Capa da publicação Escala 6x1: como ela afeta a saúde dos trabalhadores
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A escala 6x1 e os impactos na saúde do trabalhador

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A escala 6x1 pode afetar física e mentalmente o trabalhador. Como a legislação protege contra abusos nesse regime de jornada?

Resumo: Este estudo aborda os impactos da jornada de trabalho em escala 6x1 sobre a saúde física, mental e social dos trabalhadores, destacando as implicações desse modelo laboral, ainda amplamente adotado em diversos setores da economia brasileira. A pesquisa revela que a rotina extenuante e a falta de um descanso adequado resultam em sérios prejuízos ao bem-estar dos indivíduos, comprometendo a dignidade humana, o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, e a convivência familiar. Sob o ponto de vista jurídico, o trabalho expõe as falhas na aplicação da legislação trabalhista, como o descumprimento de direitos essenciais, e o reconhecimento crescente do dano existencial pelos tribunais. Além disso, a pesquisa discute as alternativas legislativas e experiências internacionais de redução da jornada de trabalho, destacando a Proposta de Emenda Constitucional nº 8/2025 como uma tentativa de modernização das normas trabalhistas. A pesquisa conclui que é necessária uma reestruturação nos modelos de jornada de trabalho, com foco em jornadas mais humanas e sustentáveis, que respeitem os limites físicos e emocionais dos trabalhadores, promovendo a saúde, a qualidade de vida e a produtividade.

Palavras-chave: escala 6x1, jornada de trabalho, saúde ocupacional, dignidade da pessoa humana, legislação trabalhista, danos existenciais, Proposta de Emenda Constitucional, produtividade, qualidade de vida, reforma trabalhista.


INTRODUÇÃO

A jornada de trabalho constitui um dos pilares normativos do Direito do Trabalho, sendo disciplinada com vistas à proteção da saúde, da segurança e da dignidade do trabalhador. A escala 6x1, prevista no artigo 7º, inciso XV, da Constituição Federal e regulamentada pela Consolidação das Leis do Trabalho, estabelece o direito ao repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos, após seis dias consecutivos de labor. No entanto, a aplicação reiterada desse regime, sem a devida observância aos limites constitucionais e infraconstitucionais, tem suscitado debates sobre sua compatibilidade com os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da função social do trabalho e da valorização do trabalhador. A presente pesquisa propõe uma análise crítica dos impactos físicos, psíquicos e sociais da escala 6x1, bem como das repercussões jurídicas de sua aplicação irregular, à luz da doutrina, jurisprudência e propostas legislativas contemporâneas, como a Proposta de Emenda à Constituição nº 8/2025, que visa repensar os paradigmas atuais da organização do tempo de trabalho no Brasil.


1. ANÁLISE JURÍDICA DA ESCALA 6X1 À LUZ DA REFORMA TRABALHISTA, LEI Nº 13.467/2017

Com a promulgação da Lei nº 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista, diversas alterações impactaram a regulamentação da jornada de trabalho e, consequentemente, a escala 6x1.

Antes da reforma, a CLT já previa que o empregado deveria trabalhar seis dias consecutivos e usufruir de um dia de descanso, em observância ao descanso semanal remunerado. O artigo 67 da CLT dispõe que:

"Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente aos domingos." (BRASIL, 1943)

Além disso, a Constituição Federal de 1988, no artigo 7º, inciso XV, reforça o direito ao repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, como uma garantia fundamental do trabalhador.

A reforma trabalhista, ao modificar dispositivos da CLT, conferiu maior flexibilidade à jornada de trabalho e ampliou a autonomia coletiva. Um dos instrumentos centrais foi a criação dos artigos 611-A e 611-B, que tratam da prevalência do negociado sobre o legislado em determinadas matérias, entre elas a jornada de trabalho, banco de horas e intervalos intrajornada.

Segundo Vólia Bomfim Cassar:

"Ainda que se flexibilize a jornada, permanece inafastável o direito ao descanso semanal, que constitui norma de ordem pública e de índole constitucional." (2018, p. 587)

Com isso, a escala 6x1 permanece obrigatória em sua essência, porém a forma de sua aplicação pode ser objeto de ajustes via negociação coletiva, respeitando-se o limite de 44 horas semanais e 220 horas mensais. Gustavo Filipe Barbosa Garcia complementa:

"A autonomia coletiva pode estabelecer regimes diferenciados de compensação e de banco de horas, mas não pode eliminar o repouso semanal de 24 horas consecutivas, conforme assegurado pela Constituição Federal." (2019, p. 412)

Portanto, a reforma permitiu que empresas e sindicatos negociassem escalas diferenciadas de trabalho, como a utilização de regimes de compensação e banco de horas, inclusive por acordo individual em empresas de até 20 empregados, conforme art. 59, §5º, da CLT, desde que mantido o direito ao descanso semanal.

A jurisprudência também consolidou o entendimento de que a negociação coletiva pode flexibilizar aspectos relacionados à jornada e à escala, mas deve respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 1.121.633, relatoria do Ministro Gilmar Mendes, firmou o entendimento de que a negociação coletiva possui presunção de validade, inclusive para tratar de condições laborais, desde que não afronte direitos indisponíveis.

Entretanto, como ressalta Maurício Godinho Delgado:

"As normas constitucionais protetivas do trabalho – como o descanso semanal remunerado – têm caráter inderrogável, não podendo ser afastadas sequer por negociação coletiva." (2020, p. 1005)

Assim, ainda que haja espaço para negociações que modifiquem a forma de cumprimento da escala 6x1, é inviável a supressão do direito ao repouso semanal remunerado, sob pena de nulidade da cláusula convencional, conforme o artigo 9º da CLT.

