Resumo: O estudo investiga a relevância da revisão da capacidade de pagamento presumida como um mecanismo de viabilização da transação tributária individual no âmbito federal, em conformidade com a Lei nº 13.988/2020 e a Portaria PGFN nº 6.757/2022. O objetivo central é analisar criticamente a forma como a capacidade contributiva é aferida pela administração tributária e propor melhorias que garantam maior justiça fiscal, eficiência arrecadatória e aderência à realidade econômica dos contribuintes. A pesquisa adota uma metodologia qualitativa, com base em revisão bibliográfica de fontes acadêmicas, doutrinárias e normativas, priorizando a análise crítica de conceitos como capacidade contributiva, presunção fiscal, e justiça tributária. Os resultados evidenciam que a atual metodologia baseada em presunções automatizadas e padronizadas compromete o contraditório efetivo, a ampla defesa e a eficácia das transações, especialmente em contextos de crise econômica. A conclusão aponta que a revisão da capacidade presumida deve ser estruturada com critérios técnicos claros, instrumentos dialógicos e mecanismos de revisão mais transparentes e acessíveis, a fim de que o instituto da transação tributária cumpra sua finalidade de promover soluções consensuais eficazes, sustentáveis e justas entre Fisco e contribuinte.
Palavras-chave: Transação Tributária; Capacidade De Pagamento Presumida; Administração Tributária Federal.
Resumo: 1. Introdução. 2. Fundamentação legal da capacidade de pagamento presumida na transação tributária federal. 2.1. Origem normativa da transação tributária e os parâmetros da Lei nº 13.988/2020. 2.2. Capacidade de pagamento presumida na Portaria PGFN nº 6.757/2022. 3. Aspectos jurídicos e críticos da presunção de capacidade de pagamento. 3.1. Insegurança jurídica e ausência de contraditório efetivo. 3.2. Consequências práticas da rigidez na presunção para a efetividade da transação individual. 4. A revisão da capacidade presumida como mecanismo de justiça fiscal. 4.1. Conceito, características e aplicações práticas da capacidade contributiva. 4.2. O procedimento de revisão da capacidade de pagamento presumida. 4.3. Proposta estipulação de critério base para a revisão da capacidade de pagamento. 5. Conclusões. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A utilização da transação tributária como instrumento de solução consensual de conflitos entre Fisco e contribuinte representa um marco na transformação do direito tributário brasileiro. A publicação da Lei nº 13.988/2020 viabilizou juridicamente a celebração de acordos com a administração tributária, permitindo maior flexibilização na cobrança de créditos públicos e fomentando uma nova cultura jurídica baseada no diálogo, na eficiência e na proporcionalidade (BRASIL, 2020; De Brito Machado, 2003). No cerne dessa inovação encontra-se a figura da capacidade de pagamento presumida, que opera como critério objetivo para classificação dos contribuintes e definição das condições de negociação. No entanto, a automatização e a rigidez do modelo atual têm suscitado questionamentos relevantes sobre sua compatibilidade com os princípios constitucionais da justiça fiscal e da razoabilidade administrativa (Andraschko, 2023; Caliendo, 2021).
Nesse contexto, a principal questão-problema que norteia este estudo é: em que medida a revisão da capacidade de pagamento presumida, nos termos da Portaria PGFN nº 6.757/2022, pode viabilizar uma transação tributária individual mais equitativa, eficaz e alinhada à realidade financeira dos contribuintes? Tal questionamento adquire relevância prática e teórica diante das críticas formuladas à metodologia presuntiva, cuja falta de transparência e padronização inflexível têm levado à recusa de propostas viáveis e ao agravamento da litigiosidade fiscal (Freire, 2023; De Souza, 2021). Ao considerar dados automatizados como verdades absolutas, a administração corre o risco de comprometer a essência dialógica da autocomposição fiscal, desvirtuando os objetivos centrais da política pública instituída pela Lei nº 13.988/2020.
