O direito de preempção, também conhecido como direito de preferência ou direito de prelação, trata-se de um direito potestativo que confere ao beneficiário a preferência na aquisição de um bem objeto de alienação onerosa. É “o direito de ser preferido em igualdade de condições com terceiro” (Luz, 1998).
É importante ressaltar que o vocábulo “preempção” provém do latim praeemptio, cujo significado remete à ideia de "preferência para compra" (prefixo prae (antes) + substantivo emptio (compra) (Azevedo, 2019). A palavra preferência vem do latim praeferens, de praeferre (preferir), denotando uma vantagem concedida a determinada pessoa em detrimento de outra. Já o vocábulo prelação significa ação de preferir, preferência ou escolha.
No Direito Romano, já se admitia uma forma primitiva de direito de preferência, por meio de uma cláusula acessória ao contrato de compra e venda (emptio et venditio), denominada pactum protimiseos — termo de origem grega derivado de protimesis, que significa “preferência”. Essa cláusula impunha ao adquirente do bem a obrigação de oferecê-lo previamente ao antigo proprietário, nas mesmas condições, caso pretendesse aliená-lo (Venosa, 2024, p. 276).
Por meio do instrumento jurídico de preferência, é atribuído ao indivíduo um direito, e não uma obrigação. Não há uma imposição de obrigação consistente na aquisição da coisa a ser alienada onerosamente (Venosa, 2014, p. 154).
O direito de preferência possui natureza de direito potestativo condicional. Sua constituição ocorre a partir do preenchimento dos requisitos estabelecidos no contrato ou na norma jurídica. Somente após a sua constituição é que o direito de preempção estará apto a produzir efeitos jurídicos (Guedes; Lgow, 2021, p. 155). Nesse sentido, Paulo Lôbo (2023, p. 113) afirma que o direito de preempção é direito potestativo, que não existe antes da intenção de venda do bem (evento futuro e incerto), não irradiando os seus efeitos se não houver a pretensão de venda da coisa.
Previsto no Código Civil (Lei nº 10.406/2002), o direito de preferência convencional constitui cláusula acessória ao contrato de compra e venda, fundada na autonomia privada das partes (art. 421 do Código Civil). Trata-se de pacto estabelecido em favor do alienante originário — também denominado preferente —, que lhe confere o direito de preferência na aquisição do bem, móvel ou imóvel, anteriormente alienado, caso o adquirente pretenda transmiti-lo onerosamente (Gagliano; Pamplona Filho, 2023, p. 127).
Destaca-se, por oportuno, que o direito de preferência se distingue da retrovenda, prevista nos artigos 505 a 508 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002). Na retrovenda, o vendedor de um bem imóvel pode recomprá-lo, independentemente da vontade do comprador em alienar ou não o bem. Nesse caso, não se pode falar em preferência, uma vez que inexiste terceiro com quem se dispute a primazia (Gonçalves, 2023, p. 108).
Ademais, é relevante mencionar que não há direito de preferência tácito. No caso do direito de preferência convencional, este deve constar em cláusula contratual expressa, “em virtude de consistir em forte restrição ao tráfico jurídico e à liberdade contratual do comprador” (Lôbo, 2023, p. 113).
Ressalte-se que, nos casos de negócio jurídico oneroso envolvendo bem sujeito a direito de preferência legal de natureza real, celebrado entre o proprietário e terceiro, tal direito configura uma limitação à força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda). Isso porque, uma vez exercido no prazo legalmente previsto, o direito de preferência pode ensejar adjudicação compulsória do bem, tornando ineficaz a alienação realizada ao terceiro.
Caso o preferente readquira a coisa por meio do direito de preferência convencional, haverá um segundo contrato de compra e venda, invertendo-se os polos da relação jurídica. A referida cláusula caracteriza promessa unilateral de venda sob condição suspensiva, a qual obriga o comprador a revender a coisa para quem lhe vendeu, caso se concretize o evento futuro e incerto consistente na decisão de revender o bem. A compra e venda é pura, sem qualquer condição; já o pacto de preferência, este sim, contém uma condição suspensiva puramente potestativa (Nader, 2018, p. 217). Portanto, exercido o direito de preferência, opera-se uma nova aquisição, sujeita, por conseguinte, à tributação (Farias; Rosenvald, 2015, p. 657).
O termo inicial para o exercício do direito de preferência é o momento da ciência inequívoca do preferente acerca da decisão do atual proprietário em alienar onerosamente o bem, seja por venda ou dação em pagamento (Azevedo, 2019).
Nesse sentido, cita-se o entendimento da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT):
AÇÃO ANULATÓRIA. COMPRA E VENDA. IMÓVEL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. PERDAS E DANOS. DECADÊNCIA.
I – O último contrato de locação firmado com a nova proprietária no ano de 2015 infirma a alegação de que os apelantes-autores não sabiam da venda do imóvel.
II – O prazo de decadência previsto no art. 513. do CC inicia-se da data em que locatário teve ciência inequívoca da venda do bem. Mantida a sentença que reconheceu a decadência.
III – Apelação desprovida.
