Resumo: O presente artigo analisa o regime probatório no ordenamento jurídico penal brasileiro, com enfoque na distinção entre provas nominadas e inominadas, conforme previsão no Código de Processo Penal e na Lei nº 12.850/2013. A reflexão é expandida para tratar da recente decisão do STF no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1042075), que reconheceu a validade das provas obtidas em celular encontrado na cena do crime, sem autorização judicial prévia, quando caracterizado o encontro fortuito. A pesquisa busca avaliar os impactos da decisão na proteção dos direitos fundamentais e na eficácia da investigação criminal, oferecendo uma análise crítica à luz do devido processo legal e dos limites constitucionais da atividade investigativa.
Palavras-chave: Provas nominadas; provas inominadas; processo penal; direito constitucional; STF; celular; encontro fortuito; CPP; Lei 12.850/2013.
INTRODUÇÃO
A apuração criminal é uma jornada da verdade dentro das fronteiras do Estado Democrático de Direito. Cometido o delito, inicia-se o imperativo constitucional da persecução penal, conduzido sob o manto do devido processo legal, como preceitua o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. Tal missão cabe à autoridade policial e ao Ministério Público, que, respeitando o contraditório, devem agir com firmeza e legalidade para desvendar a autoria e a materialidade do crime.
Neste cenário, o delegado de polícia é o protagonista da investigação preliminar, exercendo seu mister com base em provas juridicamente válidas e moralmente legítimas. Contudo, a produção da prova não é um território de arbítrio, mas sim de legalidade estrita, limitada por garantias fundamentais, como a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, CF), a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, das comunicações (art. 5º, X e XII), e a proteção da dignidade humana.
As provas, nesse sentido, representam mais do que instrumentos; são os pilares que sustentam o equilíbrio entre repressão penal e liberdade. Dentre os meios previstos, o sistema processual penal brasileiro distingue provas nominadas — aquelas previstas expressamente em lei — e inominadas — aquelas admitidas por analogia, costume ou inovação jurisprudencial.
Diante desse arcabouço, este artigo abordará os dispositivos legais que regulam a produção probatória (arts. 155 a 250 do CPP), bem como as inovações trazidas pela Lei nº 12.850/2013, em especial no combate ao crime organizado. Ao final, o estudo se debruça sobre a repercussão do julgamento do STF no ARE 1042075, que introduz novos contornos à admissibilidade de provas obtidas em celulares deixados na cena do crime, suscitando debates sobre segurança jurídica, limites éticos e o avanço tecnológico no âmbito penal.
DAS PROVAS NOMINADAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
As provas nominadas são aquelas expressamente previstas na legislação processual penal. O Código de Processo Penal, no Título VII (arts. 155 a 250), delimita os meios lícitos que podem ser utilizados para a apuração dos fatos. Dentre elas destacam-se:
I - Prova testemunhal (arts. 202 a 225);
II - Prova documental (arts. 231 a 238);
III - Interrogatório do acusado (arts. 185 a 196);
IV - Reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226 a 228);
V - Prova pericial (arts. 158 a 184);
VI - Exame de corpo de delito;
VII - Acareação;
VIII - Buscas e apreensões devidamente autorizadas;
IX - Carta precatória;
X - Prova indireta ou circunstancial, desde que não baseada exclusivamente nela.
Além dessas, na fase investigativa, o art. 6º do CPP impõe ao delegado de polícia o dever de agir prontamente para coletar todos os elementos de prova que possam esclarecer o fato e suas circunstâncias. Este artigo estabelece obrigações de natureza pericial, documental, testemunhal e pessoal, conferindo à autoridade policial um papel ativo na consolidação do conjunto probatório inicial.
DAS PROVAS INOMINADAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
As provas inominadas, por sua vez, são aquelas não previstas diretamente na legislação, mas admitidas desde que não contrariem os princípios constitucionais e os direitos fundamentais. Estas provas têm sido utilizadas especialmente no enfrentamento ao crime organizado e em operações complexas.
A Lei nº 12.850/2013, que trata das organizações criminosas, autorizou o uso de meios de obtenção de prova não previstas no rol do CPP, como:
I - Ação controlada;
II - Infiltração de agentes (inclusive virtuais);
III - Captação ambiental de sinais eletromagnéticos;
IV - Cooperação internacional;
V - Monitoramento eletrônico;
VI - Interceptações de comunicações via autorização judicial, inclusive dados telemáticos;
VII - Colaboração premiada.
PROVAS OBTIDAS NO CELULAR ENCONTRADO NO LOCAL DO CRIME
A decisão proferida pelo STF em 25 de junho de 2025 no ARE 1042075 representou um marco no entendimento sobre o acesso a dados de aparelhos celulares. O tribunal validou o uso de provas obtidas em dispositivo deixado no local do crime, sem autorização judicial, desde que se trate de situação de “encontro fortuito”.
Conforme a tese fixada, em ocorrências fortuitas como o esquecimento do aparelho, a autoridade policial pode acessar os dados estritamente necessários à elucidação da autoria ou da propriedade do bem. Entretanto, este acesso deve ser justificado posteriormente, e o uso das provas deverá observar os princípios constitucionais, em especial os direitos à intimidade e à privacidade.