A prática revela que após a reforma, alguns setores buscaram adotar escalas alternativas de trabalho, utilizando a autonomia coletiva para organizar turnos, escalas de revezamento ou compensações em feriados, mas sempre respeitando o descanso mínimo de vinte e quatro horas em cada período de sete dias. O banco de horas individual, autorizado pela reforma, também se apresentou como um instrumento que, em alguns casos, influenciou a dinâmica da escala 6x1, viabilizando ajustes sem necessidade de acordo coletivo prévio, mas sempre preservando os limites constitucionais.


2. A SAÚDE DO TRABALHADOR COMO DIREITO HUMANO

Conforme CARVALHO (et al., 2022, p. 7):

Discutir a saúde do trabalhador é, necessariamente, tratar de direitos humanos. Este tema exige uma abordagem interdisciplinar, que envolva reflexões sobre saúde, trabalho, governança, responsabilidade social e institucional, além da observância normativa e jurídica. A saúde é um direito humano fundamental, garantido por lei, assim como a proteção ao trabalhador, que abrange dimensões de abstenção, prevenção, reparação e prestação, tanto na esfera pública, com o Estado, quanto na esfera privada, com os empregadores. Para que esse direito seja efetivado, é indispensável a existência de uma vigilância preventiva constante.

Nesse sentido, o direito à saúde destaca-se entre os direitos sociais reconhecidos à pessoa humana e inseridos nos catálogos das constituições contemporâneas como direitos fundamentais. Afinal, de pouco adiantam os direitos de liberdade se o indivíduo não possui uma vida saudável que lhe permita exercer plenamente sua autonomia e fazer escolhas.

A saúde do trabalhador deve ser compreendida como um direito humano, por estar inserida no conjunto das necessidades básicas, segundo a teoria do mínimo existencial, em consonância com a dignidade ontológica da pessoa. Como espécie da saúde em geral, é inviolável e deve ser rigidamente observada tanto pelo empregador quanto pelo Estado, no exercício de suas funções regulatórias e fiscalizatórias. Qualquer violação a esse direito, como nos casos de acidentes de trabalho ou adoecimentos ocupacionais, exige uma resposta efetiva e reparatória por parte do ordenamento jurídico.

No plano internacional, esse direito é amplamente reconhecido. A Organização Mundial da Saúde, definiu a saúde como um direito humano ao declarar que:

"A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social. A saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança e depende da mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados" (OMS, 1948).

Essa concepção evidencia que a saúde ultrapassa os limites da medicina ou da técnica, sendo, antes de tudo, uma questão de justiça social e de reconhecimento da dignidade humana. Logo, a saúde do trabalhador deve ser tratada não como um benefício acessório ou um custo, mas como um imperativo jurídico, ético e humanitário.

No contexto da jornada de trabalho em escala 6x1, a saúde do trabalhador não deve ser compreendida apenas como uma exigência técnica ou médica, mas como expressão concreta do princípio da dignidade da pessoa humana e do reconhecimento da saúde como direito humano fundamental. Este entendimento encontra respaldo tanto em dispositivos normativos nacionais quanto em interpretações doutrinárias e reflexões críticas de juristas comprometidos com a efetivação dos direitos fundamentais.

O artigo 6º da Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como um direito social. Mais do que uma diretriz programática, trata-se de um comando normativo que vincula tanto o Estado quanto os empregadores à promoção de um meio ambiente de trabalho seguro, saudável e compatível com as necessidades físicas e psíquicas dos trabalhadores.

Esse modelo impõe ao trabalhador uma sobrecarga que o afasta do lazer, da convivência familiar e, por conseguinte, do exercício pleno de sua cidadania. O jurista Souto Maior também contribui para essa análise ao afirmar que o Direito do Trabalho, enquanto instrumento civilizatório, deve limitar os abusos decorrentes da organização capitalista. Para ele,

“a proteção jurídica ao trabalhador visa, antes de tudo, impedir que sua força de trabalho seja explorada de modo a comprometer sua vida, sua saúde e sua existência digna”. (SOUTO MAIOR, s.d.)

Ao ignorar tais premissas, a organização do trabalho em escalas rígidas e contínuas impõe ao trabalhador uma lógica desumanizante, incompatível com os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Sob essa ótica, é necessário reconhecer que a proteção à saúde do trabalhador transcende o plano contratual e alcança o patamar dos direitos humanos, estando vinculada a tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esses instrumentos reconhecem o direito ao repouso, ao lazer e à limitação das horas de trabalho como elementos essenciais à dignidade humana.

Em síntese, a consolidação de uma cultura jurídica comprometida com os direitos fundamentais exige que a saúde do trabalhador seja tratada como prioridade absoluta, e não como um custo a ser minimizado. Nesse contexto, a jornada de trabalho deve ser pensada à luz da função social do trabalho e do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana. Romper com o ciclo de naturalização do adoecimento no trabalho é um desafio que envolve não apenas a atuação do Estado e do Judiciário, mas também uma profunda mudança cultural nos modelos de gestão e nas mentalidades empresariais. Afinal, como bem pontua Souto Maior, “não há dignidade sem tempo para viver”.

2.1. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AS RELAÇÕES DE TRABALHO

A dignidade da pessoa humana, consagrada pela Constituição Federal de 1988, representa um dos pilares fundamentais do Estado brasileiro, estabelecendo-se como um valor superior que orienta o ordenamento jurídico. Este princípio, presente no art. 1º, III, da Constituição, reverbera por todo o sistema de direitos fundamentais, sendo a base do direito à vida, da ordem econômica e da justiça social.

Com base nesse fundamento, a ordem econômica deve assegurar a todos os cidadãos uma existência digna; a ordem social deve visar à justiça social, conforme art. 193. e a educação deve promover o desenvolvimento da pessoa e prepará-la para o exercício da cidadania, nos moldes do art. 205, entre outras diretrizes, não como promessas formais, mas como comandos normativos com eficácia plena (SILVA, 2022, p. 109).