(Acórdão 1178751, 0715300-59.2018.8.07.0001, Relator(a): VERA ANDRIGHI, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 12/06/2019, publicado no DJe: 25/06/2019.).
O prazo decadencial para o exercício do direito de preempção convencional não poderá ultrapassar cento e oitenta dias para bens móveis ou dois anos para bens imóveis, nos termos do parágrafo único do art. 513. do Código Civil. Qualquer estipulação que exceda esses limites será considerada ineficaz (Azevedo, 2019).
Nas hipóteses de ausência de estipulação expressa, o prazo decadencial será determinado conforme a natureza do objeto, sendo de três dias para bens móveis e de sessenta dias para bens imóveis. Esse prazo será contado a partir do dia subsequente à notificação formal, conforme o disposto no artigo 516 do Código Civil.
O beneficiário do direito de preferência convencional, ao tomar conhecimento da decisão do atual proprietário de revender o bem, ainda que não tenha sido formalmente cientificado, poderá exercer seu direito, intimando extrajudicial ou judicialmente o proprietário, manifestando sua intenção de recomprar o bem, nos termos do art. 514. do Código Civil.
Se a venda não se concretizar por qualquer motivo, o prazo decadencial para o exercício do direito de preferência será integralmente restaurado (Lôbo, 2023, p. 114).
No contexto das relações em que exista o direito de preferência convencional, ressalta-se, por oportuno, que, caso haja efetiva intenção de alienação onerosa do bem, o atual proprietário, quando devidamente intimado, não poderá desistir injustificadamente da alienação, sob pena de ser responsabilizado civilmente por ato ilícito, nos termos do art. 187. do Código Civil. Tal conduta configura abuso de direito, na modalidade venire contra factum proprium, por violar a legítima confiança criada em relação à recompra do bem, afrontando a boa-fé objetiva (Farias; Rosenvald, 2015, p. 658-659).
Para que a preferência seja exercida, o beneficiário do direito de preferência convencional, sob pena de perda da sua preferência, está obrigado a pagar, nas mesmas condições, o valor apresentado por terceiro, conforme o art. 515. do Código Civil. Isso quer dizer que, para readquirir o bem, o beneficiário do referido direito deverá igualar as condições oferecidas por terceiros, tanto no que se refere ao valor pecuniário quanto em relação às vantagens ofertadas. “Trata-se do princípio da paridade nas condições relativamente ao terceiro”, não sendo permitido inovar ou modificar o preço nem as condições estabelecidas por meio de contraproposta (Rizzardo, 2023, p. 309).
O direito de preferência, quando atribuído de forma conjunta ou uniforme a dois ou mais indivíduos, somente pode ser exercido em relação à coisa em sua totalidade. Por sua natureza, esse direito não admite fracionamento, conforme dispõe o artigo 517 do Código Civil (Diniz, 2022, p. 107). Assim, se algum dos titulares do direito não o exercer, os demais poderão utilizá-lo nas condições mencionadas, conforme disposto no artigo 517 do Código Civil, in fine. A título de exemplo, se X, Y e Z possuem direito de preferência convencional e Z não exercer o seu direito, X e Y não estarão impedidos de exercer o direito de preferência sobre a coisa em sua totalidade.
É importante frisar que, na situação em que o direito de preferência é atribuído a dois ou mais indivíduos, “o prazo decadencial correrá, para cada preferente, a partir de sua cientificação, podendo o direito caducar, portanto, para uns e não para outros” (Gagliano; Pamplona Filho, 2023, p. 128).
O beneficiário preterido no exercício de seu direito de preferência, quando se tratar de preempção convencional, não poderá pleitear o desfazimento do negócio jurídico oneroso celebrado, nem a adjudicação compulsória da coisa, uma vez que a referida cláusula produz “efeitos meramente obrigacionais, restritos ao comprador e ao vendedor” (Farias; Rosenvald, 2015, p. 660). Caberá ao beneficiário, nesse caso, apenas a possibilidade de pleitear perdas e danos, inclusive contra o adquirente de má-fé que, tendo ciência da cláusula contratual, será responsável solidariamente, nos termos do art. 518. do Código Civil (Tartuce, 2023, p. 355). Registre-se que, “em sede de bens imóveis, o registro do contrato e a publicidade da cláusula de preempção geram presunção absoluta de má-fé” (Farias; Rosenvald, 2015, p. 660).
O direito de preferência convencional, por ostentar caráter personalíssimo (intuitu personae), é intransmissível por ato inter vivos ou causa mortis, conforme os termos do art. 520. do Código Civil (Diniz, 2022, p. 106), ao contrário do que ocorre nas relações locatícias, nas quais há a transmissão do direito de preferência legal em caso de falecimento do locatário, com base nos incisos I e II do art. 11. da Lei nº 8.245/1991, por exemplo. Desse modo, com o óbito do beneficiário, extingue-se o direito de preferência convencional, ficando o atual proprietário da coisa liberado para a venda a qualquer pessoa, independentemente de comunicação aos herdeiros do falecido (Nader, 2018, p. 220).
Referências
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