3 – CONCLUSÃO
No decorrer deste trabalho desenvolveu-se uma análise crítica das principais inovações promovidas pela Lei 11.705/08 e pelo Decreto 6488/08 no Código de Trânsito Brasileiro, especialmente quanto à questão da embriaguez e suas repercussões nas searas administrativa e penal.
Após um detido estudo em que foram cogitados diversos problemas, questionamentos e respectivas propostas de soluções, podem ser enunciadas as seguintes conclusões de forma articulada:
1-A Lei 11.705/08, em conjunto com o Decreto 6488/08, promoveu importantes alterações nas partes penal e administrativa do Código de Trânsito Brasileiro, principalmente no que diz respeito ao tratamento da embriaguez ao volante, penalidade acessória de suspensão do direito de dirigir e aplicação da Lei 9099/95.
2-Para fins administrativos é considerada falta gravíssima o simples fato de conduzir automotor em via pública sob efeito de álcool, em qualquer concentração no sangue ou sob a influência de outras substâncias psicoativas que causem dependência, também em qualquer concentração.
3-No que diz respeito aos binômios álcool e direção/ substâncias psicoativas e direção o CTB adotou um critério de "tolerância zero" no âmbito administrativo.
4-O prazo da penalidade de suspensão do direito de dirigir por infração ao artigo 165, CTB, é agora fixado em 12 meses, sem possibilidade de balizas mínima e máxima de individualização.
5-Com relação à penalidade administrativa fixa supra mencionada, certamente haverá alegação, não sem fundamento, de violação dos princípios da proporcionalidade e da individualização.
6-O recolhimento da CNH previsto por infração ao artigo 165, CTB, não deve ser confundido com a apreensão do documento por força da imposição de penalidade de suspensão do direito de dirigir. Esta só pode ser imposta após o devido processo legal administrativo, informado pela ampla defesa e pelo contraditório. O recolhimento consiste em mera medida cautelar e provisória que deve durar tão somente até o primeiro momento em que o condutor volte a apresentar condições de conduzir automotores.
7-Dentro dos estreitos limites da cautelaridade, provisoriedade e razoabilidade acima expostos, o recolhimento da habilitação previsto como medida administrativa no artigo 165, CTB, não é inconstitucional.
8-A Lei 11.705/08 não alterou a redação do "caput" do artigo 277, CTB, permanecendo válidos os testes e exames para aferição de alcoolemia, embriaguez etílica ou efeito de outras substâncias psicoativas ali previstos.
9-Para fins administrativos a comprovação da infração ao artigo 165, CTB, pode operar-se por diversas vias, não se atrelando exclusivamente na modalidade da prova pericial ou mesmo o teste do etilômetro.
10-O disposto no § 2º do artigo 277, CTB, tem aplicação exclusiva no campo administrativo, não se aplicando à seara criminal, por expressa disposição ali contida.
11-A interpretação e aplicação do § 3º do artigo 277, CTB, sob o ponto de vista de que o condutor é obrigado aos testes e exames, sob pena de submeter-se às sanções do artigo 165,CTB, diretamente por via de uma suposta presunção de culpa, é absolutamente inviável perante a ordem constitucional vigente por violação ao Direito a não auto – incriminação e ao Princípio da Não - Culpabilidade. A única interpretação e aplicação viável do referido dispositivo legal é aquela que considera que acaso o suposto infrator não colabore nos testes e exames, sujeitar-se-á à apuração do Agente de Trânsito por meio de todas as provas licitamente admitidas, mas somente sofrendo qualquer sanção após o devido processo legal administrativo sob o crivo da ampla defesa e do contraditório.
12-A Lei 11.705/08 alterou os critérios de aplicação da Lei 9099/95 a certos crimes de trânsito. Para aqueles crimes cuja pena máxima não ultrapassa dois anos, inclusive a lesão culposa do trânsito e o crime de "racha" (respectivamente artigos 303, "caput" e 308, CTB), nada se alterou, pois que o "caput" do artigo 291, CTB, não sofreu mudanças. Para esses crimes continua válida a aplicação total da Lei 9099/95. No entanto, a alteração promovida no antigo Parágrafo Único do dispositivo sob comento que hoje foi cindido em dois parágrafos, afastou a possibilidade de aplicação parcial da Lei 9099/95 ao crime de embriaguez ao volante (art. 306, CTB). Por seu turno, continuou sendo possível a aplicação parcial da Lei 9099/95 aos crimes de lesões culposas do trânsito com aumento de pena (art. 303, Parágrafo Único, CTB).
