Capa da publicação Monopólios e conluios nos serviços públicos
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Regulação e gestão de serviços públicos: uma análise das distorções de mercado e seus impactos

Resumo:


  • A economia de mercado idealizada é baseada na concorrência perfeita, mas a realidade frequentemente apresenta distorções, como monopólios e oligopólios.

  • Os acordos entre empresas em mercados concentrados podem assumir formas como cartéis e conluios tácitos, visando à maximização de lucros conjuntos, em detrimento da concorrência.

  • A liderança de preços, exemplificada pelo caso GE/Westinghouse, é uma estratégia em mercados concentrados onde uma empresa dita os preços e as demais seguem, podendo resultar em preços artificialmente elevados e restrição da concorrência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Como as distorções de mercado afetam a regulação de serviços públicos? Intervenção é necessária para combater monopólios, oligopólios e conluios prejudiciais.

Introdução

A economia de mercado, em sua concepção ideal de concorrência perfeita, serve como um referencial teórico fundamental para a compreensão das dinâmicas econômicas. Contudo, a realidade dos mercados frequentemente se desvia desse modelo ideal, apresentando diversas distorções que afetam a eficiência alocativa e o bem-estar social. Este artigo tem como objetivo analisar as principais falhas de mercado, como monopólios, oligopólios e conluios, e discutir seus impactos na regulação e gestão de serviços públicos. Serão explorados os conceitos teóricos dessas distorções, bem como suas manifestações práticas, com foco na importância da intervenção regulatória para mitigar seus efeitos adversos e promover um ambiente de mercado mais equitativo e eficiente. A análise se aprofundará na compreensão de como a interdependência das decisões empresariais em mercados concentrados pode levar a acordos que, embora lucrativos para as firmas, prejudicam a concorrência e os consumidores.


Distorções de Mercado e o Modelo de Concorrência Perfeita

O modelo de concorrência perfeita, embora idealizado, pressupõe um mercado atomizado, com inúmeros produtores e consumidores, onde nenhum agente individualmente detém poder de mercado significativo. Caracteriza-se pela homogeneidade do produto, livre entrada e saída de empresas, transparência informacional e perfeita mobilidade dos fatores de produção. No entanto, a realidade econômica frequentemente diverge desse ideal, manifestando-se em diversas distorções, tais como:

  • Monopólio: Caracterizado pela existência de um único vendedor no mercado. Pode ser de natureza legal, quando assegurado por legislação específica, ou natural, quando a produção monopolística se revela a forma mais eficiente e de menor custo para a fabricação de um determinado produto ou serviço.

  • Oligopólio: Configura-se pela presença de um pequeno número de produtores que dominam a maior parte do mercado. A interdependência entre as decisões dessas empresas é uma característica marcante, influenciando diretamente o comportamento de preços e a dinâmica competitiva.

  • Monopsônio: Ocorre quando há apenas um comprador para um determinado produto ou serviço, conferindo a este um poder de mercado considerável sobre os vendedores.

  • Oligopsônio: Observado quando um pequeno número de compradores é responsável por uma parcela significativa das aquisições no mercado, exercendo influência sobre os preços e condições de venda.

  • Concorrência Monopolística: Refere-se a um mercado com um grande número de produtores, mas onde cada um atua como um monopolista de seu produto devido à diferenciação. Essa diferenciação pode ser baseada em atributos como qualidade, marca, design ou características específicas, permitindo que as empresas exerçam algum controle sobre o preço de seus produtos, apesar da existência de substitutos próximos.

Em mercados mais concentrados, a percepção e utilização da interdependência das decisões empresariais são facilitadas. A relevância dessa consideração para a teoria microeconômica reside na frequência e significância das estruturas oligopolizadas no cenário econômico real. A superação das dificuldades teóricas em tratar analiticamente as estratégias empresariais é crucial, pois empresas oligopolistas tendem a buscar a cooperação para maximizar seus lucros. A competição irrestrita, nesse contexto, pode levar a uma situação que não é Pareto ótima, ou seja, onde seria possível melhorar a situação de uma empresa sem piorar a de outra. Dessa forma, a percepção da inconsistência da competição para a lucratividade, aliada à interdependência das decisões, pode induzir a adoção de estratégias de acordos, visando a elevação conjunta dos lucros. Contudo, a formação de tais acordos acarreta problemas significativos para o funcionamento do mercado, comprometendo a eficiência econômica e, principalmente, prejudicando os consumidores por meio da elevação de preços. O resultado da cooperação entre as firmas, de fato, aproxima-se de uma situação de monopólio, com oferta reduzida e preços elevados em comparação a um cenário de concorrência plena.