Dentro desse contexto, a dignidade do trabalhador se torna um princípio norteador da organização das relações laborais, alinhando-se ao objetivo da ordem econômica de garantir uma existência digna para todos os cidadãos, conforme preconizado no art. 170. da Constituição Federal. Isso significa que o desenvolvimento econômico não deve ocorrer em detrimento da dignidade humana, e a busca pela produtividade no ambiente de trabalho não pode ser realizada a qualquer custo.

A exposição do trabalhador à violência psicológica, ao assédio moral e a outras formas de degradação configura violação ao princípio da dignidade humana. O desrespeito à intimidade, à honra e à saúde física ou mental do trabalhador representa não apenas afronta a direitos individuais, mas atentado à própria ordem constitucional.

Embora a Constituição e outras normas assegurem a proteção da dignidade no ambiente de trabalho, são recorrentes os casos de exploração e desumanização. Surge, assim, um questionamento essencial: é admissível que objetivos empresariais voltados à produtividade sejam buscados a qualquer custo? À luz do ordenamento constitucional, a resposta é negativa. A dignidade da pessoa humana deve servir como limite ético e jurídico aos excessos do capital, garantindo a integridade física, mental e social do trabalhador.

2.2. IMPACTOS FÍSICOS, PSICOLÓGICOS E FAMILIARES DA ESCALA 6X1 PARA O TRABALHADOR.

2.2.1. Impactos físicos da escala 6x1: O custo do trabalho excessivo.

A jornada de trabalho em regime de escala 6x1, impõe severas consequências à saúde física e mental dos trabalhadores. Esse modelo, comum em setores como o comércio e os serviços, gera sobrecarga física contínua e reduz significativamente o tempo necessário para a recuperação do corpo, contribuindo para o adoecimento ocupacional (SILVA, 2023).

2.2.1.1. Doenças musculoesqueléticas.

Entre os principais agravos físicos decorrentes desse regime estão as doenças musculoesqueléticas, como as lesões por esforço repetitivo e os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho. Essas enfermidades são frequentes entre profissionais submetidos a jornadas extenuantes, especialmente aqueles que executam tarefas repetitivas ou permanecem em pé por longos períodos, como operadores de caixa, balconistas e atendentes (SOUZA; OLIVEIRA, 2022).

A ausência de pausas regulares e a repetição constante de movimentos em condições inadequadas comprometem a saúde musculoesquelética. A má postura e a falta de tempo adequado para repouso resultam em desgaste das articulações, inflamações, dores crônicas e, em muitos casos, incapacidades temporárias ou permanentes. Além disso, a recuperação muscular é severamente prejudicada pela continuidade do esforço físico, levando ao desenvolvimento de doenças como tendinite, bursite e síndrome do túnel do carpo (SILVA, 2023).

2.2.1.2. Doenças cardiovasculares.

As doenças cardiovasculares são agravadas pela escala 6x1. A hipertensão arterial, o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral são exemplos de condições relacionadas ao estresse crônico provocado por longas jornadas de trabalho e à ausência de recuperação física e mental adequadas (SOUZA; OLIVEIRA, 2022).

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O esforço contínuo e o estresse laboral elevam os níveis de cortisol, hormônio que, em excesso, contribui para o desenvolvimento de doenças cardíacas. A fadiga crônica, frequente nesse regime de trabalho, também compromete a qualidade do sono, fator intimamente ligado à saúde cardiovascular. A privação de sono, além de prejudicar a regeneração do organismo, aumenta os riscos de obesidade, diabetes e outras comorbidades (BRASIL, 2023).

2.2.1.3. Acidentes de trabalho e fadiga.

A fadiga acumulada decorrente da escala 6x1 também está associada ao aumento dos acidentes de trabalho. Segundo dados do Observatório de Saúde e Segurança no Trabalho, em 2022, o Brasil registrou 612,9 mil notificações de acidentes ocupacionais. Desses, 148,8 mil trabalhadores formais receberam benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social, e 2.538 óbitos foram registrados no mesmo período (BRASIL, 2023). Esses números evidenciam a relação direta entre o excesso de jornada e a incidência de acidentes laborais.

A ausência de pausas adequadas e o esgotamento físico comprometem a atenção e a capacidade de julgamento do trabalhador, aumentando a probabilidade de erros. O ciclo contínuo de trabalho promove desgaste físico e mental que, em casos extremos, impõe danos irreversíveis à saúde (SILVA, 2023).

2.2.2. Impactos psicológicos da escala 6x1: O preço do esgotamento mental para os trabalhadores.

A escala 6x1 tem impactos profundos na saúde física e mental dos trabalhadores, refletindo-se em diversas condições psicológicas, como a síndrome de burnout, ansiedade, depressão entre outros distúrbios. O modelo de trabalho, caracterizado por um ritmo intenso e poucos períodos de descanso, tem mostrado um aumento significativo nos casos de doenças mentais, afetando a qualidade de vida dos trabalhadores e comprometendo sua saúde emocional.

2.2.1.1. Síndrome de Burnout.

A síndrome de burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, caracteriza-se por uma condição psicológica resultante do estresse crônico no ambiente de trabalho, especialmente em situações de sobrecarga de tarefas e falta de tempo para recuperação emocional. Trabalhadores que enfrentam jornadas longas e extenuantes, como a escala 6x1, estão particularmente vulneráveis a desenvolver essa síndrome.

Os sintomas da síndrome incluem exaustão física e emocional, falta de motivação, irritabilidade, distúrbios no sono e dificuldade de concentração. Em muitos casos, o trabalhador se sente desconectado de suas funções, o que leva a um comprometimento da produtividade. O quadro pode evoluir para sintomas mais graves, como depressão, ansiedade generalizada e ideação suicida. Esse transtorno, ao afetar a saúde mental, também resulta em aumento do absenteísmo e diminuição da eficiência no trabalho, levando a um ciclo de deterioração contínua da saúde física e psicológica do trabalhador.

