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A (im)possibilidade do exercício orçamentário municipal autônomo diante da assimetria fiscal no federalismo brasileiro

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Resumo:


  • Análise da autonomia orçamentária dos municípios diante do federalismo fiscal brasileiro

  • Origens do federalismo no Brasil e sua formação centrífuga

  • Desafios e desequilíbrios no federalismo fiscal brasileiro em relação aos municípios

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Constituição garante autonomia aos municípios, mas há equilíbrio fiscal? A centralização da arrecadação na União compromete a execução orçamentária municipal autônoma.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar se a autonomia orçamentária dos municípios é possível diante do modelo de federalismo fiscal proposto pela Constituição da República Federativa do Brasil. Para a elaboração deste estudo, foi utilizado o método de abordagem dedutivo, aliado à técnica de pesquisa bibliográfica e documental. A fundamentação teórica teve como fontes doutrinas e legislações referentes ao orçamento público e federalismo no Brasil. Da análise das origens do federalismo no Brasil, conclui-se que a sua formação centrífuga influenciou a predominância da União em relação aos demais entes federados, não obstante adoção do federalismo em três níveis na Constituição de 1988. Além disso, a elevação dos municípios a entes federados conferiu-lhes maiores atribuições, ao passo que as repartições das competências de arrecadação não foram proporcionais. Tal situação levou a um desequilíbrio fiscal vertical, em que se verifica uma descentralização na execução de políticas públicas aliada à concentração de recursos e competência legislativa residual reservada especialmente à União, fazendo com que os recursos arrecadados pelos Municípios não correspondam às suas atribuições e tornando-os continuamente dependentes dos repasses do ente central – sobretudo dos repasses voluntários. Como resultado, o orçamento municipal fica subordinado aos Estados a à União, sendo impossível suprir as demandas populacionais de maneira autônoma, contrariando, portanto, o próprio federalismo fiscal pretendido pela Constituição.

Palavras-chave: Autonomia; municípios; federalismo assimétrico; orçamento; pacto federativo.


INTRODUÇÃO

Do art. 1° da Constituição da República Federativa do Brasil, depreende-se que o princípio federativo é o princípio estruturante do Estado brasileiro, consagrado a partir da união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal. A característica basilar do Estado Federal é a autonomia reservada aos entes federados, decorrente de uma descentralização política, que, por sua vez, é executada através da divisão de competências. Assim, as partes autônomas do Estado Federal devem dispor sobre seus assuntos específicos mediante a atribuição de competências próprias a elas. Mais adiante, no art. 18, a Constituição reitera a forma federativa do Estado, ao afirmar que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. ” (BRASIL, 1988)

Concomitantemente às competências concedidas pela Constituição, são impostos encargos a cada um dos entes federados, cuja execução depende, impreterivelmente, de recursos financeiros suficientes. Dessa forma, a autonomia dos membros do Estado Federal, pretendida pela Constituição, só pode ser sustentada através de sua independência econômica, que por sua parte, é traduzida pela possibilidade de execução dos seus próprios orçamentos sem a contínua dependência dos entes centrais.

O pacto federativo adotado pela Constituição tem relação direta com o contexto histórico da organização do Estado brasileiro, a saber: o federalismo centrífugo.

Somente a partir da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, a definição de fronteiras e a autonomia dos entes subnacionais passaram a ser estipuladas. Portanto, no Brasil, o federalismo é centrífugo, “do centro para fora”, em que a união não foi resultado de um interesse comum pré-estabelecido. (GADELHA, 2018a, p.19)

Dessa forma, o acordo firmado entre a União e os estados federados ocorre no sentido de descentralizar a responsabilidade sobre os gastos. Com a elevação dos Municípios à categoria de entidade federativa, a partir de 1988, o Brasil passou a ter três esferas de governo, todas dotadas, em tese, de autonomia. No entanto, atualmente, o pacto federativo encontra-se desequilibrado verticalmente no que concerne às receitas e despesas dos entes descentralizados. Com isso, há uma excessiva centralização reguladora e arrecadatória por parte da União em detrimento de uma excessiva descentralização político-administrativa, mormente por parte dos Municípios.