A decisão tem repercussão geral (Tema 977), e servirá como paradigma para os tribunais de todo o país. Contudo, suscita uma delicada tensão entre eficiência investigativa e proteção dos direitos individuais. Há receios de que a exceção se torne regra, comprometendo o controle judicial das investigações e incentivando práticas arbitrárias.
ANÁLISE CRÍTICA
A evolução da tecnologia impõe ao Direito Penal novos desafios. O celular, como extensão da intimidade, armazena dados que revelam hábitos, contatos, localização e até sentimentos. O acesso a tais informações deve ser excepcional, proporcional e justificado.
A decisão do STF busca equilibrar a realidade das investigações com a rigidez dos princípios constitucionais. Ainda assim, a margem para abusos é sensível, e a relativização da inviolabilidade pode abrir precedentes perigosos. O art. 5º, XII, da CF é claro ao exigir ordem judicial para a quebra de sigilo de dados, salvo exceções legalmente previstas.
Além disso, o entendimento do Supremo desloca o centro da legalidade para o campo da justificação posterior, o que pode ser incompatível com a estrutura garantista do processo penal acusatório. O ideal seria exigir fundamentação prévia, exceto quando comprovado risco imediato de destruição de provas ou perigo concreto à investigação.
TESE DE JULGAMENTO: ARE 1.042.075 (TEMA 977)
“1. A mera apreensão do aparelho celular, nos termos do art. 6º do CPP ou em flagrante delito, não está sujeita à reserva de jurisdição. Contudo, o acesso aos dados nele contidos deve observar as seguintes condicionantes:
1.1 Nas hipóteses de encontro fortuito de aparelho celular, o acesso aos respectivos dados para o fim exclusivo de esclarecer a autoria do fato supostamente criminoso, ou de quem seja o seu proprietário, não depende de consentimento ou de prévia decisão judicial, desde que justificada posteriormente a adoção da medida.
1.2. Em se tratando de aparelho celular apreendido na forma do art. 6º do CPP ou por ocasião da prisão em flagrante, o acesso aos respectivos dados será condicionado ao consentimento expresso e livre do titular dos dados ou de prévia decisão judicial (cf. art. 7º, inciso III, e art. 10, § 2º, da Lei nº 12.965/2014) que justifique, com base em elementos concretos, a proporcionalidade da medida e delimite sua abrangência à luz de direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional, inclusive nos meios digitais (art. 5º, X e LXXIX, CRFB/88). Nesses casos, a celeridade se impõe, devendo a Autoridade Policial atuar com a maior rapidez e eficiência possíveis e o Poder Judiciário conferir tramitação e apreciação prioritárias aos pedidos dessa natureza, inclusive em regime de plantão.
2. A autoridade policial poderá adotar as providências necessárias para a preservação dos dados e metadados contidos no aparelho celular apreendido, antes da autorização judicial, justificando, posteriormente, as razões de referido acesso.
3. As teses acima enunciadas só produzirão efeitos prospectivos, ressalvados os pedidos eventualmente formulados por defesas até a data do encerramento do presente julgamento".
CONCLUSÃO: Por unanimidade, o Plenário do STF considerou válida a prova que embasou a condenação do recorrido, reafirmando o entendimento de que a polícia pode, independentemente de autorização judicial, examinar os registros das últimas chamadas e a agenda de contatos telefônicos contidos em aparelho celular abandonado no local do crime. Os dados obtidos nessas circunstâncias só podem ser utilizados na apuração do crime ao qual a perda do celular está vinculada. A polícia, no entanto, pode preservar o conteúdo integral do aparelho, mas deve apresentar à Justiça argumentos que justifiquem seu acesso. Já quando o celular é apreendido com o suspeito presente — como em prisões em flagrante —, os dados só podem ser acessados com consentimento expresso do dono ou com autorização judicial.
(ARE 1.042.075 (Tema 977)
O processo penal moderno não pode abdicar da verdade, mas tampouco pode sacrificar a liberdade. A prova é a ponte entre o fato e a responsabilidade, e, por isso, sua obtenção deve ser rigorosamente controlada.
A decisão do STF no ARE 1042075 inaugura uma era de flexibilização pragmática, onde a efetividade da investigação ganha relevo, mas deve ser vigiada com rigor técnico e jurídico. O Estado de Direito não pode aceitar atalhos; a persecução penal não pode se converter em licença para o arbítrio.
As provas nominadas e inominadas têm sua razão de existir, mas todas devem respeitar o fio de ouro da Constituição: a dignidade da pessoa humana. O celular é uma realidade da alma da vida moderna. Abrir esse casulo de dados privados, sem autorização judicial, é tocar na essência do indivíduo. O combate ao crime exige força, mas essa força só será legítima se estiver algemada à legalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.
BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal.
CNN Brasil. STF valida uso de provas obtidas em celular deixado em cena de crime. 25/06/2025.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 24ª ed. Niterói: Impetus, 2024.
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 36ª ed. São Paulo: Atlas, 2023.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1042075. Tema 977 da Repercussão Geral.
Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 27 de junho de 2025.