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Insider trading cambial e geopolítica econômica.

A investigação brasileira sobre o tarifaço de Trump e seus reflexos jurídicos

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25/07/2025 às 15:00

Resumo:


  • O artigo analisa investigação sobre operações cambiais suspeitas após anúncio de tarifas pelos EUA contra o Brasil em 2025.

  • Destaca possíveis práticas de insider trading envolvendo agentes públicos e acesso a informações privilegiadas.

  • Aborda desafios jurídicos, econômicos e geopolíticos da prática, incluindo a necessidade de cooperação internacional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Operações atípicas sugerem a prática de insider trading cambial após anúncio de tarifas dos EUA. Há crime se agentes públicos lucraram com informação privilegiada?

Resumo: Este artigo analisa a recente investigação aberta pelo Supremo Tribunal Federal acerca de supostas operações cambiais suspeitas relacionadas ao anúncio unilateral de tarifas pelos Estados Unidos contra o Brasil, ocorrido em julho de 2025. O foco recai sobre possíveis práticas de insider trading, mesmo em âmbito internacional, com base em informações privilegiadas acessadas por agentes públicos brasileiros. A partir de uma abordagem interdisciplinar, examinam-se os contornos jurídicos, econômicos e geopolíticos da prática, destacando os desafios de sua tipificação e apuração quando os mercados são transnacionais. O estudo também analisa a competência do STF, a atuação da CVM e o papel da cooperação internacional na repressão a ilícitos financeiros complexos.

Palavras-chave: Insider trading; mercado cambial; STF; informações privilegiadas; tarifas unilaterais; geopolítica econômica; cooperação internacional.

Sumário: 1. Introdução. 2. Insider Trading: Fundamentos e Evolução Conceitual. 3. Insider Trading: Fundamentos e Evolução Conceitual. 4. O papel das Informações Econômicas Sensíveis na Formulação de Políticas Públicas: Sigilo, Ética e Governança Estatal. 5. Responsabilidade Penal Administrativa de Agentes Públicos e Particulares: Ato de Improbidade, Crime Funcional e Sanções à Pessoa Jurídica. 5.1. Ato de Improbidade Administrativa. 5.2. Crimes Funcionais e Crimes contra o Sistema Financeiro. 5.3. Sanções à Pessoa Jurídica. 5.4 Responsabilidade Funcional e O Dever de Lealdade Institucional. 6. Desafios Investigativos e Institucionais. 7. Conclusões. Referências.


1. Introdução

No dia 9 de julho de 2025, o mercado financeiro brasileiro foi surpreendido por uma intensa oscilação na cotação do dólar norte-americano, que atingiu alta expressiva logo nas primeiras horas de negociação.

Essa valorização abrupta da moeda estrangeira coincidiu com rumores de que o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, caso eleito, promoveria um novo pacote de medidas protecionistas — o chamado "tarifaço" — com impacto direto sobre países emergentes, dentre eles o Brasil. No mesmo dia, vultosas operações de compra de contratos futuros de dólar foram detectadas no mercado da BM&F, resultando em lucros milionários para determinados agentes econômicos.

A gravidade da movimentação chamou a atenção das autoridades brasileiras. A Advocacia-Geral da União (AGU) e o Banco Central do Brasil (BACEN) comunicaram indícios de uso de informação privilegiada, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito para apurar eventual prática de insider trading envolvendo agentes com acesso prévio a dados de política externa e econômica.

O episódio reacendeu o debate sobre os limites do uso de informações confidenciais em mercados não tradicionais de valores mobiliários, como o mercado de câmbio, e colocou em evidência as fragilidades do arcabouço normativo brasileiro diante de práticas transnacionais de manipulação financeira.

Tradicionalmente associado ao uso indevido de informações relevantes no âmbito do mercado de ações, o insider trading tem expandido seu campo de incidência para outros setores, como o mercado de derivativos, commodities e operações cambiais, notadamente quando envolvem decisões de natureza estatal com repercussão econômica ampla.

A complexidade do caso em análise exige abordagem interdisciplinar que considere, simultaneamente, os elementos do direito penal econômico, do direito do mercado financeiro, da governança internacional e da geopolítica comercial.

O presente artigo tem por objetivo analisar criticamente os contornos jurídicos do insider trading aplicado às operações cambiais, à luz do ordenamento jurídico brasileiro e das práticas internacionais.

Busca-se compreender se o marco regulatório atual é capaz de conter práticas oportunistas que envolvem agentes públicos ou privados com acesso privilegiado a informações de políticas macroeconômicas, sobretudo em contextos de volatilidade geopolítica.

