RESUMO
A presente análise jurídico crítica trata da novíssima alteração dos artigos 65 e 115 do Código Penal Brasileiro, Lei nº 15.160, de 03 de julho de 2025, originária do Projeto de Lei nº 419/2023, que visa endurecer a resposta estatal aos crimes de violência sexual contra a mulher. A nova norma impede que agressores se beneficiem da atenuante da idade avançada ou da redução do prazo prescricional quando o crime envolver violência sexual contra o sexo feminino. Fundamentado em dados alarmantes sobre a violência sexual no Brasil, o texto propõe uma reestruturação valorativa e técnica do sistema penal para garantir maior efetividade na punição desses crimes. A nova legislação sinaliza um passo fundamental para frear a impunidade e reafirmar a dignidade das mulheres, harmonizando-se com os princípios constitucionais de proteção à dignidade da pessoa humana e à igualdade de gênero.
Palavras-chave: Violência sexual, Código Penal, prescrição, circunstância atenuante, impunidade, dignidade da mulher.
INTRODUÇÃO
O Brasil vive uma silenciosa e devastadora epidemia de violência sexual contra a mulher. Silenciosa não pela ausência de gritos, mas pela surdez histórica do sistema penal. Em um cenário no qual uma mulher ou menina é estuprada a cada 10 minutos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, torna-se imperativo romper com a leniência normativa que permite, por exemplo, que estupradores escapem da responsabilização penal com base em benesses etárias. A novíssima lei oriunda do Projeto de Lei nº 419/2023 surge como um marco na luta contra a impunidade estrutural, modificando os artigos 65 e 115 do Código Penal para impedir que a idade do agressor funcione como escudo protetivo em casos de crimes sexuais contra mulheres.
O novo texto legal representa mais que uma alteração pontual: trata-se de uma virada de paradigma, que coloca a dignidade da mulher como princípio norteador da política criminal. A exclusão da atenuante de idade avançada e a vedação da redução do prazo de prescrição nos casos de violência sexual são mecanismos de justiça e resposta à sociedade, diante do sofrimento físico, psicológico e moral que recai sobre as vítimas. Esta análise pretende discutir os fundamentos, impactos e a importância dessa alteração legislativa à luz da Constituição Federal, do Código Penal e da realidade sociocultural brasileira.
Destarte, com o novo comando normativo, os 65 e 115 do Código Penal passam a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 65.
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um) anos, na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença, salvo se o crime envolver violência sexual contra a mulher;
Artigo 115 São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos, salvo se o crime envolver violência sexual contra a mulher.”
ANÁLISE CRÍTICA
A alteração legislativa promovida pela Lei nº 15.160, de 2025 é um grito institucional contra a cultura da impunidade. Historicamente, o ordenamento jurídico brasileiro tem abrigado dispositivos que, mesmo sob o manto da legalidade, acabam por perpetuar a violência contra a mulher. O artigo 65, inciso I, do Código Penal, ao considerar a idade superior a 70 anos como circunstância atenuante, e o artigo 115, ao reduzir o prazo prescricional quando o réu for menor de 21 no ato e maior de 70 na sentença, representam um anacronismo jurídico quando aplicados a crimes hediondos como o estupro.
A manutenção desses benefícios, nesses casos específicos, subverte o princípio da proporcionalidade penal. Em vez de proteger vulnerabilidades reais, essas previsões funcionavam como escudos para criminosos que agem com frieza e crueldade, sabendo que a idade os beneficiaria mais adiante. Ao retirar tais prerrogativas para casos de violência sexual contra mulheres, o novo diploma normativo restabelece o eixo da justiça: o centro da atenção penal deve ser a vítima, e não o agressor.
Outro ponto que merece destaque é a fundamentação sociológica do projeto. A violência sexual contra a mulher não é um fenômeno isolado — ela é expressão de estruturas patriarcais arraigadas, de uma cultura do estupro alimentada pela impunidade e pela banalização do sofrimento feminino. A nova lei dialoga com dados de institutos sérios, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Patrícia Galvão, que expõem a relação direta entre impunidade e reincidência criminal. Quando a punição é incerta, o crime se perpetua. Quando o sistema jurídico falha, a violência se institucionaliza.
Do ponto de vista técnico, a mudança está em harmonia com os preceitos constitucionais do artigo 5º, que assegura a dignidade da pessoa humana e a proteção contra qualquer forma de discriminação. Ao endurecer a legislação para casos de violência sexual, o Estado brasileiro cumpre seu dever de promover a igualdade substantiva e de proteger os grupos historicamente vulnerabilizados, como o das mulheres.
CONCLUSÃO
A recente modificação dos artigos 65 e 115 do Código Penal não é apenas um avanço jurídico; é uma resposta moral, política e civilizatória contra o estado de barbárie que ainda reina em muitos rincões da justiça penal brasileira. Quando o direito penal permite que criminosos sexuais escapem de penas proporcionais em razão da idade, ele trai o pacto constitucional firmado com a dignidade da pessoa humana.
Portanto, defender a nova lei é defender o direito das mulheres a existirem em paz, a viverem sem medo, a não terem sua integridade violada pela covardia de agressores que, historicamente, encontraram abrigo nas lacunas da legislação. Urge que essa mudança legislativa seja acompanhada por reformas institucionais e culturais, pois nenhuma civilização pode se dizer justa enquanto suas mulheres forem tratadas como descartáveis.
É imprescindível consolidar um sistema penal que valorize a vítima e recuse benefícios injustificados ao agressor. A revogação da atenuante da idade e a vedação da redução do prazo prescricional nos crimes de violência sexual contra a mulher são instrumentos de reafirmação da justiça, de ruptura com o permissivismo histórico e de resgate da credibilidade do Estado diante das mulheres brasileiras. Que este novo marco legislativo se converta em trincheira ética contra a impunidade e em alicerce de um futuro mais justo, mais humano e mais digno para todas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 1940.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 ago. 2006.
BRASIL. Lei nº 15.160, de 2025. Disponível em L15160. Acesso em 04 de julho de 2025.
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022.
Instituto Patrícia Galvão. Violência Sexual: Percepções e dados estatísticos, 2021.
Projeto de Lei nº 419, de 2023. Senado Federal. Disponível em: https://www25.senado.leg.br.