Recentemente, autoridades norte-americanas decidiram, de forma unilateral, impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. A justificativa oficial baseou-se na alegação de que o Brasil mantém barreiras tarifárias e não tarifárias ao comércio bilateral, além da suposta ausência de reciprocidade nas relações econômicas entre os dois países. Tal narrativa, contudo, revela-se factualmente errada, sobretudo diante do saldo superavitário da balança comercial em favor dos Estados Unidos desde o ano de 2009.
Mais grave, entretanto, é a inclusão, no comunicado do governo norte-americano, de fundamentos de natureza política, com destaque para referências a decisões do Supremo Tribunal Federal relacionadas ao julgamento dos eventos ocorridos em 8 de janeiro de 2023. A inserção de motivações político-institucionais na formulação de medidas comerciais pode ser interpretada como tentativa de ingerência em questões de soberania nacional, o que acirra a sensibilidade diplomática do episódio.
Nesse contexto, observou-se, nas redes sociais, a manifestação de cidadãos brasileiros que não apenas declararam apoio às tarifas impostas, mas também afirmaram ter atuado ativamente na interlocução com autoridades estrangeiras, influenciando, segundo suas próprias declarações, a decisão do governo norte-americano. Tais condutas, se confirmadas, podem ultrapassar o campo da livre manifestação de opinião e configurar hipótese de responsabilização jurídico-penal, à luz da legislação militar brasileira.
O art. 141 do Código Penal Militar tipifica como crime o ato de “entrar em entendimento com país estrangeiro, ou com organização nele existente, para gerar conflito ou divergência de caráter internacional entre o Brasil e qualquer outro país, ou para lhes perturbar as relações diplomáticas”. O bem jurídico tutelado é a segurança externa do Estado brasileiro, em especial a preservação da soberania nacional e da estabilidade das relações internacionais. Trata-se de crime militar impróprio, ou seja, pode ser cometido por civis. A pena prevista é de reclusão de 4 a 8 anos na forma básica, e de 6 a 18 anos caso o ato resulte na ruptura de relações diplomáticas.
A ação penal é pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça, conforme dispõe o art. 122 do CPM, quando não houver coautoria militar. Essa requisição constitui condição de procedibilidade e possui natureza jurídica de ato administrativo vinculado. Após sua formalização, o Ministério Público Militar (MPM) passa a ser o titular da ação penal, podendo, no entanto, promover o arquivamento da requisição caso não identifique indícios mínimos de autoria ou de materialidade delitiva.
A competência para o processo e julgamento é da Justiça Militar da União, por se tratar de justiça especializada incumbida da aplicação do direito penal militar. No entanto, caso o autor da conduta seja detentor de foro por prerrogativa de função previsto na Constituição, caberá ao respectivo tribunal constitucionalmente competente o processamento e julgamento da causa.
Dessa forma, qualquer indivíduo — brasileiro ou estrangeiro, civil ou militar — que tenha atuado, de forma deliberada e coordenada, junto a autoridades dos EUA para influenciar a adoção de medidas comerciais hostis contra o Brasil, pode, em tese, ser responsabilizado criminalmente com fundamento no art. 141 do CPM. A eventual responsabilização dependerá da comprovação da existência de dolo específico e do nexo de causalidade entre a conduta praticada e os efeitos diplomáticos adversos gerados contra o Estado brasileiro.