Capa da publicação Takaful e proteção mutualista: convergências na nova lei
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O modelo Takaful (islâmico) para a proteção mutualista brasileira.

Uma análise analógica sob a Lei Complementar nº 213/25

Resumo:


  • Análise da viabilidade da aplicação de princípios do sistema Takaful às futuras administradoras de proteção mutualista no Brasil

  • Comparação entre o Takaful e as associações mutualistas, destacando o mutualismo e a não lucratividade como pilares comuns

  • Proposta de incorporação de práticas de governança, transparência e destinação de excedentes inspiradas no modelo islâmico para fortalecer a segurança jurídica e a sustentabilidade das entidades de proteção mutualista no Brasil

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei Complementar nº 213/25 permite incorporar princípios do modelo islâmico aos contratos de proteção mutualista. O Takaful pode fortalecer a governança e a segurança jurídica do setor?

Resumo: O presente parecer examina a viabilidade da aplicação de princípios do sistema Takaful (seguro islâmico) às futuras administradoras de proteção mutualista no Brasil, à luz da Lei Complementar 213/25. Através de uma análise comparativa, identificam-se as convergências conceituais entre o Takaful e as associações mutualistas, destacando o mutualismo e a não lucratividade como pilares comuns. Argumenta-se que a incorporação de práticas de governança, transparência e destinação de excedentes, inspiradas no modelo islâmico, pode fortalecer a segurança jurídica e a sustentabilidade das entidades de proteção mutualista no contexto regulatório brasileiro.

Palavras-chave: Takaful; Proteção Mutualista; Lei Complementar 213/25; Direito Islâmico; Governança Corporativa; Não Lucratividade.


INTRODUÇÃO

Um dos objetos expostos na Lei Complementar 213/25, sobre a proteção patrimonial mutualista é promover a expansão dos mercados e propiciar condições operacionais necessárias para sua integração no processo econômico e social do País (Art.5º, I). Esse objetivo já era preenchido pela atividade das associações de proteção veicular quando, por vezes, possibilitavam a proteção dos desatendidos pelo mercado de seguros tradicional. Diante desse cenário, com a aprovação desse marco regulatório, inicia-se uma fase de elaboração das regras infralegais, que serão a regulamentação de fato da atividade.

Em pesquisa sobre um modelo que possa servir de estudos para a regra infralegal, o sistema financeiro islâmico, em particular o Takaful (seguro mútuo islâmico), oferece um modelo de gestão de riscos fundamentado em princípios de cooperação, solidariedade e não lucratividade. A aderência estrita à Sharia (lei islâmica) confere ao Takaful características únicas de governança e destinação de recursos, que podem oferecer insights valiosos para aprimorar a regulamentação e as práticas das associações de proteção mutualista em outras jurisdições.

Este parecer propõe-se a analisar as analogias conceituais entre o Takaful e as associações de proteção mutualista brasileiras, explorando a viabilidade de incorporar elementos do modelo islâmico nas futuras administrações de proteção mutualista no Brasil, com base nas disposições da Lei Complementar 213/25.


O TAKAFUL E SUA ESTRUTURA OPERACIONAL E A PROTEÇÃO MUTUALISTA NO BRASIL

O Takaful difere fundamentalmente do seguro convencional pela sua conformidade com a Sharia, que proíbe gharar (incerteza excessiva), maysir (jogo ou aposta) e riba (juros). Em vez de uma transferência de risco para uma seguradora com fins lucrativos, o Takaful opera como um fundo de ajuda mútua.

Os participantes contribuem com doações (Tabarru') para um fundo comum, que é utilizado para compensar perdas de outros participantes. Uma Operadora de Takaful atua como administradora desse fundo, gerenciando as operações. Sua remuneração advém, principalmente, de uma taxa de agência (Wakalah Fee) pela gestão, e não de um lucro de subscrição do fundo.

É crucial a segregação patrimonial entre o Fundo de Takaful (pertencente aos participantes) e os fundos da operadora. Além disso, se houver um excedente no Fundo de Takaful ao final de um período, este pode ser distribuído de volta aos participantes, reforçando a natureza não lucrativa do sistema para os doadores do fundo. A governança do Takaful é complementada por um Conselho Sharia, que assegura a conformidade de todas as operações com os princípios islâmicos.

No Brasil, as associações de proteção mutualista operam sob a égide do Código Civil Brasileiro e, se a sua natureza for proteção mutualista, devem ser supervisionadas por órgãos reguladores, como exposto na Lei Complementar 213/25. Antes do marco regulatório essas associações, mesmo sem uma determinação expressa de supervisão, já eram fiscalizadas por outros meios, como a intervenção do Ministério Público e ações em curso no judiciário para verificação de sua “legalidade”.

As associações mutualistas brasileiras, em sua essência, baseiam-se na cooperação entre seus membros para a partilha de despesas já ocorridas. A arrecadação de contribuições visa cobrir os custos operacionais e as despesas ocorridas com associados, sem a finalidade de lucro primário da associação ou de seus dirigentes. Ocorrendo uma despesa com o associado, ela é posta para rateio, sendo compartilhadas com todos, inclusive com a participação daquele que teve o prejuízo, um sistema em que o associado ao mesmo tempo é amparo e ampara os demais.

A ausência de uma regulamentação específica e robusta para o setor, antes da Lei Complementar 213/25, por vezes gerou processos e demandas contra tais entidades, além de desafios em termos de governança, transparência e solvência, levantando discussões sobre a diferenciação clara entre essas entidades e as seguradoras reguladas.


