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Laicidade Estatal tomada a sério

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7. Síntese Conclusiva dos dois artigos.

O Brasil é um Estado Laico, o que significa que não se confunde com nenhuma religião, não adota uma religião oficial, permite a mais ampla liberdade de crença, descrença e religião, com igualdade de direitos entre as diversas crenças e descrenças e no qual fundamentações religiosas não podem influir nos rumos políticos e jurídicos da nação. Essa é a correta exegese do art. 19, inc. I da CF/88, na medida em que permitir a utilização de fundamentações religiosas para justificar posicionamentos políticos e/ou jurídicos configura inequívoca dependência ou, no mínimo, aliança com a religião em questão, o que é expressamente vedado pelo citado dispositivo constitucional.

A laicidade estatal é pressuposto da própria liberdade religiosa, na medida em que: (i) no Estado Teocrático, o Estado não admite que as pessoas tenham outra crença teísta ou então sejam descrentes; (ii) no Estado Confessional ou ocorre o mesmo ou então a religião oficial é colocada em primazia, recebendo privilégios em relação às demais e, portanto, o Estado acaba por estigmatizar aqueles que possuam outra crença ou então sejam ateístas; (iii) no Estado Ateísta o ente estatal o Estado não admite que as pessoas tenham qualquer crença teísta, exigindo a descrença de todos os cidadãos, ao passo que (iv) o Estado Laico não se confunde nenhuma religião, não adota uma religião oficial, permite a mais ampla liberdade de crença, descrença e religião, com igualdade de direitos entre as diversas crenças e descrenças e no qual fundamentações religiosas não podem influir nos rumos políticos e jurídicos da nação, donde fica evidente a laicidade estatal constitui-se como pressuposto indispensável à plena liberdade religiosa.

O fato do preâmbulo constitucional utilizar-se da expressão "sob a proteção de Deus" não altera em nada tal conclusão. A uma porque, no conflito entre preâmbulo e dispositivo constitucional, a prevalência abstrata é deste último. A outra pela absoluta ausência de normatividade da referida expressão ante a obviedade segundo a qual não se pode pretender instituir uma obrigação à divindade. Ora, se uma nação está sob a proteção de Deus isso significa que Deus deve obrigatoriamente efetivar tal pretensão. Mas, como não se afigura possível nem razoável instituir uma obrigação à divindade, então afigura-se impossibilidade jurídica por impossibilidade fática de efetivação de tal pretensão. A referida expressão trata-se, apenas, de pretensiosa afirmação no sentido de que a divindade estaria preocupada com a Assembléia Nacional Constituinte Brasileira. Assim, independentemente da teoria à qual se adote sobre a natureza jurídica do preâmbulo constitucional e independentemente da localização da mesma (ou seja, ainda que presente em artigo constitucional), a expressão "sob a proteção de Deus" jamais terá qualquer significação jurídica na medida em que dita expressão não tem nenhum sentido jurídico, nenhum conteúdo jurídico, tratando-se de mera exortação pretensiosa.

O uso de símbolos religiosos em órgãos estatais é inconstitucional, por afronta ao princípio da laicidade estatal por caracterizar verdadeira relação de aliança com a fé cristã e/ou, ainda, por causar descabido incômodo àqueles que não professam a fé cristão que ingressem em ditas repartições públicas.

A laicidade estatal torna inconstitucional o custeio de despesas de instituições religiosas e respectivos chefes por parte do Estado, na medida em que isso configura relação de aliança (senão dependência) com a religião e instituição religiosa respectiva, em clara afronta ao art. 19, inc. I da CF/88. Ademais, muito embora o caso do chefe da Igreja Católica seja peculiar, pela descabida qualificação do Vaticano como "Estado" pela comunidade internacional, ele merece tão-somente a proteção e atenção conferidas aos chefes de Estado em geral, mostrando-se absolutamente inconstitucional quaisquer custeios de despesas relativas a cultos religiosos promovidos para difundir a fé católica, seja por isto caracterizar aliança vedada pelo art. 19, inc. I da CF/88, seja por afrontar a isonomia em virtude de conferir maior proteção a esta religião/instituição religiosa em relação às demais.

Nesse sentido, afigura-se sem sombra de dúvidas a absoluta inconstitucionalidade de concordatas (tratados internacionais firmados entre o Vaticano e um Estado) que prevejam privilégios à Igreja Católica e/ou aos católicos em geral em relação às demais instituições religiosas e cidadãos de outras religiões, pois o contrário implicaria descabida aliança com a referida instituição religiosa/religião. Outrossim, serão inócuas quaisquer concordatas juridicamente válidas uma vez que a igualdade de tratamento por parte do Estado às religiões e a repressão dele à discriminação religiosa já se afiguram como exigências do próprio princípio do Estado Laico.

Por fim, considerando que é preciso um ato de pura fé para se dar alguma validade a um documento psicografado, ante a absoluta ausência de provas científicas de que se trata de um espírito o redator do documento, fica evidente que resta afrontada a laicidade estatal pela aceitação de documento psicografado como meio de prova, na medida em que isto implica em inequívoca relação de aliança do Estado com a fé espírita e/ou toda outra que aceite eventualmente aceite dito documento.


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VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Laicidade Estatal tomada a sério. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1830, 5 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11463. Acesso em: 22 dez. 2024.

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