Parte-se do estudo do caso concreto vinculado ao “tarifaço” anunciado por Trump, tomando-o como ponto de partida para refletir sobre os limites da responsabilização, a eficácia da atuação estatal e os desafios da extraterritorialidade das condutas em mercados globalizados.


2. Insider Trading: Fundamentos e Evolução Conceitual

O insider trading — ou uso indevido de informação privilegiada — constitui prática ilícita caracterizada pela negociação de ativos no mercado financeiro por indivíduos que detenham, em razão de sua posição, função ou relacionamento, acesso a informações relevantes ainda não divulgadas ao público. Essa conduta é vedada porque fere o princípio da simetria informacional, que é basilar ao funcionamento eficiente e justo dos mercados de capitais.

No ordenamento jurídico brasileiro, o insider trading encontra previsão expressa no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976, com redação conferida pela Lei nº 10.303/2001. O dispositivo tipifica como crime a utilização de informação relevante ainda não divulgada ao mercado, obtida em razão de cargo ou função, para obter vantagem econômica mediante negociação de valores mobiliários.

Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, da qual tenha conhecimento, em razão do cargo que ocupa na companhia, ou com ela se relacione, para obter, para si ou para outrem, vantagem, mediante negociação, por conta própria ou de terceiro, de valores mobiliários: Pena: reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o valor da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

A legislação brasileira, embora inspirada em modelos anglo-americanos, não limita o crime ao “insider primário” (como diretores ou administradores de companhias abertas), permitindo também a responsabilização de terceiros que, por meio de relação de confiança ou convivência, tenham acesso à informação sigilosa — os chamados “insiders secundários” ou “tippees”.

A jurisprudência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem contribuído para o delineamento dos elementos constitutivos da infração administrativa, especialmente ao exigir a demonstração de três pressupostos essenciais: (i) acesso à informação relevante e ainda não divulgada; (ii) utilização dessa informação para negociação; e (iii) obtenção de vantagem econômica. Há entendimento da autarquia destacou que a mera detenção da informação não configura infração, sendo necessário comprovar seu uso efetivo em operações de mercado.

No plano penal, prevalece a premissa de que há legitimidade da persecução penal em hipóteses de uso de informação privilegiada, desde que presentes indícios mínimos de autoria e materialidade, reconhecendo a tipicidade formal e material da conduta.

A evolução do conceito de insider trading tem acompanhado a complexificação dos mercados financeiros e a ampliação dos instrumentos negociados. Atualmente, admite-se que a infração possa ocorrer em mercados paralelos, como o de derivativos cambiais, commodities ou criptomoedas.

Essa expansão ocorre porque esses mercados, cada vez mais líquidos e interconectados globalmente, oferecem novas oportunidades para o uso indevido de informações, especialmente quando decisões estatais — como mudanças de tarifas alfandegárias, alterações na taxa Selic ou políticas cambiais — sejam conhecidas antecipadamente por determinados grupos.

No direito comparado, a jurisprudência norte-americana tem papel central na consolidação do conceito de insider trading, com destaque para os casos SEC v. Texas Gulf Sulphur Co. (1968), que consagrou a doutrina da paridade de informação (“disclose or abstain”), e United States v. O’Hagan (1997), que ampliou o alcance da proibição ao reconhecer o uso de informação obtida por relação fiduciária com terceiros.

Em contexto globalizado, a aplicação do conceito de insider trading a operações cambiais apresenta desafios específicos. O câmbio, por sua própria natureza, escapa muitas vezes à regulação direta das autoridades de valores mobiliários.

Contudo, a jurisprudência internacional já reconhece que variações cambiais provocadas por atos de governo — como aumentos tarifários, alterações em políticas monetárias ou sanções internacionais — podem ser objeto de uso indevido de informação, atraindo sanções tanto administrativas quanto criminais, conforme os regimes jurídicos locais.

No caso concreto brasileiro, a suspeita de uso de informação antecipada sobre um anúncio tarifário com repercussões internacionais revela o caráter híbrido e transnacional do insider trading contemporâneo, exigindo novas formas de cooperação regulatória, interpretação sistêmica da legislação vigente e reforço da governança ética na condução de políticas públicas e de decisões com potencial de impacto nos mercados.