A relevância deste estudo justifica-se pela necessidade de aprimorar os mecanismos de aferição da efetiva capacidade contributiva no âmbito da transação tributária, especialmente considerando os impactos diretos sobre a utilização das modalidades individual e por adesão. A revisão da capacidade presumida se apresenta como uma alternativa normativa e procedimental capaz de garantir maior aderência à realidade econômico-financeira do contribuinte, promovendo não apenas a justiça fiscal, mas também a sustentabilidade da arrecadação pública (Ribeiro, 2022; PGFN, 2023).
No entanto, mesmo o procedimento de revisão previsto na Portaria PGFN nº 6.757/2022 possui lacunas a serem observadas para a definição da capacidade de pagamento efetiva do contribuinte, como a não identificação dos critérios alvo da análise pelos órgãos administrativos com poder decisório sobre o tema. Em tempos de elevada inadimplência e sobrecarga do Poder Judiciário, torna-se imperativo consolidar soluções extrajudiciais eficazes que respeitem o devido processo legal e favoreçam a cultura da conformidade tributária (Insper, 2021).
Além disso, a análise da revisão da capacidade de pagamento presumida tem importância estratégica para a viabilização da transação tributária individual em contextos de crise econômica, falência empresarial ou recuperação judicial. A ausência de mecanismos eficazes de reavaliação pode perpetuar um ciclo de exclusão fiscal e inviabilidade econômica, desvirtuando o propósito da legislação vigente (Silva, 2022; Júnior, 2023). Assim, investigar os critérios, os procedimentos e os desafios associados à revisão da presunção torna-se crucial para assegurar que o instrumento da transação não seja apenas formalmente acessível, mas concretamente útil à superação de conflitos e ao fortalecimento das relações entre Fisco e contribuinte.
Nesse ponto, A metodologia adotada para o desenvolvimento deste estudo fundamenta-se em uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa, escolhida com o objetivo de promover uma análise crítica e aprofundada das construções teóricas e normativas relacionadas à transação tributária individual, com ênfase na racionalidade da avaliação da capacidade contributiva presumida do sujeito passivo. A investigação foi conduzida majoritariamente em bases acadêmicas reconhecidas, como a SciELO e o Google Acadêmico, a fim de assegurar rigor científico e atualidade das informações, sendo que a abordagem qualitativa se mostrou especialmente adequada para captar nuances interpretativas e jurídicas que métodos quantitativos não alcançam, sobretudo em temáticas normativas como a relação entre fisco e contribuinte prevista na Lei nº 13.988/2020 e regulamentada pela Portaria PGFN nº 6.757/2022. No processo de seleção do material bibliográfico, foram utilizados três descritores centrais "transação tributária", "capacidade de pagamento presumida" e "administração tributária federal" os quais permitiram delimitar com precisão o escopo da pesquisa e localizar estudos relevantes sobre resolução alternativa de conflitos tributários, prognósticos de capacidade financeira e modelos de justiça fiscal, formando um sólido referencial teórico que contempla desde obras clássicas sobre predição de insolvência até estudos contemporâneos que discutem os riscos da modelagem financeira presuntiva na gestão da dívida ativa.
Os critérios de inclusão adotados buscaram garantir a pertinência e atualidade das fontes, incluindo legislações, relatórios técnicos, artigos avaliados por pares e obras doutrinárias consolidadas no campo do direito tributário e da economia aplicada ao setor público, bem como produções acadêmicas críticas ao modelo de presunção da capacidade de pagamento, com foco nos riscos de assimetria informacional, subprecificação de ativos e comprometimento da eficácia da transação como instrumento de justiça fiscal. Em contrapartida, foram excluídos materiais que não guardavam relação direta com o objeto da investigação, como textos opinativos sem fundamentação sólida, trabalhos que tratassem exclusivamente de transações tributárias estaduais ou municipais e estudos limitados à abordagem contábil ou financeira sem articulação com o contexto normativo da PGFN.