13-Não obstante o exposto no item anterior, a nova lei excepciona três casos dispostos no artigo 291, § 1º, I, II e III, CTB, nos quais, nem mesmo nos casos de lesões culposas com aumento de pena será possível a aplicação, sequer parcial da Lei 9099/95.
14- Aos crimes de embriaguez ao volante (art. 306, CTB) e de lesões culposas do trânsito com aumento de pena, nos casos impeditivos legalmente previstos (art. 303, Parágrafo Único c/c 291, § 1º, I, II ou III, CTB), está vedada a aplicação de qualquer instituto ligado às infrações de menor potencial ofensivo. Aos autores desses crimes, porém, pode ser aplicado o instituto da suspensão condicional do processo, previsto no artigo 89 da Lei 9099/95, o qual não é exclusivo para infrações de menor potencial.
15-Nos casos de extensão dos institutos dos artigos 74, 76 e 88 da Lei 9099/95 aos crimes de lesões culposas no trânsito com aumento de pena, somente estes institutos específicos serão aplicados na fase judicial e não a Lei 9099/95 como um todo, sendo portanto possível a Prisão em Flagrante e apuração dos fatos em sede de Inquérito Policial, sem substituição por Termo Circunstanciado. Atualmente o § 2º do artigo 291, CTB, é expresso neste sentido.
16-Em havendo qualquer uma das circunstâncias impeditivas dos três incisos do § 1º, do artigo 291, CTB, o crime de lesão culposa no trânsito com aumento de pena passa a ser de ação penal pública indondicionada.
17-Os incisos impeditivos do dispositivo supra mencionado e a norma de extensão do mesmo comando legal referem-se somente às lesões corporais culposas com aumento de pena (art. 303, Parágrafo Único, CTB). Não abrangem as lesões culposas simples (art. 303, CTB), as quais são naturalmente infrações de menor potencial, sujeitando-se à disciplina total da Lei 9099/95.
18-A alteração promovida no artigo 296, CTB, pela Lei 11.705/08, fez com que a aplicação da pena acessória de suspensão do direito de dirigir para os reincidentes em crimes de trânsito se convertesse de faculdade judicial em dever do julgador.
19-A reincidência que enseja a pena acessória supra mencionada é a específica em crimes de trânsito (artigos 302 a 312, CTB).
20-O novo artigo 306, CTB (embriaguez ao volante) não mais exige perigo concreto para sua configuração. Trata-se doravante de delito de perigo abstrato.
21-A Lei 11.705/08 mudou o critério para configuração de infração ao artigo 306, CTB, no que tange à ebriedade etílica. Antes a lei apenas descrevia a conduta de dirigir sob "influência de álcool", sem estabelecer uma taxa específica de alcoolemia. Agora a nova redação utiliza o critério de uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,6 g/l.
22-A opção do legislador exposta no item anterior é prenhe de dificuldades para a aplicação do novo dispositivo e inclusive para a execução de prisões em flagrante. Isso porque passa a ser imprescindível a comprovação de determinada taxa de alcoolemia, a qual não pode ser aferida por simples exame clínico como outrora. A obtenção da prova necessária para os respectivos procedimentos fica na dependência da colaboração espontânea do próprio implicado, o qual não pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo, sob pena de violação de princípios constitucionais anteriormente mencionados.
23-Os critérios penal e administrativo para configuração da embriaguez ao volante (artigos 165 e 306, CTB) são diversos. Administrativamente foi adotada a "tolerância zero", mas criminalmente só se configura o tipo penal com uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,6 g/l.
24-Se o condutor suspeito não aceitar fazer a coleta para exame de sangue ou submeter-se ao etilômetro não será possível a Prisão em Flagrante e nem a comprovação da materialidade delitiva. Mesmo que o suspeito se sujeite à coleta de sangue, não havendo teste de etilômetro, a Prisão em Flagrante segue sendo impossível, eis que o resultado somente é obtido imediatamente através do aparelho de ar alveolar pulmonar. Os resultados de exames toxicológicos de sangue são demorados e, portanto, não servem para embasar a Prisão em Flagrante.
