que dizia:

"Na composição dos tribunaes superiores, serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do § 3º". (sic).

A Constituição de 1937 repetiu o dispositivo (art. 105); a de 1946 o alterou para exigir prática forense por no mínimo dez anos, além do rodízio entre advogados e representantes do Ministério Público, que não estava inserido nas Constituições anteriores (inc. V, art. 124). A Carta de 1967 trouxe novidade, consistente na escolha de advogado no exercício da profissão (inc. IV, art. 136); a de 1969 manteve o mesmo teor do dispositivo de 1967 (inciso IV, art. 144). A atual Constituição determinou a escolha em sêxtupla (arts. 94 e 104), e não mais em lista tríplice, como era anteriormente.

Paralelamente, evoluiu a regulamentação da magistratura de carreira. Substancial modificação aconteceu com a Constituição de 1946, que inseriu o concurso público como elemento necessário para ingresso na "magistratura vitalícia" (inc. III, art. 124); a de 1967 acrescentou o concurso de títulos, além das provas (inc. I, art. 136), repetido na Constituição de 1969 (inc. I, art. 144); na atual redação da Constituição Cidadã, consta como requisito novo um mínimo de três anos na atividade jurídica (inc. I, art. 93).

Apesar disso, não se excluiu a nomeação de advogados ou membros do Ministério Público, que se tornam magistrados verdadeiramente "biônicos". Dessa forma, o quinto, apesar de constitucional, fere regra constitucional maior, consistente na indispensabilidade de concurso público de provas e títulos para integrar o Poder Judiciário. Se a nomeação pelo governo militar dos senadores "biônicos" foi retirada, frente à grande resistência do povo, na magistratura tem-se aceitado como natural essa excrescência do quinto constitucional.

Registre-se que, entre os três poderes da República, somente os representantes do Judiciário não se formam de conformidade com a vontade popular, como exige a Constituição (parágrafo único, art. 1º), vez que substituída pelo concurso público. Os membros dos tribunais advindos do quinto vão mais longe, pois, além da inexistência de manifestação do povo, não se submetem a concurso de provas e títulos. E o mais grave é que passam a fazer parte de um dos três poderes não como juízes, mas já são na condição de desembargadores ou ministros.

Os argumentos para justificar o quinto constitucional – tais como a cidadania, a democracia no Judiciário, a oxigenação dos tribunais ou a pluralidade de experiência vivida por advogados e membros do Ministério Público – não se sustentam.

O recrutamento dos advogados não é democrático, porque submetido ao desejo de grupo, passando por restrito número de membros dos tribunais, onde o conhecimento pessoal e a amizade prevalecem, porque não se tem critérios para a escolha deste ou daquele, como ocorre na promoção dos juízes, quando se exige produtividade, presteza, freqüência e aproveitamento em cursos etc. Os representantes da OAB e do Ministério Público não passam pela observância desses critérios; o coroamento de interferências indevidas na magistratura acontece com a prevalência da vontade pessoal e política do Chefe do Executivo que nomeia.

Falho o entendimento de que o advogado busca os tribunais somente para atender a interesses públicos; na verdade, não se compreende como um advogado, muitíssimo bem remunerado na atividade privada, ou um funcionário público, bastante influente na cena política, pleiteia o cargo de ministro ou de desembargador. Fala-se que somente status justifica a mudança de atividade.

O fato de os advogados já terem tido atuação no juízo de primeira instância não os capacita para desenvolverem a atividade em melhores condições que os juízes, pois estes sim praticaram a advocacia e colheram experiência de anos nas comarcas por onde passaram.

O quinto não trouxe democratização, nem transparência e muito menos contribuiu para o aperfeiçoamento ou agilidade do sistema; pelo contrário, os desembargadores e ministros originados do quinto passarão a julgar recursos sem nunca terem colhido provas nem presidido uma audiência muito menos formado, como julgador, um processo. E mais: os contatos com a comunidade aconteceram sob outro ângulo.