O direito financeiro, por se ocupar da distribuição de receitas e despesas e tratar dos instrumentos da política fiscal, interage profundamente com a análise da organização do Estado brasileiro em seu sistema federativo. Dessa forma, este trabalho visa analisar se a autonomia da execução orçamentária dos municípios é possível diante do pacto federativo fiscal proposto pela Constituição. Para tanto, fez-se necessário compreender o Estado Federal e sua formação no Brasil, e, em seguida, delinear as premissas do pacto federativo fiscal determinado pela Constituição. Como este trabalho direciona sua análise para o menor dos entes federados – os Municípios -, foi analisado o seu surgimento enquanto ente federativo após 1988, suas competências e responsabilidades. Por fim, buscou-se tratar acerca do desequilíbrio fiscal vertical, abordando suas origens, manifestações e resultados nos orçamentos municipais.


1. BREVE ANÁLISE DA ORIGEM DO FEDERALISMO NO BRASIL

Federalismo é uma força de organização de Estado em que coexistem mais de uma organização política, cada qual com autonomia política, financeira e jurídica, consonantes com a própria Constituição. Os governos locais – Estados-membros, Distrito Federal e Municípios – estão resguardados de intervenções da União. No Brasil, o Estado Federal surgiu a partir do decreto n°. 01. de 15 de novembro de 1889, quando da Proclamação da República, originando-se a partir da divisão política de um Estado Unitário em Estados federados.

No caso brasileiro, o federalismo foi formado por segregação, isto é, a partir de uma divisão de Estados pré-existentes, distinguindo, por exemplo, dos Estados Unidos da América, cujo Estado Federal foi formado pela agregação de vários Estados. A origem do federalismo no Brasil, evidencia, ainda, outra particularidade: ele é centrífugo. Significa dizer que em sua construção houve uma tendência a descentralização em diversos aspectos, sejam eles políticos, administrativos ou financeiros. Não obstante o movimento descentralizador, o que se percebe a partir dos dispostos constitucionais é uma grande concentração de receitas para o ente central. Essa aparente divergência é explicada pelo contexto de formação do Estado federal brasileiro:

A visão de nosso federalismo como federalismo centrífugo explica a nossa federação extremamente centralizada, que, para aperfeiçoar-se, deve buscar constantemente a descentralização. Somos um Estado federal que surgiu a partir de um Estado unitário, o que explica a tradição centralizadora e autoritária que devemos procurar abandonar para construir uma federação moderna e um Estado democrático de Direito. (MAGALHÃES, 2004, p. 90)

Para compreender as características próprias do federalismo no Brasil, cumpre revisitar suas origens desde o começo da formação do Estado nacional. Desde a colonização do Brasil pelos portugueses, o território foi considerado uma unidade, dadas as suas proporções continentais. À vista disso, foi dividido em capitanias hereditárias de modo a facilitar a administração por parte da Coroa portuguesa. A partir da Independência, em 1822, o recém-inaugurado Império Brasileiro manteve a divisão em estados – antigas províncias – mas, de modo que, as decisões as políticas e administrativas permaneciam a cargo da figura do Imperador. Pode-se afirmar, portanto, que até este marco temporal, a divisão do Estado servia a propósitos centralizadores do Império, não constituindo, por isto, uma federação.

Com a proclamação da República em 1889, houve a tentativa de incorporar o federalismo norte-americano ao Estado brasileiro, diante da necessidade de conferir liberdade às províncias, que agora não mais se submetiam ao Império. A Constituição de 1891 (BRASIL, 1891) determinou, assim, o federalismo dual, ou seja, com competências e áreas de atuação privativa distintas entre a União e Estados. Os municípios, apesar de reconhecidos, foram organizados pelos Estados-membros.

A Constituição de 1934, por sua vez, foi elaborada em um contexto de ilimitado poder dos Estados-membros – decorrente da política “café com leite” -, que evidenciava grande influência dos governadores de Minas Gerais e São Paulo no poder da União. Diante disso, o novo texto constitucional instalou uma Federação baseada no modelo cooperativo, buscando reestabelecer os poderes no governo da União, mas, estabelecendo atribuições concorrentes com os entes subnacionais. Quanto ao pacto fiscal vigente, o art. 9° previa a possibilidade de os Estados celebrarem acordos com a União para melhorar a arrecadação de impostos. Aos Municípios foram atribuídas competências legislativas, reconhecendo-lhes autonomia majoritariamente política.