3. Operações Cambiais e Insider Trading: Enquadramento Jurídico e Desafios Regulatórios no Brasil

O ordenamento jurídico brasileiro não apresenta, até o momento, disciplina específica que trate do insider trading em operações cambiais. Essa lacuna normativa se revela particularmente sensível em contextos nos quais decisões governamentais, com elevado impacto econômico, são de conhecimento prévio por agentes públicos ou privados, ensejando vantagem indevida em negociações com moeda estrangeira, contratos futuros ou outros derivativos financeiros.

No Brasil, o mercado de câmbio é regulado pelo Banco Central e, em menor medida, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), dependendo da natureza dos contratos envolvidos.

Embora o art. 27-D da Lei nº 6.385/1976 trate do uso de informação privilegiada na negociação de "valores mobiliários", o conceito legal de tais ativos — nos termos do art. 2º da mesma norma — não abrange, de modo direto, contratos de câmbio ou operações realizadas fora do escopo do mercado de capitais tradicional.

Isso cria uma zona cinzenta quanto à possibilidade de responsabilização penal por insider trading quando a informação utilizada impacta diretamente o mercado cambial, mas não diz respeito a ações, debêntures, notas promissórias ou similares.

Ainda que a doutrina reconheça a possibilidade de aplicação do conceito de insider trading a mercados não mobiliários, como o cambial, parte relevante do mercado financeiro resiste a essa ampliação interpretativa, sustentando que operações com moeda estrangeira, por não se enquadrarem na definição de “valor mobiliário”, não permitiriam o enquadramento típico da conduta. Tal dissenso ilustra a fragilidade do marco normativo brasileiro frente à sofisticação dos mercados contemporâneos

No entanto, a ausência de previsão expressa não implica ausência de tutela jurídica. Em casos como o da suposta antecipação do “tarifaço” anunciado pelo governo norte-americano — com possível repercussão sobre exportações brasileiras e consequente valorização do dólar —, cogita-se a prática de atos lesivos à ordem econômica e à administração pública, inclusive sob a perspectiva penal e da improbidade administrativa.

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Tribunais e reguladores, para superar essa lacuna, podem argumentar que a intenção de lesar o mercado ou de se beneficiar indevidamente de informação privilegiada persiste, mesmo que o ativo negociado não se enquadre na definição restrita de valor mobiliário, aproximando a conduta de uma manipulação de mercado mais ampla.

Além disso, quando praticado por agente público, o uso de informação para obtenção de vantagem econômica indevida pode caracterizar:

  • Improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992, art. 11, caput e inciso I, ou art. 9º, se comprovado enriquecimento ilícito);

  • Corrupção passiva ou violação de sigilo funcional, quando houver dolo e compartilhamento de informações estratégicas com terceiros (Código Penal, arts. 317, 325 e 332);

  • Crimes contra o sistema financeiro nacional, a depender da operação (Lei nº 7.492/1986, especialmente arts. 3º, 4º e 11).

O caso em apuração pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo possível vazamento de informações sobre medidas econômicas de natureza cambial antes de seu anúncio oficial — com suspeita de que operadores vinculados a membros do governo teriam lucrado com a oscilação da taxa de câmbio —, traz à tona a necessidade urgente de harmonização entre as normas penais, administrativas e regulatórias.

Ademais, a legislação sobre a responsabilização de pessoas jurídicas por atos contra a administração pública (Lei nº 12.846/2013) também pode ser mobilizada em situações de conluio entre empresas e agentes públicos, sobretudo quando houver pagamento de vantagens ou fornecimento de informações em troca de favorecimento cambial ou financeiro. É importante notar que a própria Lei Anticorrupção incentiva a implementação de programas de compliance como forma de prevenir e atenuar a responsabilização de empresas.

Por fim, a estrutura de fiscalização e responsabilização no Brasil ainda é fragmentada. Enquanto a CVM concentra sua atuação no mercado de capitais, o Banco Central exerce competências sobre o mercado cambial e financeiro em geral, mas nem sempre possui instrumentos adequados para reprimir condutas típicas de uso de informação privilegiada com impacto especulativo.

Essa divisão de competências, aliada à complexidade das transações internacionais e à dificuldade de obtenção de provas, demanda cooperação institucional e reformas normativas, sob pena de manutenção da impunidade em casos de elevado dano público.

A ausência de regulamentação específica sobre o insider trading em operações cambiais no Brasil, portanto, não significa permissividade. Ao contrário, o ordenamento já oferece caminhos de responsabilização, ainda que por vias indiretas, e o avanço da jurisprudência, somado à pressão social e à cooperação internacional, tende a levar a uma abordagem mais assertiva do problema nos próximos anos.


