Capa da publicação Exposição digital infantil: proteção legal e familiar
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Criança, adolescente e internet.

Proteção jurídica, propostas legislativas e responsabilidade parental na sociedade digital

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12/08/2025 às 20:20

Resumo:

- A hipersexualização e superexposição de crianças e adolescentes nas redes sociais comprometem seu desenvolvimento saudável e integral.
- A legislação brasileira precisa ser atualizada para abordar questões como autorização judicial para uso comercial da imagem infantil, filtros tecnológicos e responsabilização por negligência digital.
- É fundamental promover campanhas educativas para conscientizar sobre os riscos da exposição precoce e desenvolver um sistema de proteção infantojuvenil eficaz no ambiente digital.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

8. Conclusão

A revolução digital impôs à sociedade contemporânea transformações profundas que alteraram significativamente a forma como as pessoas, em especial as crianças e adolescentes, interagem, aprendem e se expressam. O universo virtual tornou-se um espaço essencial para o desenvolvimento social, cultural e educacional dos menores, configurando uma nova dimensão da infância que desafia o ordenamento jurídico e as políticas públicas tradicionais. Essa realidade exige uma mudança paradigmática na compreensão da proteção infantojuvenil, ampliando o foco para além dos aspectos físicos e imediatos e incorporando os desafios impostos pela tecnologia, pela internet e pela economia digital.

O ambiente digital, embora repleto de potencialidades para o crescimento pessoal, a criatividade e a socialização, também expõe as crianças a riscos inéditos e complexos, que vão desde a exposição indevida e comercialização de sua imagem até o assédio, a manipulação algorítmica, a violência simbólica e a hipersexualização precoce. Tais riscos demandam uma resposta jurídica e social que esteja à altura da complexidade do mundo digital, a qual não pode ser fragmentada ou deixada à mercê da autorregulação das plataformas tecnológicas.

Apesar dos avanços normativos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e outras normas correlatas, o sistema jurídico brasileiro ainda apresenta lacunas significativas para enfrentar esses novos desafios. A ausência de um marco regulatório integrado que congregue esses diplomas legais e promova uma proteção integral, adaptada ao contexto digital, gera vulnerabilidades que impactam diretamente a dignidade, a privacidade e os direitos fundamentais das crianças e adolescentes. É imprescindível, portanto, avançar na construção de um arcabouço normativo convergente, capaz de garantir a proteção integral da infância também no ambiente digital, sem fragmentações que dificultem sua aplicação prática e efetiva.

O princípio da prioridade absoluta, consagrado no artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 1º do ECA, deve ser interpretado e aplicado de modo a reconhecer a criança como sujeito ativo de direitos no ambiente digital, o que inclui o direito à proteção contra a exploração econômica, à preservação da privacidade, à integridade emocional e ao desenvolvimento saudável. Essa interpretação exige do Estado uma postura proativa e multidisciplinar, que articule ações jurídicas, políticas públicas, educação digital e cooperação com o setor privado para criar um sistema de proteção eficiente, ágil e sensível às especificidades do mundo digital.

É fundamental, ainda, compreender que a proteção digital da infância não deve recair exclusivamente sobre o Estado, mas deve ser uma responsabilidade compartilhada por diversos atores sociais, entre eles a família, a sociedade civil, as empresas de tecnologia e as próprias plataformas digitais. A atuação coordenada e integrada desses agentes é essencial para construir ambientes digitais que promovam o respeito aos direitos humanos, garantam o acesso a conteúdos adequados e bloqueiem a difusão de material nocivo, abusivo ou exploratório. Para isso, é imprescindível a implementação de mecanismos regulatórios claros, a fiscalização rigorosa, a responsabilização efetiva dos infratores e a oferta de recursos acessíveis para denúncia e reparação dos danos.

As propostas detalhadas no desenvolvimento deste trabalho representam um conjunto articulado de medidas que visam preencher as lacunas existentes e criar um sistema jurídico robusto para a proteção digital infantojuvenil. A exigência de autorização judicial para qualquer forma de monetização da imagem de crianças e adolescentes, inspirada no regime de proteção ao trabalho artístico infantil previsto na CLT, visa evitar a exploração comercial indiscriminada e assegurar que os interesses da criança sejam sempre considerados, com a constituição de reservas financeiras administradas sob supervisão judicial para garantir o uso legítimo e benéfico dos recursos gerados. Tal medida traduz uma política pública de proteção econômica e patrimonial dos menores, que muitas vezes são vítimas da mercantilização abusiva da sua imagem e da sua intimidade.

Do ponto de vista tecnológico, a obrigação legal para as plataformas digitais implementarem filtros eficazes e algoritmos protetivos representa um avanço necessário para frear a difusão de conteúdos adultos e inapropriados direcionados ao público infantojuvenil. A utilização de inteligência artificial para identificar palavras-chave inadequadas, vídeos com apelo sexual, desenhos com linguagem implícita para adultos e propagandas disfarçadas de conteúdo infantil não só protege as crianças de influências negativas, mas também reforça a responsabilidade social das empresas de tecnologia, que devem agir não apenas com base em seus interesses comerciais, mas em consonância com os direitos humanos e os valores democráticos. A revisão dos algoritmos de recomendação é igualmente crucial para evitar que a lógica do engajamento e do lucro leve à ampliação involuntária da exposição de crianças a conteúdos nocivos, contrariando o princípio da proteção integral.

