4. Um Veredito Imparcial: Por que a Classificação de Tentativa de Feminicídio Prevalece
Ao sintetizar as evidências e os argumentos legais, a conclusão que emerge de uma análise imparcial e tecnicamente fundamentada é que os atos praticados nos elevadores de Natal e do Distrito Federal transcendem a definição de lesão corporal e se enquadram, com robustez, na figura da tentativa de feminicídio. A defesa dos agressores, inevitavelmente, se apegará ao fato de que as vítimas sobreviveram como prova da ausência de intenção de matar. Contudo, essa visão é juridicamente frágil e ignora a essência do instituto da tentativa.
Vamos recapitular e tecer os fios da evidência:
O Motivo (Contexto de Gênero): Em ambos os casos, o pano de fundo é inegavelmente o da violência doméstica e familiar, motivada por ciúmes e pela busca de dominação 1. Isso satisfaz plenamente a qualificadora do feminicídio, que exige um crime cometido por "razões da condição de sexo feminino" 12.
O Meio de Execução (Brutalidade e Direcionamento): A forma como as agressões foram perpetradas — com dezenas de golpes, de forma contínua e implacável, e direcionados primariamente à cabeça das vítimas 1 — é completamente desproporcional a uma mera intenção de ferir (animus laedendi). A violência empregada era objetivamente capaz de produzir o resultado morte e é altamente sugestiva do animus necandi.
A Escolha do Local (Tática e Vulnerabilidade): A utilização deliberada do elevador como uma armadilha para anular qualquer chance de defesa ou fuga demonstra um nível de cálculo e controle que contradiz a ideia de uma explosão espontânea de raiva 19. Foi uma escolha tática para garantir a execução da violência.
A Personalidade e o Histórico do Agressor: O histórico de violência psicológica, incluindo o incentivo ao suicídio no caso de Natal 1, e a posse de um arsenal no caso do DF 21 pintam um quadro de indivíduos que desvalorizam a vida de suas parceiras e demonstram um perigoso potencial letal.
O argumento decisivo reside na correta aplicação do artigo 14 do Código Penal. A sobrevivência das vítimas não se deu por um ato de clemência ou desistência voluntária dos agressores. Pelo contrário, foi um resultado de "circunstâncias alheias à vontade do agente" 13. No caso de Natal, a intervenção do porteiro e de moradores foi crucial para conter o agressor 25. Em ambos os casos, a resiliência física das vítimas e a sorte desempenharam um papel fundamental. Os agressores, por sua vez, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para infligir o máximo de dano em um curto espaço de tempo. Eles iniciaram a execução de um ato que, por sua natureza e intensidade, era plenamente capaz de matar.
Classificar essas condutas como mera lesão corporal seria cometer um erro grave de perspectiva jurídica. Seria focar exclusivamente no resultado (a não ocorrência da morte) e ignorar o elemento mais importante: a intenção letal que animou toda a ação. Seria, em essência, premiar o agressor por sua ineficiência em consumar o homicídio, desconsiderando a periculosidade de sua conduta e a gravidade de sua vontade.
Conclusão: Para Além das Portas do Elevador: Justiça, Impunidade e Reconhecimento Social
A correta tipificação penal dos ataques nos elevadores de Natal e do Distrito Federal não é um debate acadêmico abstrato. É uma questão de profunda importância social e simbólica. A decisão de processar e julgar esses homens por tentativa de feminicídio, em vez de lesão corporal, envia uma mensagem inequívoca e necessária para a sociedade.
Primeiramente, é um ato de reconhecimento da verdadeira natureza do crime. Reconhece que o dano infligido a essas mulheres não se resume às fraturas ósseas ou aos hematomas. O dano principal é o terror psicológico, o trauma de sobreviver a uma tentativa de aniquilação pelas mãos de quem deveria amar e proteger. É a violência que visa destruir não apenas o corpo, mas a própria existência da mulher como ser autônomo.
Em segundo lugar, a classificação como tentativa de feminicídio é uma poderosa ferramenta de combate à cultura da impunidade que ainda permeia a violência de gênero no Brasil 24. Tratar esses atos com a máxima severidade que a lei permite — submetendo os réus ao Tribunal do Júri e a penas compatíveis com crimes hediondos — sinaliza que o Estado não mais tolerará a minimização da violência doméstica, não importa quão "passional" ou "impulsiva" a defesa tente pintá-la.
O desafio para a comunidade jurídica — promotores, advogados, juízes e, em última instância, os jurados — é ter a coragem e a clareza técnica para enxergar além da ausência de um cadáver. É preciso analisar o filme inteiro da conduta, e não apenas a fotografia do resultado final. A verdadeira medida da justiça, nesses casos, não está em punir apenas a lesão que se vê, mas em condenar a intenção de matar que se escondeu por trás dos punhos, no momento exato em que as portas do elevador se fecharam.
Referências citadas neste artigo
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