Cartéis e Conluios: Formas de Acordos e Suas Implicações

Os acordos entre empresas em mercados concentrados podem assumir diferentes formas, sendo as mais proeminentes os cartéis e os conluios tácitos. Ambos representam estratégias de coordenação de comportamento que visam à maximização dos lucros conjuntos, em detrimento da concorrência e do bem-estar do consumidor.

  • Cartéis: Caracterizam-se por acordos formais e explícitos entre empresas rivais. Nesses arranjos, as empresas se comunicam abertamente para combinar preços, repartir mercados, limitar a produção ou estabelecer outras regras de comportamento que restrinjam a competição. Embora não seja necessário que todos os produtores de uma indústria integrem o cartel, quanto maior o subconjunto de participantes, mais eficaz será o controle exercido sobre o mercado. A formação de cartéis é ilegal na maioria das jurisdições, sendo combatida por legislações antitruste devido aos seus efeitos deletérios sobre a eficiência econômica e os consumidores.

  • Conluio Tácito: Diferentemente dos cartéis, o conluio tácito não envolve comunicação explícita ou acordos formais. Ele surge da racionalidade econômica das empresas, que, ao longo da interação no mercado, percebem que determinadas condutas cooperativas são mais vantajosas do que a competição. As firmas aprendem com a experiência e adotam um padrão implícito de comportamento, sem a necessidade de um combinado direto. Apesar de sua natureza não explícita, os conluios tácitos também são condenados pela jurisprudência, pois seus efeitos sobre a concorrência são semelhantes aos dos cartéis. A inferência da existência de um conluio tácito pode ser feita pela observação de dados de mercado (preços, quantidades, custos) que revelem uma solução próxima à de um cartel.

A formação de coalizões, sejam elas explícitas ou tácitas, enfrenta desafios como a definição do formato do acordo, o incentivo à trapaça por parte dos participantes e a necessidade de monitoramento para garantir o cumprimento das regras estabelecidas. No entanto, os incentivos gerados pela lucratividade excessiva decorrente da distorção dos preços frequentemente superam esses problemas, facilitando a concretização dos acordos. A probabilidade de êxito dos conluios é maior em mercados com poucos vendedores (o que facilita a coordenação), muitos compradores e onde as firmas possuem um bom conhecimento do comportamento umas das outras.

Um exemplo histórico notório de oligopólio e suas tendências a acordos pode ser observado na indústria química. Nos anos 1920, grandes empresas do setor, como a Imperial Chemical Industries (ICI), empresas alemãs e a Du Pont, estabeleceram um acordo de divisão de mercados geográficos. Essa prática, embora não explicitamente denominada cartel no texto original, demonstra a propensão de indústrias concentradas a buscarem a cooperação para maximizar lucros, mesmo que isso implique em restrições à concorrência. A concentração e o poder de influência no mercado, aliados a barreiras à entrada que impedem a livre mobilidade de capital e a entrada de novos produtores, reforçam a capacidade dessas empresas de determinar artificialmente os preços de seus produtos.


Liderança de Preços e o Caso GE/Westinghouse

Em mercados de indústria concentrada, a lei da competição é frequentemente substituída pela segurança dos acordos entre pares, visando à estabilidade e maximização dos lucros. Um dos mecanismos observados nesse contexto é a liderança de preços (price leadership), onde uma empresa dominante no mercado, geralmente o maior produtor isolado de uma mercadoria, dita as variações de preço, e as demais empresas a seguem. Não há vantagem para os seguidores em cotar um preço abaixo do líder, pois este simplesmente reduziria seu preço para o mesmo nível, resultando em perdas para todos.

Para que a liderança de preços persista, é comum que exista um acordo tácito, ou mesmo explícito, que impeça qualquer empresa de tentar alterar drasticamente sua participação no mercado. Isso se alinha com a ideia de conluios, que são acordos entre empresas para combinar preços, margens, repartir mercados, limitar a produção ou investimento, ou coordenar outros comportamentos. Embora conluios explícitos sejam ilegais, os acordos tácitos são frequentemente adotados pelas empresas, e também são condenados pela jurisprudência, dado o seu impacto anticompetitivo.

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A teoria econômica sugere a existência de um conluio quando a análise de dados de mercado, como preços, quantidades e custos, revela uma solução próxima à de um cartel. Não é estritamente necessário que os responsáveis das empresas troquem informações para que um cartel exista; a mera existência de um “ponto focal” pode ser suficiente para provar uma situação de coligação, conforme a teoria dos jogos.