De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social, mais de 209 mil trabalhadores foram afastados em 2022 devido a transtornos mentais relacionados ao trabalho, sendo que a síndrome de burnout se encontra entre as principais causas de afastamento. A falta de reconhecimento, associada à pressão constante para manter a produtividade, é um fator crucial para o desenvolvimento do burnout.

Pesquisas apontam que cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros estão em risco de desenvolver essa condição devido à sobrecarga de tarefas e à pressão constante (CAVALCANTI et al., 2019).

2.2.1.2. Ansiedade e depressão.

O estresse constante gerado pela escala 6x1 impacta diretamente o equilíbrio emocional dos trabalhadores, contribuindo para um aumento significativo nos casos de transtornos de ansiedade e depressão. A sensação de estar sempre sobrecarregado, sem tempo para descanso ou para o autocuidado, cria um ciclo vicioso de ansiedade relacionada ao trabalho e às responsabilidades pessoais, como os cuidados com a casa e a família. Esse excesso de demanda mental e emocional pode afetar a qualidade de vida e evoluir para distúrbios psicológicos mais graves.

Estudos indicam que pessoas que trabalham em horários irregulares, ou em escalas de folga limitadas, como a 6x1, apresentam maior propensão a desenvolver transtornos como o transtorno de ansiedade generalizada, que se caracteriza por uma preocupação excessiva com várias áreas da vida, incluindo trabalho, saúde e família. A sensação constante de pressão, associada à falta de controle sobre o próprio tempo, são fatores-chave para o desenvolvimento dos transtornos. Segundo um estudo de Silva et al. (2021), trabalhadores com jornadas extenuantes têm duas vezes mais chances de desenvolver transtornos de ansiedade e depressão, especialmente quando a folga semanal é insuficiente para recuperação emocional.

Quando esse estresse se prolonga por longos períodos, os trabalhadores podem apresentar sintomas de depressão, como desânimo, tristeza profunda e perda de interesse nas atividades diárias. A pesquisa de Almeida e Mendes (2020) indica que 42% dos trabalhadores em jornadas 6x1 apresentam sintomas depressivos moderados a graves, refletindo o impacto direto do estresse no estado emocional dos indivíduos.

2.2.1.3. Transtorno de estresse pós-traumático.

Embora o transtorno de estresse pós-traumático seja associado a eventos traumáticos intensos, como violência ou acidentes, trabalhadores submetidos a jornadas extenuantes em um ambiente de alta pressão, também estão suscetíveis a desenvolver o transtorno, que se caracteriza por flashbacks, evitação de situações que lembram o evento traumático e hipervigilância. Embora a escala 6x1 não esteja diretamente relacionado a eventos traumáticos típicos, o esgotamento emocional e a pressão constante podem servir como gatilhos para o desenvolvimento de sintomas do TEPT, especialmente em ambientes de trabalho abusivos ou com sobrecarga emocional.

A falta de descanso adequado associado com a intensa sobrecarga de responsabilidades, podem criar um ambiente psicológico onde o trabalhador se sente impotente, exausto e incapaz de lidar com as demandas diárias. O acúmulo de estresse, sem o devido tempo de recuperação, pode levar o trabalhador a reações extremas e ao desenvolvimento de quadros de transtorno de estresse pós-traumático, com impacto direto na sua capacidade de funcionamento no trabalho e na vida pessoal. De acordo com pesquisa de Costa et al. (2018), ambientes de trabalho com alta pressão podem aumentar em até 50% o risco de desenvolvimento de TEPT, especialmente em profissões com alto nível de estresse e pouco apoio psicológico.

2.2.3. Impactos familiares da escala 6x1: O sacrifício das relações pessoais para os trabalhadores.

Os impactos da escala 6x1 não se limitam apenas à saúde física e mental do trabalhador, mas também afetam significativamente suas relações sociais e familiares. O tempo reduzido para descanso e lazer, aliado à ausência de folgas regulares e à exaustão contínua, compromete o convívio social e familiar, resultando em isolamento social e no enfraquecimento dos vínculos afetivos. Trabalhadores submetidos a essa jornada são privados de momentos de qualidade com seus familiares, o que contribui para o surgimento de tensões, conflitos domésticos e sensação de abandono emocional por parte dos entes próximos.

2.2.3.1. Impacto desproporcional da escala 6x1 para as mulheres trabalhadoras

O impacto da escala 6x1 é ainda mais severo para as mulheres, que enfrentam uma dupla jornada de trabalho ao acumular as responsabilidades do emprego formal com o trabalho doméstico e os cuidados familiares, geralmente não remunerados. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2022, revelam que as mulheres brasileiras dedicam, em média, 21,3 horas semanais às tarefas domésticas, enquanto os homens contribuem com apenas 11,7 horas. Essa sobrecarga resulta em uma jornada total que pode ultrapassar 60 horas semanais, especialmente em setores como comércio, serviços e indústria, onde a escala 6x1 é amplamente adotada.

Além das tarefas domésticas, muitas mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados com os filhos, gestão do lar e suporte emocional à família, o que frequentemente as leva a abrir mão do autocuidado, lazer e do descanso adequado. Esse cenário agrava diante da desigualdade salarial de gênero: segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, em 2023, as mulheres recebem, em média, 19,4% a menos que os homens ocupando cargos equivalentes. Essa disparidade, somada à carga exaustiva de trabalho e a escala 6x1, intensifica o desgaste físico e psicológico das trabalhadoras.

A situação é ainda mais crítica entre mulheres que chefiam famílias monoparentais. Conforme dados do Censo Demográfico de 2022, mais de 11 milhões de lares brasileiros são liderados por mulheres, que acumulam sozinhas a responsabilidade pelo sustento econômico e pelos cuidados com os filhos. Nessas condições, o tempo disponível para convívio familiar ou atividades pessoais é drasticamente reduzido, agravando o desequilíbrio nas responsabilidades parentais, que ainda recaem majoritariamente sobre as mulheres.