O advogado e o membro do Ministério Público se sujeitam à busca de votos entre conselheiros ou integrantes da classe à qual pertencem, além da procura de apoio junto a membros alheios à sua classe, e ainda no Executivo. Levam grande vantagem em relação aos juízes, que serão necessariamente preteridos na promoção para o topo da carreira, porque há nomeação de estranhos à magistratura – que não se submeteram a concurso, nem exercitaram a arte de julgar nas comarcas do interior, nas quais, aí sim, se acumula significativa experiência de vida. Se a argumentação maior reside na vivência profissional e pessoal do advogado, o que dizer do juiz que milita na advocacia e experimenta a vida de julgador por longos anos?

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A participação do advogado ou do representante do Ministério Público no Judiciário não deve acontecer por meio do quinto, mas pela atuação como defensores das partes ou como fiscal das leis. Há muitas atividades nas quais os advogados poderiam prestar relevantes serviços à causa da justiça, a exemplo da assessoria aos corregedores e aos presidentes, uma vez que o sistema insiste em retirar juízes da judicatura para atuar na área administrativa. Os advogados e membros do Ministério Público são essenciais à Justiça e podem e devem prestar relevantes serviços à sociedade, através de suas promoções e pareceres na primeira e segunda instâncias.

Dentro do raciocínio dos defensores da "oxigenação", melhor seria, para democratização e pluralidade de experiência, se também fosse permitido acesso dos delegados, dos professores, dos médicos, dos militares etc. aos tribunais. Os simpatizantes do quinto poderiam abraçar outra tese, consistente na nomeação de um civil para brigadeiro, general ou almirante, sob o fundamento de oxigenação da Marinha, Aeronáutica ou do Exército.

O que há mesmo no quinto é jogo de poder, de influência e de interesses, onde prevalece o que tem maior prestígio na classe e no governo.

Na verdade, até mesmo os advogados criticam o quinto, quando asseguram que seus colegas escolhidos para completar a justiça de segundo grau desvestem da condição de advogado e não interpretam o sentimento da classe que o colocou na posição.

No caso do Ministério Público, o que se constata é a chegada aos tribunais de jovens profissionais em tempo bem inferior ao exigido para os juízes.

A propósito, a Constituição (artigo 103-B) já garante a representação de dois advogados e dois representantes do Ministério Público no Conselho Nacional de Justiça, responsável pelo controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário, além da fiscalização dos deveres funcionais dos juízes.

Tramita no Congresso Nacional a Emenda Constitucional nº. 96-A-92, a qual propõe a retirada dos tribunais na escolha do quinto constitucional; aprovada, a medida passa a ser de competência da classe, que indicaria lista tríplice diretamente ao Executivo.

No STJ, apesar do critério constitucional (1/3 para advogados e membros do Ministério Público), não se observa a origem dos magistrados para firmar o equilíbrio constitucional, constituído de 2/3 de juízes federais e estaduais e 1/3 de advogados e membros do Ministério Público; é que estes, ao ascenderem aos tribunais, são conduzidos ao STJ nas vagas destinadas aos magistrados.

O Supremo Tribunal Federal não goza de maior independência, pois formado por critérios eminentemente políticos. A nomeação é de livre escolha do Presidente da República, com homologação do Senado Federal (art. 101 da Constituição), que sempre aceita a indicação presidencial.

A AMB ingressou, no corrente mês, com a ADIN nº. 4078, questionando lei federal que disciplina a composição da Corte. A forma como se procede atualmente provoca o desequilíbrio e permite a usurpação de quatro das 22 vagas, reservadas aos magistrados, serem ocupadas por membros emanados do quinto.

A continuação do quinto reclama ao menos um reparo: acabar com a vitaliciedade de quem assumiu o poder sem interferência do povo e sem concurso público de provas e títulos

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Sobre o autor
Antonio Pessoa Cardoso

Ex-Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Antonio Pessoa. Quinto constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1817, 22 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11405. Acesso em: 22 dez. 2024.

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