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Outro ponto central é a criação de um Sistema Nacional de Denúncia Rápida, integrado por órgãos do governo, organizações da sociedade civil e plataformas digitais, que garanta uma resposta ágil e eficiente às denúncias de conteúdos prejudiciais à infância. Esse sistema deve operar com transparência, rigor técnico e respeito às vítimas, assegurando a remoção imediata de material ilegal e construindo um banco de dados para identificar padrões e prevenir reincidências. Essa medida dialoga diretamente com os fundamentos do ECA e com o direito à proteção contra tratamento desumano, reforçando a dimensão protetiva da legislação infantojuvenil no ambiente digital.

A responsabilização dos pais e responsáveis pela negligência digital é uma inovação importante que visa conscientizar e educar sobre os riscos da superexposição e da permissividade diante do uso inadequado das tecnologias pelas crianças. Medidas como advertência, cursos obrigatórios, multas proporcionais e, em casos extremos, a suspensão da monetização ou até mesmo a perda da guarda, representam um conjunto de sanções que valorizam a função educativa e protetiva da família, incentivando práticas responsáveis e o acompanhamento atento do desenvolvimento digital dos menores.

Além dessas medidas específicas, é imprescindível que o sistema de proteção digital infantil seja acompanhado de políticas educacionais e campanhas de conscientização que ampliem o conhecimento sobre os riscos digitais, orientem pais, educadores e crianças, e promovam a cultura da segurança e do respeito na internet. A educação digital deve ser incorporada às escolas e espaços comunitários, preparando as novas gerações para um uso crítico, ético e responsável da tecnologia, minimizando os danos e potencializando os benefícios que o ambiente digital pode oferecer.

O desenvolvimento de um observatório nacional da infância digital, com participação interdisciplinar e internacional, representa uma iniciativa estratégica para monitorar, pesquisar e avaliar continuamente as políticas públicas e as práticas institucionais relacionadas à proteção da criança no meio digital. Esse observatório pode ser um espaço de diálogo entre pesquisadores, gestores públicos, organizações sociais, representantes do setor privado e da comunidade internacional, promovendo a troca de experiências, o fortalecimento da legislação e a inovação na proteção dos direitos digitais.

Em suma, a construção de um sistema jurídico de proteção digital infantojuvenil não pode mais ser vista como uma possibilidade, mas como uma urgência. O avanço da digitalização da sociedade demanda respostas jurídicas modernas, eficazes e humanizadas que garantam que a infância possa usufruir da tecnologia como um instrumento de aprendizado, expressão e desenvolvimento, sem sofrer os danos provocados pela mercantilização abusiva, pela violência simbólica ou pela exposição indevida.

O Brasil, enquanto signatário dos principais tratados internacionais de direitos humanos e pioneiro na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem a obrigação ética e legal de liderar a construção de um ambiente digital seguro e inclusivo para suas crianças e adolescentes. A efetivação desse compromisso dependerá não apenas da elaboração de normas e políticas públicas, mas também do engajamento de toda a sociedade, da responsabilização dos agentes econômicos e da consolidação de uma cultura digital que respeite a dignidade humana em todas as suas dimensões.

Portanto, o caminho para uma infância digital protegida passa pela construção de um marco jurídico integrado, pela regulação tecnológica adequada, pela educação continuada e pelo compromisso ético coletivo. Somente assim poderemos garantir que o mundo digital seja um espaço de oportunidades e não de riscos, onde crianças e adolescentes possam crescer, aprender e se desenvolver plenamente, com seus direitos assegurados e respeitados, conforme preconizam a Constituição Federal, o ECA e os princípios internacionais de direitos humanos.


Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor (CDC). Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, 12 set. 1990.

BRASIL. Código Civil (CC). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002.

BRASIL. Marco Civil da Internet. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 24 abr. 2014.

HILL, M. (2016). Sexualization and Child Development: Implications for Policy and Practice. New York: Routledge.

PAULI, L. (2018). Children's and Adolescents' Perceptions of Sexuality in the Digital Age. London: Palgrave Macmillan.

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Sobre o autor
Silvio Moreira Alves Júnior

Advogado Especialista; Especialista em Direito Digital pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal pela Faculminas; Especialista em Compliance pela Faculminas; Especialista em Direito Civil pela Faculminas; Especialista em Direito Público pela Faculminas. Doutorando em Direito pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales – UCES Escritor dos Livros: Lei do Marco Civil da Internet no Brasil Comentada: Lei nº 12.965/2014; Direito dos Animais: Noções Introdutórias; GUERRAS: Conflito, Poder e Justiça no Mundo Contemporâneo: UMA INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL; Justiça que Tarda: Entre a Espera e a Esperança: Um olhar sobre o sistema judiciário brasileiro e; Lições de Direito Canônico e Estudos Preliminares de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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