A combinação de competências privativas e concorrentes prosseguiu nas Constituições posteriores, não obstante a existência de períodos ditatoriais. Assim, até a outorga das Cartas de 1967 (BRASIL, 1967) e de 1969 (BRASIL, 1969), os municípios não possuíam competências orçamentárias privativas. Apenas com a Lei Complementar n°. 01. de 1967 (BRASIL, 1967) os municípios adquiriram competência sobre o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto Sobre Serviços (ISS), além de figurarem como destinatários da repartição de receitas da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em virtude do contexto social e populacional que vigorava no Brasil, a ditadura foi responsável por empreender as primeiras medidas de descentralização (ROMANELLI, 2016).

Nota-se, assim, que o sistema federativo do Brasil, desenvolveu-se com a predominância da União sobre os demais entes federados. Este panorama só foi alterado a partir da Constituição de 1988, em que o federalismo foi levado a três níveis: União, Estados e Municípios. Este entendimento é essencial para a compreensão dos circunstancias que levam ao atual desequilíbrio das relações fiscais no Brasil, já, embora o Estado Federal, em tese, preze pela autonomia dos entes, na prática, o país tende a centralizar recursos demasiadamente, provocando uma assimetria no federalismo.

Uma das características basilares do Estado Federal é a autonomia concedida aos entes federados, “[...] que lhes permite atuar com certa liberdade dentro dos padrões definidos na Carta federal. ” (CARVALHO FILHO, 2001, p.200). Assim, os Estados-membros e municípios são dotados de autonomia em três níveis: política, administrativa e financeira. A autonomia financeira diz respeito à possibilidade de gerir o próprio orçamento, arrecadando e despendendo os recursos sem interferência dos demais entes e de forma a fazer frente às suas necessidades e obrigações. Para que este princípio seja respeitado é necessário que haja a repartição constitucional de competências entre as unidades descentralizadas

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Para que a distribuição de encargos não configure um desequilíbrio deve haver acompanhamento do suporte financeiro, seja por meio de repasse de verbas ou de arrecadação. “Por tal fato, impõe-se, ao lado da repartição constitucional de competências, anotar a necessidade de que os Estados ou mesma a União tenha rendas próprias todas consagradas na Constituição Federal, pelos motivos anteriormente expostos. ” (ARAÚJO, 2010, p.286)

Quando há um descompasso entre a atribuição de competências e a distribuição de receitas tem-se uma assimetria no federalismo fiscal, o que desqualifica os atributos básicos do próprio federalismo. Segundo Ricardo Lewandowski, o federalismo assenta-se em quatro premissas, sendo elas: “(a) repartição de competências, (b) autonomia política das unidades federadas; (c) participação dos membros na decisão da União; (d) atribuição de renda própria às esferas de competência”. (LEWANDOWSKI apud TORRES, 2014, p.34). Por conseguinte, pelo desequilíbrio de um dos seus atributos, resta comprometida a autonomia esperada dos entes federados.


2. FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO

O federalismo fiscal analisa como os entes de uma federação se organizam para otimizar a arrecadação de recursos. Resulta, pois, na distribuição de competências nos três níveis de governo – no caso do Brasil -, de modo que que cada um possa elaborar seu próprio orçamento. Em outras palavras:

[...] é a parte do acordo federativo que atribui para cada ente da federação a competência para arrecadar um determinado tipo de tributo, a repartição de receitas tributárias entre esses entes, assim como a responsabilidade de cada ente na alocação dos recursos públicos e prestação de bens e serviços públicos para a sociedade. Trata da divisão das responsabilidades entre os diferentes níveis de governo (Federal, Estadual e Municipal) ao conferir competências tributárias e obrigações de gasto público às esferas governamentais, promovendo a descentralização econômica. (GADELHA, 2017a, p.7)

Como já explanado, a descentralização é uma característica inerente ao Estado Federal, e, assim sendo, é transferido aos governos subnacionais algumas atribuições que, outrora, eram do governo central.