O objetivo geral do estudo consiste em analisar a relevância da revisão da capacidade de pagamento presumida como instrumento para viabilizar a transação tributária individual em âmbito federal, à luz da legislação vigente, com vistas ao aprimoramento de sua eficácia e equidade. Entre os objetivos específicos, destacam-se a investigação da estrutura normativa da transação tributária e dos critérios utilizados pela PGFN para aferição da capacidade contributiva, a análise crítica da compatibilidade do procedimento de revisão com os princípios do contraditório, da ampla defesa e da justiça fiscal, bem como a identificação dos desafios enfrentados pelos contribuintes na contestação da presunção administrativa e a proposição de soluções normativas e procedimentais que ampliem o acesso e a efetividade da transação individual.
A estrutura do trabalho foi planejada a partir de uma revisão bibliográfica criteriosa, organizada de forma lógica e progressiva, iniciando-se com a fundamentação legal da capacidade de pagamento presumida, com destaque para a Lei nº 13.988/2020 e a Portaria PGFN nº 6.757/2022, prosseguindo com a análise crítica dos aspectos jurídicos dessa presunção e seus impactos na eficácia da transação individual e finalizando com a discussão sobre a revisão da capacidade presumida como mecanismo de justiça fiscal, apresentando uma proposta normativa para maior racionalidade, equidade e segurança jurídica no processo de revisão, reafirmando a importância do tema para o aperfeiçoamento do modelo federal de transação tributária individual.
2. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL DA CAPACIDADE DE PAGAMENTO PRESUMIDA NA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL
2.1. ORIGEM NORMATIVA DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA E OS PARÂMETROS DA LEI Nº 13.988/2020
A transação tributária, enquanto instituto jurídico de resolução consensual de litígios fiscais, encontra raízes normativas antigas no ordenamento brasileiro, embora sua consolidação como mecanismo efetivo tenha se dado apenas com a promulgação da Lei nº 13.988/2020 (Brasil, 2020). Historicamente, o Brasil adotou uma postura rígida e contenciosa na cobrança de créditos tributários, marcada por uma tradição legalista herdada de modelos europeus, especialmente o francês, no qual o princípio da legalidade estrita impunha severas limitações à negociação de dívidas fiscais (Carrazza, 1991). A tentativa de romper com esse paradigma começou a ganhar corpo com a gradual valorização dos meios alternativos de solução de conflitos, em especial após a edição do Código de Processo Civil de 2015, impulsionada por uma crescente sobrecarga do Poder Judiciário e pela ineficácia da cobrança da dívida ativa (Freire, 2023).
Nesse contexto, a Lei nº 13.988/2020 surgiu como uma inovação substancial ao permitir, com respaldo legal, a celebração de acordos entre a administração tributária e os contribuintes, representando um marco de inflexão na cultura jurídica fiscal brasileira.
A supracitada norma consagrou, de maneira inédita no âmbito federal, a figura da transação tributária como instrumento de autocomposição entre as partes, estabelecendo parâmetros jurídicos precisos para sua celebração (Brasil, 2020). Dentre os seus dispositivos, destaca-se a previsão de três modalidades distintas de transação: por adesão, individual e no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica (Silva, 2022). Essa estrutura permite que a Fazenda Nacional adote critérios objetivos e subjetivos para definir os termos dos acordos, levando em consideração a capacidade de pagamento dos contribuintes, o grau de recuperabilidade dos créditos e o interesse público na arrecadação (PgfN, 2023). Trata-se, portanto, de uma sistemática que conjuga flexibilidade procedimental com segurança jurídica, permitindo que o Estado recupere receitas de maneira mais eficiente e que o contribuinte regularize sua situação fiscal com condições mais realistas e aderentes à sua realidade econômica (Torres, 2004).
A racionalidade da transação tributária repousa sobre três princípios estruturantes: o interesse público, a finalidade arrecadatória e o estímulo à conformidade fiscal (Coelho, 2000). O interesse público, nesse contexto, se desdobra na ideia de eficiência administrativa e na busca pela pacificação social, promovendo uma solução célere e adequada dos conflitos fiscais (De Faria, 2007). A finalidade arrecadatória, por sua vez, não se confunde com um objetivo meramente fiscalista, mas envolve a recuperação de créditos que, em sua grande maioria, são considerados irrecuperáveis ou de difícil exigibilidade, conforme demonstrado por levantamentos da PgfN, que estimam que mais de 65% do estoque da dívida ativa é de baixa liquidez (PgfN, 2023). Já o estímulo à regularização fiscal consiste em oferecer ao contribuinte inadimplente incentivos para se readequar ao sistema tributário, fomentando uma cultura de adimplemento voluntário (Dacomo, 2008).