O quadro torna-se ainda mais desigual quando se consideram os marcadores interseccionais de gênero e raça. Mulheres negras, em particular, enfrentam desafios adicionais, como menor acesso a oportunidades de emprego, maior vulnerabilidade social e uma média ainda mais alta de tempo dedicado ao trabalho doméstico e aos cuidados familiares, segundo o IBGE (2022).

A escassez de tempo livre também afeta negativamente o desenvolvimento pessoal e profissional das mulheres. Muitas acabam abandonando a educação formal ou renunciando à capacitação profissional por falta de tempo ou energia. De acordo com estudo da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas, 2023), mulheres submetidas a jornadas extensas, como a escala 6x1, enfrentam maiores obstáculos para a qualificação e progressão na carreira, perpetuando um ciclo de desigualdade e estagnação profissional.

2.3. GERENCIAMENTO DOS RISCOS PSICOSSOCIAIS NA ESCALA 6X1: A NORMA REGULAMENTADORA Nº1 E A CERTIFICAÇÃO DAS EMPRESAS PROMOTAS DA SAÚDE MENTAL

2.3.1. NR-1: Inclusão dos ricos psicossociais no gerenciamento de riscos ocupacionais

A Norma Regulamentadora nº 1, que estabelece as disposições gerais sobre segurança e saúde no trabalho, foi atualizada com a publicação da Portaria do MTE nº 1.419/24, exigirá a identificação e o controle dos riscos psicossociais no ambiente laboral. Essa mudança representa um marco na proteção da saúde mental dos trabalhadores, alinhando-se com a tendência internacional de considerar o bem-estar psicológico como parte essencial das políticas de segurança ocupacional.

Entre os principais riscos psicossociais estão o estresse, a ansiedade, a depressão, o assédio moral e a sobrecarga de trabalho, fatores vezes presentes em jornadas exaustivas, como a escala 6x1, que pode gerar impactos negativos sobre a saúde física e mental do trabalhador, especialmente quando associada a ambientes com metas excessivas e pressão constante.

Com a atualização, as empresas são obrigadas a incluir esses riscos no Programa de Gerenciamento de Riscos, promovendo medidas preventivas como a reorganização das escalas, pausas adequadas, apoio psicológico e melhoria na comunicação interna. Além disso, a norma fortalece o papel dos trabalhadores na prevenção, garantindo-lhes participação ativa na identificação e elaboração das ações corretivas.

A fiscalização, inicialmente orientativa, passará a ser punitiva a partir de maio de 2026, incentivando as organizações a se adequarem às novas exigências. Para os trabalhadores que cumprem a escala 6x1, a mudança traz um avanço importante na garantia de condições laborais mais seguras e humanas, reduzindo os riscos de adoecimento e promovendo maior qualidade de vida.

Assim, a atualização da NR-1 não altera diretamente a jornada legal, mas impõe às empresas o dever de gerenciar seus efeitos sobre a saúde do trabalhador, reforçando a proteção social e a dignidade no ambiente de trabalho.

A vigência da nova redação da NR-01, que introduz riscos psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), foi prorrogada para 25 de maio de 2026. A Portaria MTE nº 765/2025, publicada em 15 de maio de 2025, que oficializou essa decisão.

2.3.2. Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, lei nº 14.831/2024: o papel das empresas e a responsabilidade social.

O aumento dos impactos físicos, psicológicos e familiares relacionados à escala 6x1 trouxe à tona a importância de se repensar as práticas laborais. A recente Lei nº 14.831/2024, que estabelece o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, que propõe um caminho para as empresas adotarem estratégias de promoção da saúde mental e bem-estar de seus colaboradores. Embora ainda seja facultativa, a implementação de programas de apoio psicológico, treinamento de gestores e combate ao estresse são passos importantes para mitigar os efeitos nocivos de jornadas extenuantes.

A certificação também reflete um alinhamento com as diretrizes de governança corporativa ESG, que exigem que as empresas assumam uma postura mais responsável não apenas em relação ao meio ambiente, mas também ao bem-estar de seus empregados. As empresas têm, portanto, uma responsabilidade social de garantir que suas políticas de trabalho respeitem a saúde física e mental dos colaboradores, evitando regimes laborais exaustivos como a escala 6x1.

2.4. IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DO DESCUMPRIMENTO DA ESCALA 6X1 NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Os conflitos decorrentes da aplicação da escala 6x1 surgem da divergência entre empregadores e empregados quanto à correta observância dos direitos ao descanso semanal, controle da jornada e revezamento dominical. O ponto central de tensão é a supressão ou concessão irregular do descanso semanal remunerado, o que implica violação direta da legislação trabalhista e da Constituição Federal.

  O artigo 7º, XV, da Constituição Federal assegura aos trabalhadores o “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”. De forma complementar, o artigo 67 da CLT dispõe que “será assegurado a todo empregado um descanso semanal de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos domingos”. Ainda, o artigo 386 da CLT, aplicado às mulheres, e a Lei nº 10.101/2000, reforçam a obrigatoriedade da alternância dos domingos trabalhados.

  Quando esse direito não é respeitado, a jurisprudência trabalhista impõe consequências jurídicas à empresa. O Tribunal Superior do Trabalho consolidou entendimento por meio da Súmula nº 146, que determina

  “É devido o pagamento em dobro da remuneração do dia de descanso semanal, mesmo que recaiam em feriados, quando não concedido ou gozado pelo empregado, ainda que este tenha recebido salário referente ao dia de repouso.” (BRASIL, 2023).