4. O Papel das Informações Econômicas Sensíveis na Formulação de Políticas Públicas: Sigilo, Ética e Governança Estatal

A formulação de políticas públicas econômicas envolve, inevitavelmente, o manejo de informações sensíveis, capazes de influenciar diretamente os mercados financeiros, as expectativas dos agentes econômicos e a estabilidade macroeconômica do país.

Decisões sobre alterações cambiais, variações de tarifas, incentivos fiscais, planos de desoneração, leilões de moeda e outras medidas de impacto sistêmico não apenas exigem planejamento estratégico, mas também requerem rigoroso controle de acesso e sigilo até sua comunicação oficial. A materialidade dessas informações reside na sua capacidade de, se divulgadas antecipadamente, gerar um impacto significativo e previsível no comportamento do mercado e nos preços dos ativos.

No Brasil, o dever de sigilo sobre informações obtidas em razão do cargo é imposto a todos os agentes públicos, conforme dispõe o art. 116, inciso VIII, da Lei nº 8.112/1990, aplicável aos servidores federais. Esse dever também encontra respaldo no art. 325 do Código Penal, que tipifica como crime a violação de sigilo funcional, inclusive nos casos em que a revelação não cause dano direto, mas exponha interesse público relevante.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, caput, impõe à administração pública o respeito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A divulgação indevida ou a utilização privada de dados estratégicos por agentes públicos atinge diretamente a moralidade e a impessoalidade administrativas, podendo configurar ato de improbidade administrativa ou até corrupção passiva, caso envolva retribuição econômica.

É importante destacar que, no contexto de elaboração de políticas econômicas, o sigilo não é apenas uma questão de conduta ética individual, mas um instrumento de governança estatal. Em casos como o do suposto vazamento de informações sobre o aumento de tarifas por parte do governo dos Estados Unidos — que poderiam gerar valorização do dólar e, consequentemente, ganhos em contratos futuros ou operações cambiais — o acesso privilegiado à informação por membros do governo brasileiro (ou por operadores a eles vinculados) antes do anúncio oficial pode ter consequências drásticas para a credibilidade da política econômica nacional.

A ambiguidade ou o duplo sentido nas manifestações públicas de autoridades, mesmo que não configurem tecnicamente vazamento de informação, pode ser explorada por operadores sofisticados para antecipar variações de mercado. O uso de “sinais implícitos” emitidos por figuras públicas reforça a necessidade de contenção ética e institucional nas falas e agendas políticas com potencial reflexo financeiro.

A governança pública moderna exige a adoção de mecanismos formais de compartilhamento controlado de informações entre órgãos, com rastreabilidade, registro de acessos e delimitação de responsabilidades funcionais.

A Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), embora consagre o princípio da publicidade como regra, reconhece o caráter sigiloso de determinadas informações de interesse do Estado, especialmente as de natureza econômica ou financeira, cujo conhecimento prévio pode afetar a segurança institucional ou o funcionamento regular do mercado.

Adicionalmente, os códigos de conduta e de ética da alta administração pública federal, como o Decreto nº 6.029/2007 e a Resolução nº 10/2008 da Comissão de Ética Pública, impõem restrições claras à participação de autoridades em decisões nas quais tenham interesses diretos ou indiretos, bem como vedam o uso de cargo público para obtenção de vantagem indevida — mesmo que por interposta pessoa.

Essas normas evidenciam a importância da integridade institucional como fundamento da legitimidade das políticas públicas. O vazamento ou uso estratégico de informações econômicas sensíveis representa não apenas violação funcional, mas também uma forma de captura do Estado por interesses privados, ferindo a ordem econômica constitucional (art. 170 da CF/88) e comprometendo a confiança dos investidores, dos parceiros internacionais e da população.

Diante disso, mostra-se imprescindível reforçar mecanismos de compliance público, instituir comitês de integridade com competências sobre temas econômicos sensíveis e revisar os fluxos de informação dentro da máquina estatal, de modo a prevenir abusos e preservar a legitimidade das decisões governamentais.


5. Responsabilidade Penal e Administrativa de Agentes Públicos e Particulares: Ato de Improbidade, Crime Funcional e Sanções à Pessoa Jurídica

A responsabilização por atos relacionados à utilização indevida de informações privilegiadas de conteúdo econômico (insider trading) envolvendo agentes públicos e particulares exige uma abordagem multidisciplinar, que articule os campos do direito penal, direito administrativo sancionador, direito econômico e direito empresarial, sobretudo quando as condutas ocorrem em interface com a administração pública.