A Lei nº 13.988/2020 representa, sob a ótica constitucional e infraconstitucional, um avanço na valorização do diálogo entre Fisco e contribuinte, mitigando a rigidez típica das relações tributárias (Machado et al., 2023). Tal legislação incorpora a lógica da consensualidade administrativa, reforçando a função instrumental do direito tributário como mecanismo de regulação econômica e social, e não apenas como técnica de extração de receitas (Caliendo, 2021). Ademais, ao possibilitar concessões mútuas sem configurar renúncia de direitos indisponíveis, como estabelece a própria lei, a transação introduz um modelo mais colaborativo e menos conflituoso na resolução de impasses fiscais, o que se coaduna com os princípios constitucionais da eficiência e da razoabilidade na administração pública (Ribeiro, 2022). Trata-se, portanto, de uma alteração paradigmática na falha cultura da litigiosidade fiscal.
No plano prático, os efeitos da transação tributária têm se mostrado promissores. Dados divulgados pelo Observatório das Transações Tributárias do Insper (Insper, 2021) apontam que, entre 2020 e 2021, foram celebradas mais de 280 mil transações, resultando em uma recuperação de mais de R$ 60 bilhões em créditos tributários, demonstrando a efetividade do instituto na recomposição das finanças públicas (Júnior, 2023). Esses resultados, no entanto, não devem ser interpretados de forma meramente quantitativa. A adoção da transação implica também em ganhos qualitativos, como a desjudicialização de milhares de processos fiscais, a redução de custos administrativos com a cobrança e o incremento da confiança mútua entre Fisco e contribuinte (Andraschko, 2023). Em um cenário no qual mais de 80% das execuções fiscais têm baixa probabilidade de sucesso, a transação emerge como resposta racional e estratégica para a ineficiência estrutural do modelo tradicional de cobrança (Brasil, 2022).
Não obstante os avanços observados, a implementação da transação tributária enfrenta desafios consideráveis, especialmente no que tange à metodologia de cálculo da capacidade de pagamento dos contribuintes e à transparência dos critérios utilizados pela administração pública (Souza, 2021). A Portaria PGFN nº 6.757/2022 (Brasil, 2022) estabeleceu diretrizes para operacionalizar esses elementos, mas tem sido alvo de críticas por parte de especialistas e operadores do direito, que apontam a necessidade de maior clareza e padronização na análise dos parâmetros econômico-financeiros (Andraschko, 2023). Além disso, a ausência de um canal institucional de diálogo permanente entre Fisco e contribuintes pode comprometer a eficácia do mecanismo, sobretudo em casos de controvérsias técnicas de elevada complexidade jurídica (Freire, 2023). Nesse cenário, torna-se imperativo avançar na construção de uma governança pública tributária mais participativa e responsiva.
Do ponto de vista dogmático, a transação tributária possui natureza jurídica contratual sui generis, fundada em prerrogativas públicas e limites constitucionais (Caliendo, 2021). Ela não se confunde com o perdão fiscal nem configura renúncia arbitrária de receita, pois se dá dentro de balizas previamente estabelecidas em lei, com exigência de fundamentação, publicidade e análise de conveniência administrativa (Silva, 2022). Assim, a transação não afronta o princípio da indisponibilidade do interesse público, mas o concretiza de maneira mais eficiente e racional, em consonância com o novo perfil da administração tributária contemporânea, que busca ser menos punitiva e mais resolutiva (Machado et al., 2023). Esse reposicionamento da atuação estatal no campo tributário reforça o papel da administração como mediadora de interesses e não apenas como ente arrecadador (De Faria, 2007).