ANALOGIA E PROPOSTA DE ADOÇÃO DE ELEMENTOS DO TAKAFUL

A análise comparativa revela uma forte analogia conceitual entre o Takaful e as associações de proteção mutualista brasileiras. Ambos os modelos se afastam da lógica do lucro do seguro tradicional, priorizando a solidariedade, a cooperação e a não lucratividade do fundo de risco ou rateio, caso brasileiro. As convergências são notáveis nos seguintes pontos:

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No Takaful, o fundo pertence aos participantes; nas mutualistas, os recursos são dos associados participantes do grupo mutualista de rateio, em ambos, os riscos são socializados entre os membros contribuintes.

No modelo islâmico uma entidade gerencia o fundo em nome dos membros/participantes, modelo que foi escolhido pela lei brasileira ao determinar a obrigatoriedade de uma empresa específica (Sociedade Anônima), para realizar a operação da proteção mutualista.

Diante dessas analogias, a Lei Complementar 213/25 poderia se beneficiar significativamente da incorporação de elementos do modelo Takaful para aprimorar a regulamentação das administradoras de proteção mutualista no Brasil.

Como no modelo islâmico, a legislação brasileira exige, de forma inequívoca, a segregação do patrimônio dos associados (as contribuições destinadas à cobertura de riscos) do patrimônio da administradora da associação. Essa prática, central no Takaful, impede a confusão patrimonial e garante que os recursos destinados à proteção dos associados não sejam utilizados para outros fins da entidade gestora, ou mesmo para cobrir eventuais déficits operacionais da administradora.

O Takaful impõe elevados padrões de transparência na gestão dos fundos, o que deve ser seguido pelo modelo brasileiro, quanto aos valores de rateio dos associados. Isso inclui a obrigatoriedade de relatórios financeiros detalhados, divulgação clara da destinação das contribuições, dos investimentos realizados e dos critérios de pagamento de sinistros. A inspiração no Takaful sugere a necessidade de comitês de fiscalização independentes, que podem ser formados por entidades especialistas, como a Força Associativa Nacional - FAN, para monitorar a aderência aos princípios mutualistas e à regulamentação.

A adoção do modelo Wakalah (taxa de agência) para a remuneração da administradora é uma proposta vantajosa. A Lei Complementar 213/25 estipula que a receita da administradora seja derivada de uma taxa de administração, que deve ser pré-determinada e transparente, cobrada pelas atividades administrativas e de serviço. Isso desvincula a remuneração da administradora diretamente do resultado do rateio de despesas, alinhando seus interesses aos dos associados e desincentivando práticas que possam prejudicar o pagamento de benefícios em prol do lucro da gestora.

Um dos pilares do Takaful é a distribuição de excedentes (se houverem) do fundo de participantes de volta aos membros. A Lei Complementar 213/25 deveria, idealmente, prever que eventuais superávits acumulados no fundo de proteção sejam revertidos aos associados, seja na forma de abatimentos em futuras contribuições, seja em distribuições diretas. Essa medida reforça o caráter não lucrativo do fundo para a administradora e solidifica a essência mutualista da operação.


CONCLUSÃO

O sistema Takaful, apesar de suas raízes religiosas, oferece um arcabouço de melhores práticas de governança e gestão financeira mutualista que são aplicáveis e altamente benéficas para o contexto brasileiro. A Lei Complementar 213/25 representa uma oportunidade ímpar para o Brasil estruturar o setor de proteção mutualista com base em princípios de solidez, transparência e equidade.

Ao incorporar elementos como a segregação patrimonial dos rateios dos associados, a transparência na gestão, um modelo de remuneração da administradora baseado em taxas de serviço e a distribuição de excedentes aos membros, a legislação brasileira não apenas fortalecerá a confiança nesse importante segmento, mas também alinhará as associações de proteção mutualista com as melhores práticas de mutualismo.

Por outro lado, pensando na atividade associativa pura, a associação continua a ter sua liberdade para tratar de quaisquer outros temas com os seus associados, não cabendo a intervenção em seu formato de gestão, a intervenção e regulação será apenas sobre a administração do rateio.

Com a figura empresarial e responsável pela administração e pagamento do associado por meio da operação do rateio, tal abordagem permitirá que essas entidades cresçam o número de associados em virtude da regulação e por saberem existir uma empresa fiscalizada e com o capital definido pelo Estado.

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Sobre o autor
Gabriel Martins Teixeira Borges

Advogado inscrito na OAB/GO 33.568, OAB/PE 53.536, OAB/RN 20.516 e OAB/RJ 260.164. Mestrando em Direito Constitucional. Pós-graduado em Direito Civil, Processo Civil, Direito Tributário, Direto Médico e Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás. Diretor Administrativo da Força Associativa Nacional-FAN. Presidente da Federação Centro Oeste das Mútuas -FECOM. Diretor Jurídico da Federação Nordestina das Associações Mutualistas - FENAM. Membro da Associação Internacional de Direito Seguro. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Contratual. Diretor da I.S.E.O. - International Social Economy Organisation. Contato: [email protected].

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Gabriel Martins Teixeira. O modelo Takaful (islâmico) para a proteção mutualista brasileira.: Uma análise analógica sob a Lei Complementar nº 213/25. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8024, 20 jun. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114531. Acesso em: 16 jul. 2025.

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