O caso da General Electric (GE) e da Westinghouse no mercado de geradores elétricos é um exemplo clássico de liderança de preços e conluio tácito. A GE atuava como líder, e a Westinghouse como sua principal seguidora. O texto original menciona que, em menos de um ano, a Westinghouse adotou a política da GE de publicar um livro de preços e oferecer uma cláusula de proteção de preços. Exceto por um breve período de redução de preços em 1964, os preços cobrados por ambas as empresas permaneceram estáveis e idênticos até 1975. É importante ressaltar que o paralelismo de preços não implica necessariamente que os preços sejam idênticos, e empresas podem empregar mecanismos elaborados para evitar a detecção, como a alternância na liderança de aumentos de preços.

Uma das observações que permite inferir a existência de um cartel tácito é a relativa independência dos preços finais em relação aos custos. No caso GE/Westinghouse, os preços para grandes geradores de turbinas diminuíram em 50% entre 1958 e 1963, o que pode ser uma evidência de que os preços não estavam diretamente atrelados aos custos de produção, mas sim a uma estratégia de mercado coordenada.

A prática da liderança de preços, por si só, não exige uma conspiração ilegal ou reuniões para estabelecer preços e repartir mercados, especialmente quando se trata de produtos similares e de fabricação frequente. No entanto, para produtos feitos sob encomenda, como os geradores de turbinas, onde os vendedores são escolhidos por negociação direta ou por licitações seladas, a tentação de infringir as leis antitruste é maior. Nesses casos, para que o comércio desfrute de estabilidade de preço e mercados divididos tranquilamente, os administradores podem conspirar. Foi o que ocorreu com os fabricantes de geradores elétricos, que se reuniram para fixar preços e repartir mercados. Essa prática durou vários anos, mas no início dos anos 1980, o Departamento de Justiça dos EUA concluiu que a política restringia a competição de preços e violava a legislação antitruste do país, a Sherman Antitrust Act. Consequentemente, a GE e a Westinghouse se submeteram à decisão e abandonaram a prática comercial.


Conclusão

As distorções de mercado, como monopólios, oligopólios, monopsônios, oligopsônios e concorrência monopolística, representam desvios significativos do modelo ideal de concorrência perfeita. Essas falhas de mercado, especialmente em setores concentrados, podem levar à formação de acordos, explícitos ou tácitos, entre as empresas, com o objetivo de maximizar lucros em detrimento da eficiência econômica e do bem-estar dos consumidores. A análise do caso GE/Westinghouse ilustra claramente como a liderança de preços e os conluios tácitos podem operar, resultando em preços artificialmente elevados e restrição da concorrência.

A regulação e a gestão de serviços públicos desempenham um papel crucial na mitigação dos efeitos adversos dessas distorções. A intervenção regulatória é essencial para garantir que os mercados operem de forma mais justa e eficiente, protegendo os consumidores e promovendo um ambiente competitivo saudável. A identificação e o combate a práticas anticompetitivas, como cartéis e conluios, são fundamentais para a manutenção da integridade do mercado e para o cumprimento dos princípios da administração pública, que visam ao interesse coletivo. A constante vigilância e a aplicação rigorosa das leis antitruste são indispensáveis para coibir abusos de poder econômico e assegurar que os benefícios da concorrência sejam efetivamente usufruídos pela sociedade.


Referências Bibliográficas

https://jus.com.br/artigos/2337/a-importancia-do-conceito-de-mercado-relevante-na-analise-antitruste

https://www.uff.br/cpgeconomia/novosite/arquivos/tese/2007-gustavo_flores.pdf

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-06182008000100007&script=sci_arttext

https://books.google.com.br/books?id=lBQCU3svvFEC&pg=PA345&lpg=PA345&dq=conluio+t%C3%A1cito&source=bl&ots=OLh8njNs3b&sig=QzWl8M7T5SaOPMWBR&ei=LDMETO3eFoqTuAfjwLj3DQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=3&ved=0CCEQ6AEwAg#v=onepage&q=conluio%

https://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/a-grande-mentira-da-teoria-economica/20633/

https://www.concorrencia.pt/Download/Discurso_Juizes.pdf

https://www.skywalker.com.br/artigos/corpo.php?id=101

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Gabriela dos Santos Ribeiro

Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro.

Bruna Fioravante de Matos

Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (FJP/MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Gabriela Santos ; MATOS, Bruna Fioravante. Regulação e gestão de serviços públicos: uma análise das distorções de mercado e seus impactos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8064, 30 jul. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114822. Acesso em: 5 dez. 2025.

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