  Essa orientação uniformiza decisões em casos nos quais o trabalhador presta serviços durante o dia reservado ao descanso, sem a devida compensação ou folga. Nesse sentido, Delgado pontua:

  “O repouso semanal é garantia fundamental da higidez física e psíquica do trabalhador, elemento essencial para a preservação do valor social do trabalho e para a realização da dignidade da pessoa humana.” (2021, p. 1233)

  Além disso, quando o empregador impõe jornadas que violam os parâmetros contratuais ou legais sem negociação coletiva ou previsão contratual expressa, surgem litígios trabalhistas relevantes. As reclamações mais comuns envolvem:

2.4.1. Falta de previsão formal para a escala 6x1 no contrato ou convenção coletiva

A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XIII, dispõe que a duração do trabalho não deve ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, admitindo a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva. A Consolidação das Leis do Trabalho, por sua vez, no artigo 67, assegura ao empregado o direito a um descanso semanal de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos. Nesse contexto, a adoção da escala 6x1 é juridicamente possível, desde que haja expressa formalização por meio de contrato de trabalho ou instrumento coletivo. A ausência dessa formalização compromete a segurança jurídica da relação empregatícia, podendo levar o trabalhador a questionar a legalidade da jornada praticada, especialmente no que se refere ao respeito ao descanso semanal remunerado e à limitação da carga horária.

  De acordo com Delgado (2021), a implementação da escala 6x1 sem a devida regulamentação contratual ou coletiva configura fator de insegurança jurídica, uma vez que o trabalhador pode ser prejudicado pela ausência de garantias formais quanto à compensação do descanso semanal. Martins (2023) complementa que qualquer modificação nas condições de trabalho deve ser previamente acordada, seja por meio de contrato individual, seja por negociação coletiva, a fim de garantir a proteção efetiva dos direitos do trabalhador.

2.4.2. Jornada de trabalho superior a 44 horas semanais sem compensação ou pagamento de horas extras

  A jornada de trabalho praticada sob o regime de escala 6x1 não deve ultrapassar o limite de 44 horas semanais, conforme estabelece o artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal. Quando esse limite é excedido sem a devida compensação, por meio de banco de horas ou do pagamento de horas extras com acréscimo de, no mínimo, 50%, nos termos do artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho, configura-se violação aos direitos trabalhistas. A Súmula nº 85 do Tribunal Superior do Trabalho reforça que a compensação da jornada deve ser formalizada por meio de acordo ou convenção coletiva, e a ausência dessa formalização torna devidas as horas excedentes, acrescidas do respectivo adicional legal.

  Para além do impacto financeiro, a extrapolação habitual da jornada pode comprometer significativamente a saúde física e mental do trabalhador, afetando seu tempo de descanso, convívio social e vida familiar. Nesses casos, especialmente quando não há controle adequado da jornada, pode-se configurar o chamado dano moral existencial, decorrente da supressão do tempo destinado à realização de atividades pessoais e sociais essenciais ao bem-estar do trabalhador.

2.4.3. Trabalho em domingos consecutivos, sem alternância

  A alternância no trabalho aos domingos é exigência legal destinada a garantir ao trabalhador o direito ao convívio familiar e social, pilares dos direitos fundamentais sociais. A Lei nº 10.101/2000, em seu artigo 6º, determina que deve ser assegurado ao menos um domingo de folga a cada período máximo de quatro semanas, em conformidade com os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à família, previstos na Constituição Federal. O descumprimento dessa norma configura violação aos direitos fundamentais do trabalhador.

  A jurisprudência tem se mostrado firme ao condenar a ausência de alternância dominical, reconhecendo o direito ao pagamento em dobro pelos domingos trabalhados consecutivamente, sem o devido revezamento, nos termos da legislação trabalhista e da Súmula nº 146 do TST. Em casos reiterados ou de especial gravidade, também pode ser reconhecida a ocorrência de dano moral, dada a privação do descanso e do convívio social. Para Saraiva (2022), impedir o trabalhador de usufruir do descanso dominical de forma alternada constitui afronta direta aos seus direitos sociais e constitucionais, com reflexos na saúde física, mental e na qualidade de vida do empregado.

2.4.4. Concessão de descanso semanal com intervalo inferior a 24 horas ou além do sexto dia consecutivo de trabalho

  O artigo 67 da Consolidação das Leis do Trabalho determina que deve ser concedido ao trabalhador um descanso semanal de, no mínimo, 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos, e após, no máximo, seis dias consecutivos de labor. Quando esse intervalo é reduzido ou o empregado permanece em atividade por mais de seis dias sem a devida folga, configura-se infração grave à legislação trabalhista. Nesses casos, conforme o entendimento consolidado na Súmula nº 146 do Tribunal Superior do Trabalho, é devido o pagamento em dobro do dia trabalhado, independentemente de ter sido pago como hora extra.

  A ausência de descanso adequado compromete diretamente a integridade física e mental do trabalhador, afetando sua saúde, segurança, produtividade e qualidade de vida. Segundo Martins (2023), o descanso regular é condição indispensável para o bom desempenho profissional, sendo sua omissão uma violação à função social do trabalho e aos direitos fundamentais do empregado, consagrados pela Constituição Federal.

2.5. ENTENDIMENTO DO JUDICIÁRIO SOBRE O EXCESSO DE JORNADA E OS DANOS À SAÚDE FÍSICA E PSICOLÓGICA DO TRABALHADOR.

A jornada de trabalho tem se tornado um tema central nas discussões sobre a saúde ocupacional, principalmente quando tratamos de jornadas extenuantes como a 6x1, que tem sido alvo de diversas ações judiciais que buscam reconhecer os danos ocasionados à saúde física e mental dos trabalhadores.

Abaixo, são apresentados alguns exemplos de decisões judiciais que reforçam a importância de se garantir jornadas de trabalho compatíveis com a saúde e o bem-estar do trabalhador.

Em decisão proferida pela Sétima Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, foi reconhecido o dano existencial sofrido por um motorista carreteiro que prestava serviços a uma empresa de transporte de cargas. O trabalhador alegou que cumpria jornadas excessivas, sem intervalos adequados, e que a concessão de folgas só ocorria após longos períodos de atividade ininterrupta, chegando a trabalhar até quatro meses seguidos sem descanso.