No plano teórico, observa-se uma transformação epistemológica na forma como o direito tributário é compreendido e praticado. O paradigma tradicional, baseado no confronto entre Estado e contribuinte, cede espaço a um modelo mais amplo de resolução de litígios, no qual a transação ocupa posição de destaque ao lado de outros mecanismos, como a mediação e a arbitragem (Machado et al., 2023). Essa mudança está alinhada a uma perspectiva participativa do direito tributário, que reconhece a complexidade das relações fiscais e a necessidade de soluções mais dialógicas, sustentadas por critérios técnicos, econômicos e jurídicos (Dacomo, 2008). Com isso, reforça-se a função extrafiscal do sistema tributário, ao mesmo tempo em que se promove a estabilidade institucional e o desenvolvimento econômico sustentável (Coelho, 2000).
2.2. CAPACIDADE DE PAGAMENTO PRESUMIDA NA PORTARIA PGFN Nº 6.757/2022
A Portaria PGFN nº 6.757/2022 introduz a concepção da capacidade de pagamento como elemento central para a avaliação do perfil econômico-financeiro dos contribuintes que pretendem apresentar proposta de transação tributária. Esse artifício jurídico-econômico, embora de natureza presuntiva e fundada em critérios objetivos, opera como um mecanismo de classificação dos devedores da União segundo sua aptidão estimada para adimplir com suas obrigações fiscais em condições específicas de negociação. Trata-se, portanto, de uma ferramenta que visa garantir proporcionalidade, efetividade e racionalidade na concessão de benefícios e condições de pagamento (Brasil, 2022), sendo embasada na lógica de justiça distributiva que busca equilibrar a cobrança fiscal com a real condição econômica do contribuinte (Torres, 2004). Ao atuar como instrumento de escalonamento, a capacidade presumida também se revela decisiva na definição de prazos, descontos e garantias exigidas nos acordos firmados com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) (Carrazza, 1991). Ou seja, qual menor for a capacidade de pagamento do contribuinte, mais reduzidas serão as perspectivas de recuperabilidade do crédito tributário pelas vias ordinárias e, portanto, maior será o raio de concessões para viabilização de eventual acordo.
Nessa sistemática, a PGFN passou a utilizar um modelo parametrizado que incorpora dados públicos e privados para construir a referida estimativa de capacidade (capacidade de pagamento presumida), valendo-se de informações relativas a patrimônio declarado, movimentações econômicas, histórico de cumprimento fiscal, porte econômico e outros indicadores estatísticos previamente validados (Brasil, 2022). O modelo, embora automatizado, é regido por parâmetros previamente fixados na própria Portaria, os quais buscam respeitar os princípios da impessoalidade e da isonomia administrativa (De Faria, 2007). A aferição da capacidade de pagamento presumida objetiva estabelecer um critério técnico e homogêneo, de modo a mitigar decisões discricionárias e ampliar a previsibilidade dos procedimentos de transação (Coelho, 2000). Ademais, sua institucionalização contribui para o fortalecimento de políticas públicas tributárias fundamentadas em evidências empíricas, aproximando o Estado de práticas modernas de governança fiscal (Insper, 2021).
Todavia, a utilização de presunções como fundamento decisório encontra limites no próprio ordenamento jurídico, especialmente quando confrontada com a realidade fática dos contribuintes que, muitas vezes, diverge significativamente do modelo padrão adotado (Dacomo, 2008). Há críticas severas à metodologia utilizada, sobretudo pela rigidez com que os dados são processados e pela ausência de mecanismos mais transparentes de revisão e impugnação (Andraschko, 2023). O modelo pode não refletir com precisão a situação de empresas que sofreram oscilações abruptas de receita ou que operam em setores altamente voláteis, fazendo com que o cálculo presumido gere distorções substanciais nos acordos celebrados com a Fazenda Nacional (Freire, 2023). Essa dissonância revela a necessidade de aprimoramento da modelagem estatística e da flexibilização dos instrumentos de correção da capacidade atribuída (Machado; Catarino; Sobral, 2023).