Entretanto, o pacto fiscal atualmente está “torto”, com manifesto desequilíbrio em favor da União. (OLIVEIRA, 2010, p.43). O problema origina-se na divisão de competências no texto constitucional que não é clara ao distribuir os encargos e responsabilidades, gerando competências conjuntas e concorrentes. Com a Constituição de 1988, a União passou a transferir mais recursos para os municípios, entretanto, ampliou suas responsabilidades – sobretudo no tocante à seguridade social – de maneira desproporcional. “Os Municípios tiveram que intervir onde a União não intervinha, enquanto os Estados não tiveram sua capacidade de receita sustentada, dificultando a manutenção do nível de exigência das competências sociais” (GADELHA, 2017b, p.13)

Partindo do pressuposto que o federalismo fiscal depende da independência fiscal, resta imprescindível analisar as competências constitucionais que orientam cada ente na elaboração de seu orçamento.

2.1. A repartição vertical de competências na Constituição Federal

A repartição vertical de competências que se estruturou no Brasil é um tanto quanto complexa. Coexistem competências exclusivas e privativas, entre as entidades federadas, com as competências concorrentes, repartidas em níveis distintos. Além disso, existem competências comuns a todas as entidades federadas. O direito financeiro, tributário, econômico e o orçamento, a saber, é de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, conforme o art. 24, I, da Constituição. Ademais, na linha do parágrafo 1° do art. 24, a União fica limitada a estabelecer normas gerais. A repartição das competências pode ser resumida da seguinte maneira:

A Constituição brasileira [...] busca realizar o equilíbrio federativo, por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (arts. 21. e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1°) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (art. 30), mas combina com essa reserva de campos específicos (nem sempre exclusivos, mas apenas privativos), possibilidades de delegação (art. 22, parágrafo único), áreas comuns que se preveem atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23), e setores concorrentes entre União e Estados, em que a competência para estabelecer políticas, diretrizes gerais ou normas gerais cabe à União, enquanto que se defere aos Estados e até aos municípios a competência suplementar. (SILVA, 2005, p.479)

A descentralização fiscal – parte integrante do pacto federativo – implica a transferência de competências tributárias e fiscais, bem como as decisões fiscais do ente, de modo a aproximá-los das demandas populacionais, tornando-os mais efetivos.

No que diz respeito à eficiência de arrecadação, a Constituição listou, em seus artigos 153 a 156, as competências tributárias, modelando o pacto federativo fiscal de modo a concentrar os tributos de maior receita na União, após Estados, e, por último, os Municípios. De mesmo modo, dispôs a repartição das receitas tributarias, de modo direto e indireto, permitindo que uma entidade política participe das receitas tributarias de outra. Além disso, para equilibrar o orçamento dos entes, a Constituição ainda previu o repasse de receitas do Governo Federal para os Estados-membros. “Com essa repartição, a receita de cada ente federativo passa a ser o somatório dos tributos de sua competência mais o saldo líquido das transferências intergovernamentais. ” (LEITE, 2021, p.92)

A participação de uma entidade política na receita tributária de outra pode ocorrer pela: a) participação do total do produto da arrecadação de impostos; b) participação sob a forma de percentual do produto da arrecadação de impostos; c) participação em Fundos. O que se depreende da análise da Constituição, no que tange à divisão de competências fiscais, é que apenas a União pode instituir novos tributos, sendo os Municípios e Estados impedidos de aumentarem suas receitas próprias.

Acentuando o problema, as definições de responsabilidades dos entes federativos são constantemente alteradas, quase sempre em descompasso com a proporcionalidade de suas receitas. O que se sucede é a concentração de recursos no caixa da União, desfavorecendo, sobretudo os Municípios – os entes menores – que ficam sujeitos à arrecadação central.


3. OS MUNICÍPIOS COMO ENTES FEDERADOS

Todas as Constituições brasileiras, desde 1891, adotaram, de algum modo, o modelo federativo, mas foi somente na Constituição de 1988 que os Municípios foram incluídos como entes de federação. Em virtude disso, desponta no âmbito da organização do Estado a autonomia municipal, que se traduz em quatro aspectos: a) auto-organização; b) autogoverno; c) autolegislação; d) autoadministração. Como já exposto anteriormente, autonomia implica atribuição de competências e, estas, só se realizam à medida que o Município possa determinar seu próprio orçamento.