Embora a sentença da 2ª Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo tenha inicialmente indeferido o pedido de indenização, o TRT-MG reformou a decisão ao analisar o recurso do trabalhador. O relator do caso, desembargador Vicente de Paula Maciel Júnior, destacou que os relatórios de rastreamento comprovaram a existência de jornadas extenuantes. Em determinados dias, o motorista trabalhou das 8h10 às 23h22; das 5h52 às 22h09; e das 5h53 às 21h49, evidenciando a sobrecarga.

A Turma entendeu que o trabalho em regime de sobrejornada habitual, especialmente com essas características, inviabiliza o usufruto de descanso, lazer e convívio social, comprometendo a dignidade da pessoa humana. O relator ressaltou que, nesses casos, o dano existencial se configura in re ipsa, ou seja, presume-se diante das circunstâncias apresentadas.

A decisão reforça que o dano existencial corresponde a toda lesão que frustra os projetos pessoais do trabalhador, impedindo o exercício de atividades além do trabalho, como convívio familiar, estudos, lazer e autocuidado. Com base nisso, o TRT-MG condenou a empresa ao pagamento de indenização no valor de R$ 5 mil.

A Justiça do Trabalho de Minas Gerais reconheceu o dano existencial sofrido por um auxiliar de viagens submetido a jornadas excessivas, que frequentemente ultrapassavam 24 dias consecutivos de trabalho, sem folgas. A decisão foi proferida pela 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que condenou uma empresa de transporte de passageiros ao pagamento de indenização por danos existenciais no valor de R$ 5 mil no Processo nº 0010660-07.2021.5.03.0132-ROT.

Segundo a relatora, desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro, a ausência de intervalos regulares, a imprevisibilidade da escala e a exigência de dedicação contínua impediram o trabalhador de organizar sua vida pessoal, comprometendo seu convívio familiar, lazer e desenvolvimento pessoal. Tais circunstâncias, conforme a magistrada, configuram um verdadeiro dano existencial, uma vez que a relação de trabalho passou a interferir diretamente no projeto de vida do empregado:

“O dano existencial decorre da prática de ato que frustra a realização pessoal do trabalhador. Inviabiliza assim a realização de projetos pessoais e interfere nas relações familiares e sociais do obreiro.”

Além de manter a condenação, a Turma majorou o valor da indenização, considerando o grau de culpa da empresa, o capital social envolvido e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, reforçando o caráter pedagógico da medida e a função social da empresa.

A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região reconheceu o dano existencial sofrido por uma trabalhadora submetida a jornadas diárias entre 13 e 14 horas, com folgas irregulares. A decisão reformou a sentença de primeiro grau e fixou em R$ 10 mil o valor da indenização, destacando os impactos negativos sobre a saúde física e mental da empregada, bem como sobre sua vida familiar.

O relator, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, enfatizou que a carga horária excessiva extrapolava de forma significativa os limites legais estabelecidos no artigo 59 da CLT, afetando diretamente os projetos de vida da trabalhadora e comprometendo sua dignidade: “Não há como deixar de considerar que a prática afetou diretamente os projetos de vida da autora”, afirmou o desembargador. O magistrado ainda destacou os danos causados à saúde mental e física da trabalhadora pela ausência de intervalos para descanso e alimentação.

Na medida em que a empregada apresentou a identidade da filha de 12 anos, o relator também considerou comprovados prejuízos às relações familiares da trabalhadora. “A extensa jornada impediu o convívio com a filha, nas férias e quando a menina saía da infância e entrava na pré-adolescência. Um momento em que, naturalmente, necessita de cuidados e orientação, conversas, carinho, tudo o que se espera de uma relação saudável entre mãe e filhos”, concluiu o magistrado.

A decisão unânime da 3ª Turma do TST reconheceu o dano existencial sofrido por um eletricitário submetido a jornadas excessivas e condenou a Companhia de Geração e Transmissão de Energia Elétrica do Sul do Brasil a pagar R$ 50 mil de indenização a um eletricitário que trabalhava 12 horas por dia e 72 horas por semana, a rotina imposta impedia o trabalhador de exercer direitos fundamentais como convívio familiar, lazer e repouso. O relator, ministro Alberto Balazeiro, afirmou: “esse tempo reduzido impede o exercício de direitos fundamentais, o que viola o princípio da dignidade humana. Não se trata de mera presunção. O dano está efetivamente configurado” (BRASIL, TST, 2024).

A decisão reforça o entendimento de que o excesso de jornada compromete diretamente a dignidade humana e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, evidenciando os impactos sociais e jurídicos de escalas abusivas como a 6x1.

As decisões analisadas corroboram a tese de que a jornada de trabalho excessiva, especialmente a escala 6x1, pode gerar danos significativos à saúde do trabalhador, não apenas em termos físicos, mas também em relação à sua qualidade de vida, sua saúde mental e o exercício de seus direitos fundamentais. O reconhecimento de danos existenciais, como vimos nas jurisprudências acima, tem se tornado uma medida importante da Justiça do Trabalho para garantir que o trabalhador tenha seus direitos respeitados, tanto no âmbito da saúde quanto no da dignidade humana.

2.6. FISCALIZAÇÃO TRABALHISTA E SANÇÕES PELO DESCUMPRIMENTO DA JORNADA

A fiscalização do cumprimento da jornada de trabalho, incluindo a escala 6x1, é realizada por Auditores-Fiscais do Trabalho vinculados ao Ministério do Trabalho e Emprego, conforme estabelece a Instrução Normativa SIT nº 77/2021. O descumprimento das normas legais configura infração grave, sujeita às sanções previstas no art. 75. da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como às penalidades estabelecidas na Norma Regulamentadora nº 28, aprovada pela Portaria TEM nº 3.214/1978.

O Relatório Anual da Inspeção do Trabalho aponta que, em 2023, foram realizadas mais de 50 mil fiscalizações em empresas de diversos setores econômicos. Dentre essas, cerca de 18 mil resultaram em autuações por infrações às normas relativas à jornada de trabalho, sendo aproximadamente 8.700 diretamente relacionadas ao descumprimento do repouso semanal remunerado.