O núcleo da controvérsia repousa sobre o conflito entre eficiência administrativa e efetividade material da cobrança tributária. A racionalização dos processos de negociação por meio de inteligência artificial e algoritmos econométricos, ainda que avance na modernização da atuação da PGFN, não deve obstar o direito fundamental à ampla defesa e ao contraditório (Caliendo, 2021). A presunção, nesse contexto, não pode ser erigida como verdade absoluta, devendo sempre admitir contestação justificada por parte do contribuinte, que pode, inclusive, apresentar provas e documentos para recalibrar sua capacidade junto à Administração (Brasil, 2020). Tal prerrogativa, expressamente prevista no art. 30 da Portaria PGFN nº 6.757/2022, reforça a natureza dialógica da transação tributária e resguarda a lógica de bilateralidade das concessões (Ribeiro, 2022).
Outro aspecto sensível refere-se à ausência de publicidade dos algoritmos utilizados na aferição da capacidade presumida, o que impõe um ônus de opacidade sobre o processo decisório. Trata-se de um entrave que fere diretamente os princípios constitucionais da legalidade e da transparência administrativa, comprometendo a legitimidade da prática (De Brito Machado, 2003). A falta de detalhamento público dos critérios objetivos utilizados impede a auditoria cívica e o controle social dos métodos empregados pela PGFN, gerando desconfiança nos contribuintes e nos operadores do direito quanto à equidade e tecnicidade das avaliações (Silva, 2022), o que se estende, inclusive, ao próprio procedimento de revisão. Em um cenário de Estado Democrático de Direito, a adoção de sistemas automatizados exige regulamentação clara e o direito ao conhecimento das fórmulas matemáticas e dos pesos atribuídos a cada variável (Júnior, 2023).
É preciso destacar, ainda, que a classificação oriunda da capacidade de pagamento presumida impacta diretamente a adesão e o sucesso das modalidades de transação existentes, especialmente as de adesão individual e por adesão simplificada. Contribuintes erroneamente classificados como de alta capacidade podem receber propostas incompatíveis com sua liquidez, culminando em inadimplementos futuros ou desistências de negociação (De Souza, 2021). Tal situação compromete os objetivos centrais da Lei nº 13.988/2020, que visa à redução do contencioso tributário e à promoção da recuperação econômica dos devedores (Brasil, 2020). Estudos do Insper (2021) apontam que, nas transações realizadas em 2020 e 2021, uma parcela significativa dos contribuintes alegou incompatibilidade entre as condições ofertadas e sua realidade financeira efetiva, revelando limitações práticas do modelo presuntivo em sua configuração atual (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, 2023).
No plano teórico, a adoção da presunção objetiva de capacidade de pagamento representa uma inflexão no paradigma tradicional do contencioso tributário, aproximando a administração fiscal brasileira de experiências internacionais que privilegiam a consensualidade e a resolução extrajudicial dos conflitos (Machado; Catarino; Sobral, 2023). Ainda assim, o transplante dessas práticas demanda adaptação ao contexto institucional, econômico e jurídico do país, sob pena de gerar distorções e inequidades. A heterogeneidade do tecido empresarial brasileiro, que inclui desde microempreendedores individuais até conglomerados transnacionais, exige um modelo de avaliação mais sensível às particularidades setoriais e territoriais (Torres, 2004). A rigidez da presunção atual ignora essas nuances, colocando em xeque a eficácia das políticas de regularização fiscal como instrumento de justiça tributária (Coelho, 2000).
Há também um debate crescente sobre a necessidade de democratizar o processo de construção da capacidade de pagamento presumida, por meio da inclusão de representantes da sociedade civil, da academia e de especialistas em finanças públicas na formulação dos modelos estatísticos utilizados (Insper, 2021). Esse processo colaborativo poderia conferir maior legitimidade às decisões administrativas, reforçar a cultura de accountability e promover um avanço na institucionalização de práticas fiscais mais justas e eficazes (Caliendo, 2021). Além disso, permitiria a inserção de variáveis econômicas não convencionais, como riscos setoriais, sazonalidade de receitas e ciclos de crédito, que são atualmente subestimados ou ignorados nos modelos presuntivos existentes (Freire, 2023). Tal iniciativa ampliaria o escopo interpretativo da PGFN e evitaria decisões injustas baseadas em retratos estáticos da realidade financeira dos contribuintes (Andraschko, 2023).