A recuperação judicial de empresas representa, no Brasil, um dos instrumentos mais relevantes de intervenção estatal para a preservação da atividade produtiva e a superação da crise econômica. Com a promulgação da Lei nº 14.112/2020, o regime instituído pela Lei nº 11.101/2005 passou por uma reforma profunda, com o objetivo de tornar o processo mais eficiente, moderno e alinhado às práticas internacionais.
Este artigo analisa os principais pontos da reforma legislativa e os entendimentos jurisprudenciais mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, com enfoque na ampliação dos mecanismos de negociação, financiamento e preservação da função social da empresa. Também se destaca a importância de soluções extrajudiciais, como a mediação, e o papel institucional de entidades como a Câmara da FIESP.
A reforma da LREF modernizou diversos aspectos práticos da recuperação judicial, incluindo:
A possibilidade de credores apresentarem plano alternativo de recuperação, caso o plano da empresa seja rejeitado;
A criação de mecanismos de financiamento prioritário durante a recuperação (debtor-in-possession financing);
A regulamentação da mediação pré-processual (art. 20-A da LREF), incentivando soluções consensuais;
O detalhamento sobre a alienação de ativos sem sucessão de passivos;
A valorização da transparência, governança e sustentabilidade no processo.
Como destaca Costa (2021), a nova legislação buscou superar as lacunas normativas da versão anterior, especialmente diante da complexidade das grandes estruturas empresariais.
A atuação da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da FIESP/CIESP tem sido decisiva na aplicação prática dos mecanismos de negociação prévia e resolução extrajudicial de conflitos. Vinculada à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a câmara oferece estrutura técnica e imparcial para a mediação entre empresas em crise e seus credores.
Como afirma Mamede (2021), a mediação empresarial é especialmente valiosa quando há interesse na continuidade das relações negociais, sendo menos onerosa e mais célere que o processo judicial tradicional. Segundo a FIESP (2024), seus procedimentos de mediação têm viabilizado planos de recuperação mais equilibrados, preservando a atividade econômica e a função social das empresas.
O Superior Tribunal de Justiça tem contribuído para consolidar a nova lógica da recuperação judicial. No Recurso Especial nº 2.061.093/SP, a Quarta Turma firmou entendimento de que bens essenciais à atividade empresarial não podem ser retirados mesmo após o término do stay period, a fim de garantir a reestruturação efetiva da empresa.
Já no REsp nº 1.655.705/SP, a Corte decidiu que créditos com fato gerador anterior ao pedido de recuperação judicial estão sujeitos à novação legal, ainda que o credor não tenha se habilitado formalmente no processo, desde que tenha ciência do procedimento.
Essas decisões reafirmam a preservação da empresa como vetor interpretativo central no regime recuperacional, sintonizado com o art. 47. da LREF e o art. 170. da Constituição Federal.
A reforma da Lei nº 11.101/2005 pela Lei nº 14.112/2020 representa um avanço significativo no tratamento das crises empresariais. O fortalecimento da mediação, a introdução de novos instrumentos financeiros e a consolidação jurisprudencial da função social da empresa contribuem para um ambiente jurídico mais previsível e eficiente.
Contudo, a efetividade da nova legislação depende da atuação coordenada entre credores, empresas, magistrados e instituições como as câmaras de mediação. A experiência brasileira ainda exige amadurecimento institucional e cultural para que a recuperação judicial cumpra plenamente seu papel de instrumento de desenvolvimento econômico sustentável.
Referências
ASSIS, Araken de. Manual da Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 26 jun. 2025.
BRASIL. Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 26 jun. 2025.
COSTA, Daniel Carnio. A nova lei de falências e recuperação de empresas: aspectos teóricos e práticos da Lei nº 14.112/2020. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
FIESP. Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP. 2024. Disponível em: <https://www.camaradearbitragemsp.org.br/>. Acesso em: 26 jun. 2025.
MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial: teoria geral da empresa, direito societário, títulos de crédito, contratos e falência. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2021.