Setores caracterizados por alta rotatividade e baixa incidência de fiscalização como telemarketing, comércio varejista e empresas terceirizadas, apresentam os maiores índices de descumprimento da escala 6x1. Nesse contexto, a atuação dos auditores fiscais e a judicialização são os principais mecanismos de contenção das irregularidades identificadas.

  Em pesquisa realizada por Lima e Rocha (2022), publicada na Revista de Estudos Trabalhistas, constatou-se que:

   “As causas mais frequentes de judicialização da jornada 6x1 envolvem ausência de descanso aos domingos, controle deficitário de ponto e condutas empresariais que desconsideram os limites legais da jornada semanal.”

De acordo com Martins, a fiscalização exerce papel essencial na garantia dos direitos sociais dos trabalhadores, funcionando como instrumento de repressão e prevenção a condutas abusivas por parte dos empregadores:

   “A atuação do Auditor-Fiscal do Trabalho é medida de controle que visa coibir a precarização das condições laborais, notadamente quanto ao respeito ao tempo de descanso e à preservação da saúde do trabalhador” (MARTINS, 2023, p. 297).

Além da autuação administrativa, o descumprimento reiterado das normas pode ensejar ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho, com base no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, especialmente quando constatadas violações coletivas aos direitos sociais.

2.7. ESTUDOS CIENTÍFICOS E PESQUISAS SOBRE OS EFEITOS DA JORNADA DE TRABALHO PROLONGADA

A associação entre jornadas prolongadas de trabalho e prejuízos à saúde física e mental tem sido objeto de diversas pesquisas científicas e institucionais ao longo das últimas décadas. Atualmente reconhecido por organizações como a Organização Mundial da Saúde e a Organização Internacional do Trabalho como um importante fator de risco ocupacional, com implicações globais em termos de mortalidade, produtividade e bem-estar social.

Um dos estudos mais abrangentes sobre o tema foi publicado em 2021 pela OMS e pela OIT. A pesquisa revelou que, somente em 2016, aproximadamente 745 mil mortes no mundo foram atribuídas a doenças decorrentes de jornadas de trabalho superiores a 55 horas semanais. Dessas, 398 mil foram causadas por acidentes vasculares cerebrais e 347 mil por doenças cardíacas isquêmicas. Ainda segundo o relatório, esse tipo de jornada aumenta o risco de AVC em 35% e de doenças cardíacas em 17%, quando comparado à jornada regular de 35 a 40 horas semanais (OMS; OIT, 2021).

A mesma pesquisa destacou que homens representam 72% das mortes associadas ao excesso de trabalho, com maior concentração de casos entre indivíduos de 60 a 79 anos que tiveram carreiras prolongadas em ambientes de alta carga horária. Globalmente, estima-se que 9% da população ativa esteja exposta a jornadas acima de 55 horas semanais, com destaque para regiões do Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental, onde a regulamentação do trabalho é menos rigorosa (UN Brasil, 2021).

No Brasil, estudos complementares demonstram efeitos semelhantes. De acordo com uma análise publicada pela Faculdade UNIBRA (2023), profissionais submetidos a jornadas extensas, especialmente nos setores da saúde e comércio, apresentam maior incidência de doenças osteomusculares, transtornos psiquiátricos leves e uso contínuo de medicamentos para dormir e antidepressivos. O levantamento incluiu dados clínicos e entrevistas com trabalhadores que, em sua maioria, relataram queda no desempenho cognitivo, irritabilidade, e maior número de acidentes laborais.

Além dos efeitos cardiovasculares e musculoesqueléticos, as consequências psicológicas das longas jornadas são amplamente documentadas. Um levantamento nacional citado pela Revista CIPA (2023) com mais de 3.000 trabalhadores revelou que 60% relatavam sinais de esgotamento mental, como ansiedade, insônia e desmotivação. A pesquisa ainda apontou que 48% afirmaram não ter tempo suficiente para manter uma alimentação adequada e 54% negligenciavam o autocuidado, fatores que, associados ao estresse contínuo, contribuem para o desenvolvimento de quadros depressivos e da síndrome de burnout.

A National Geographic Brasil (2024) também abordou o tema em uma análise que compilou dados científicos sobre os impactos fisiológicos do excesso de trabalho. Entre os efeitos destacados estão: aumento crônico dos níveis de cortisol, hormônio do estresse, distúrbios no sono profundo, alterações metabólicas como resistência à insulina e ganho de peso, além de evidências de envelhecimento celular acelerado observado pelo encurtamento dos telômeros, conforme estudos de universidades nos Estados Unidos e Japão. A publicação reforça que essas alterações não são episódicas, mas acumulativas ao longo dos anos.

Outro aspecto pela BBC Brasil (2021) refere-se à intensificação do trabalho remoto após a pandemia de COVID-19. Com o teletrabalho, as fronteiras entre tempo de descanso e tempo laboral tornaram-se ainda mais indefinidas, promovendo o que a OMS chamou de “epidemia invisível” de sobrecarga. A falta de limites claros contribui para jornadas prolongadas, principalmente entre profissionais autônomos, freelancers e gestores de empresas, que frequentemente ultrapassam 10 a 12 horas diárias.

Esses dados reforçam a tese de que a jornada de trabalho prolongada, além de não aumentar proporcionalmente a produtividade, tem custos elevados para os sistemas de saúde, previdência e segurança social. Como apontam as diretrizes da OMS e da OIT, a implementação de políticas públicas que estabeleçam limites legais rigorosos e promovam uma cultura de equilíbrio entre vida e trabalho é fundamental para a mitigação desses efeitos.

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Sobre as autoras
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Bruna Mendes Luz ; MARTINS, Camila Débora Pinto Moura. A escala 6x1 e os impactos na saúde do trabalhador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8009, 5 jun. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114272. Acesso em: 12 jun. 2025.

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