5.1. Ato de Improbidade Administrativa

Com a reforma da Lei de Improbidade Administrativa promovida pela Lei nº 14.230/2021, somente se configura improbidade quando houver dolo específico na conduta do agente, com fim deliberado de obtenção de vantagem ilícita, prejuízo ao erário ou violação aos princípios da administração pública.

No caso de divulgação ou uso indevido de informação econômico-financeira obtida em razão do cargo público, podem-se enquadrar as condutas no art. 11, que trata das hipóteses de violação aos princípios da administração, especialmente quando há comprometimento da moralidade, da lealdade às instituições e da legalidade.

Além disso, conforme o art. 3º da LIA, o particular que induz, concorre ou se beneficia do ato de improbidade também pode ser responsabilizado, ampliando o alcance do sistema sancionador para consultores econômicos, operadores financeiros ou agentes do mercado que atuem em conluio com servidores públicos.

5.2. Crimes Funcionais e Crimes contra o Sistema Financeiro

Sob a perspectiva penal, duas figuras se destacam:

  • Violação de sigilo funcional (art. 325 do Código Penal): tipifica o ato de revelar fato de que tenha ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, inclusive quando a revelação não cause dano direto, mas exponha interesse público relevante.

  • Uso de informação privilegiada (insider trading), punido no Brasil pela Lei nº 6.385/1976, art. 27-D, quando praticado no âmbito do mercado de valores mobiliários. Embora o texto legal refira-se expressamente ao uso de informação relevante ainda não divulgada ao mercado, há possibilidade de interpretação sistemática para alcançar operações financeiras conexas, como contratos derivativos ou operações cambiais, especialmente se vinculadas ao comportamento do mercado de capitais e à atuação de investidores institucionais.

A recente investigação instaurada no Supremo Tribunal Federal sobre o eventual uso indevido de informação tarifária antes de sua divulgação oficial pode envolver também:

  • Crime de corrupção passiva (art. 317 do CP) ou corrupção ativa (art. 333 do CP), caso haja vantagem indevida atrelada à concessão de informações sigilosas;

  • Crime de tráfico de influência (art. 332 do CP), se o agente utilizar posição de prestígio para obter ou facilitar acesso a informações com valor de mercado;

  • Lavagem de capitais (Lei nº 9.613/1998, art. 1º), quando os lucros obtidos com base em informação ilícita forem dissimulados por meio de transações financeiras complexas.

5.3. Sanções à Pessoa Jurídica

A conduta de pessoas jurídicas que obtenham vantagem direta ou indireta por meio da prática de ilícitos relacionados à obtenção de informação privilegiada, com participação de seus sócios ou dirigentes, pode ensejar a responsabilização objetiva pela Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). O uso de conhecimento obtido ilicitamente para beneficiar decisões empresariais configura vantagem indevida perante a administração pública, em especial se envolver negociação com órgãos estatais, empresas públicas ou políticas setoriais.

Além das sanções administrativas (multa de até 20% do faturamento, publicização da condenação, proibição de contratar com o poder público), as empresas podem ser responsabilizadas civilmente e sofrer desconsideração da personalidade jurídica para o alcance dos bens de seus controladores, se caracterizado o uso da empresa como instrumento de fraude. A Lei Anticorrupção, contudo, também valoriza a implementação de programas de compliance robustos como um fator de atenuação ou exclusão de responsabilidade para as pessoas jurídicas.

5.4. A Responsabilidade Funcional e o Dever de Lealdade Institucional

A responsabilização de ministros de Estado, assessores diretos da presidência e outros ocupantes de cargos de alta relevância também pode dar ensejo à apuração por crime de responsabilidade, conforme disposto na Lei nº 1.079/1950 e na Constituição Federal, quando caracterizada ofensa aos princípios constitucionais da administração e comprometimento da integridade institucional da política econômica.

Nos casos em que a informação indevidamente divulgada diz respeito a decisões estratégicas de interesse nacional — como, por exemplo, mudanças abruptas na política cambial, fiscal ou tarifária — o desvio funcional atinge não apenas o erário ou os cofres públicos, mas a própria soberania e estabilidade do Estado, agravando a responsabilidade dos envolvidos.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGROTTA, Luiz Carlos Nacif. Insider trading cambial e geopolítica econômica.: A investigação brasileira sobre o tarifaço de Trump e seus reflexos jurídicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8059, 25 jul. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114993. Acesso em: 5 dez. 2025.

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