25-O legislador, conforme se vê, foi extremamente infeliz ao substituir a velha fórmula da "influência de álcool" pelo novo critério de uma determinada taxa de alcoolemia.
26-Quando for realizado o teste do etilômetro, recomenda-se a juntada do resultado impresso pelo aparelho aos autos e a elaboração de uma prova inominada que seria uma espécie de "Auto de Constatação", onde a Autoridade Policial narraria todo o teor e os resultados das diligências. Esse "Auto de Constatação" assumirá ainda maior relevância quando se tratarem de etilômetros que não disponibilizam a impressão dos resultados dos testes.
27-O teste por etilômetro não constitui prova pericial e deve ser incluído nos autos do procedimento respectivo na forma de prova documental, através do resultado impresso e do "Auto de Constatação" sobredito.
28-Não sendo prova pericial, o teste do etilômetro dispensa a presença de peritos, pois que não exige para sua realização a detenção de conhecimentos especiais técnicos, científicos, práticos ou artísticos.
29-O fato de não ser prova pericial não inibe a conclusão de que o teste do etilômetro é suficiente para comprovar a materialidade do crime sob comento. Ocorre que o avanço tecnológico possibilita atualmente a aferição de taxas de alcoolemia por leigos, mediante um breve treinamento no manuseio da aparelhagem adequada, que supre a necessidade da presença de um homem detentor de conhecimentos técnicos e científicos, bem como de procedimentos laboratoriais específicos. O aparelho simplesmente oferta o resultado final que é apenas lido e comparado aos níveis legal e regulamentarmente fixados.
30-No que se refere às causas de aumento de pena para o homicídio e a lesão culposa no trânsito em virtude de embriaguez do condutor o legislador revogou (art. 9º., da Lei 11.705/08) o Parágrafo Único, inciso V, do artigo 302, CTB outrora também aplicável ao artigo 303 do mesmo diploma.
31-Nos casos de ebriedade em homicídios ou lesões culposas no trânsito, o crime de embriaguez ao volante segue sendo absorvido, enquanto elemento conformador da imprudência.
32-Para a direção sob a influência de outras substâncias psicoativas que causem dependência o legislador não mudou o critério, mediante a determinação de uma concentração no sangue. Nestes casos segue válido o procedimento anterior, inclusive o exame clínico como suficiente para a Prisão em Flagrante e a prova da infração.
33- As outras substâncias psicoativas de que fala a lei abrangem tanto as chamadas drogas ilícitas como as lícitas, ou seja, qualquer substância que cause dependência e provoque alterações sensíveis e relevantes no psiquismo das pessoas, prejudicando sua capacidade de dirigir automotores com segurança no tráfego viário.
34-Mesmo quando a Autoridade Policial não tiver condições de prender em flagrante aquele que lhe é apresentado sob forte suspeita de haver conduzido automotor sob influência de álcool, estará autorizada pela lei (art. 165 c/c 276, CTB) a proceder à retenção do veículo e ao recolhimento da CNH. Trata-se de medida administrativa legal, pois que nesse âmbito a direção sob influência de qualquer concentração de álcool no sangue é proibida e sujeita o infrator às penalidades e medidas correlatas.
35-No bojo da Lei 11.705/08 não há nenhum dispositivo que tenha expressamente determinado que a partir de sua vigência a prática de homicídio ou lesão corporal na direção de veículo automotor, estando o agente ébrio, configurará crime doloso, por incidência de dolo eventual. Nem mesmo indiretamente se pode chegar a uma tal conclusão, que configuraria um atávico retorno ao superado modelo da "responsabilidade penal objetiva". Hoje como outrora, a decisão acerca da presença de culpa consciente ou dolo eventual depende da análise detida de cada caso concreto sob os enfoques objetivo e, principalmente, subjetivo.
Em desfecho vale salientar que o presente estudo apenas consiste na formulação das primeiras reflexões sobre o tema discutido, ainda em um momento em que a doutrina é incipiente. Certamente, os assuntos aventados serão melhor desenvolvidos e ampliados ao longo do tempo. Este trabalho terá cumprido sua missão se puder cumprir a função da proposta de uma reflexão e debate inicial sobre as inovações legislativas operadas no Código de Trânsito Brasileiro.
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