No que concerne às competências, o art. 30. da Constituição aduz que os Municípios têm competências privativas para tratar de serviços públicos de caráter local, como transporte coletivo e leis de parcelamento de solo. Além disso, é importante destacar que pela redação do § 3° do art. 24, os municípios não podem legislar de forma suplementar nos conteúdos que envolvem direito financeiro, econômico, tributação e orçamento.

Ocorre que, o art. 23, ao listar as competências comuns aos três entes da federação – e, assim, inclusos os Municípios -, inclui a responsabilidade pela saúde e assistência pública; a proteção ambiental; o combate à pobreza e a educação para o trânsito. Ou seja, a distribuição de encargos deveria, em teoria, ser sustentada por [...] “recursos financeiros próprios e prerrogativas legislativas amplas para solucionar os problemas e planejar o desenvolvimento da região. ” (GADELHA, 2017b, p.15).

Além disso, a autoridade para a criação de tributos não previstos na constituição originária, ou seja, a competência residual, é exclusiva da União. Significa, portanto, que a União aumenta a arrecadação de tributos não repassados, ao passo que os Municípios não conseguem melhorar sua base arrecadatória própria.

3.1. Os repasses intergovernamentais e a composição do orçamento municipal

As receitas que compõe o orçamento municipal são, essencialmente, provenientes da arrecadação de impostos municipais, acrescidas dos repasses feitos pelo Governo Federal e Estadual. Outras receitas correntes incluem ainda arrecadação de fundos, multas, juros e atualização monetária de dívidas ativas, indenizações, restituições, entre outras fontes.

Os repasses podem ser obrigatórios ou voluntários. Os obrigatórios devem, necessariamente, ser repassados aos Municípios, fazendo parte de suas receitas correntes, conforme dispõe a Lei de Responsabilidade Fiscal. Já os repasses voluntários são reservados pelos Entes maiores de acordo com as áreas do interesse, podendo ocorrer através de convênios, contratos de repasse ou parceria. Tais transferências entre governos seriam a forma do Estado evitar uma autonomia cambaleante. Nos repasses vinculados, a arrecadação dos mesmos não é, podendo a União realizar desonerações sobre eles, impactando a redistribuição para os municípios.

A situação é ainda mais instável sob o ponto de vista dos repasses voluntários, já que os contratos feitos com a União, demandam uma contrapartida por parte dos Municípios e os recursos ficam dependentes das liberalidades do Governo Federal. Além disso, há outro fator de extrema relevância no que diz respeito aos recursos voluntários: as transferências politicamente motivadas. Isto é, o ano eleitoral e o fato dos prefeitos pertencerem ou não ao mesmo partido do Governo central compromete a importância dos recursos recebidos, restando claro que, em vez de cooperação, há uma intervenção na autonomia política e econômica dos municípios.

Segundo os dados do Portal do Município, na cidade de São Paulo (SP) – a maior cidade brasileira -, por exemplo, 32,95% das suas receitas são oriundas dos repasses intergovernamentais. Em Belo Horizonte (MG), o valor corresponde a 56,7%; em Montes Claros (MG), a 76,83% e em Francisco Sá (MG), a 84,93%. A simples análise desses dados mostra que até mesmo a cidade mais rica do Brasil depende dos recursos repassados, visto que pelo menos 1/3 de suas receitas advém desta fonte.

Comparando, ainda, com os dados do IBGE de 2018, percebe-se que as cidades com o menor PIB per capita são aquelas em que a maior parte da receita municipal é composta pelos repasses intergovernamentais. Conclui-se, por conseguinte, que as cidades menores não sobrevivem sem estes repasses, que chegam a representar mais de 80% das receitas municipais.

Tabela 1: Receita dos municípios x PIB per capita

Município

Receita de transferência intergovernamental (2018)

PIB per capita (2018)

Belo Horizonte (MG)

49,52%

R$ 36.759,66

Francisco Sá (MG)

83,73%

R$ 13.826,93

Montes Claros (MG)

65,7%

R$ 23.323,68

São Paulo (SP)

32,36%

R$ 58.691,9

Fonte: Portal Meu Município, 2021.

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Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMARGOS, Ana Luiza Vieira ; SOUZA, Hanna Ferreira. A (im)possibilidade do exercício orçamentário municipal autônomo diante da assimetria fiscal no federalismo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8046, 12 jul. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114762. Acesso em: 5 dez. 2025.

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