7. Considerações finais
A decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade parcial do art. 19 do Marco Civil da Internet representa marco relevante na evolução do tratamento jurídico da responsabilidade civil das plataformas digitais no Brasil. Ao flexibilizar a exigência de ordem judicial prévia em hipóteses específicas, o Tribunal deslocou o eixo interpretativo de um modelo puramente reativo para um sistema que combina, de forma equilibrada, mecanismos judiciais e extrajudiciais de tutela de direitos fundamentais.
Essa inflexão jurisprudencial atende a uma necessidade real imposta pela dinâmica do ambiente digital, no qual a rapidez da difusão de conteúdos e a facilidade de replicação ampliam exponencialmente o potencial de dano, tornando insuficiente, em certas situações, o aguardo pela manifestação jurisdicional definitiva. Ao mesmo tempo, ao estabelecer balizas para a notificação apta a ensejar a remoção e condicionar a responsabilização à demonstração de omissão culposa ou negligente, o STF procurou evitar que o novo regime se convertesse em instrumento de censura privada ou de supressão arbitrária de manifestações lícitas.
O desafio que se impõe, a partir de agora, é a harmonização legislativa e regulatória do entendimento firmado, de forma a conferir segurança jurídica e previsibilidade na sua aplicação. Isso envolve, de um lado, a adequação da redação legal e, de outro, a construção de parâmetros técnicos e procedimentais que orientem a atuação das plataformas, anunciantes, influenciadores e veículos de mídia. A efetividade do novo modelo dependerá, em grande medida, da capacidade desses agentes de internalizar protocolos claros de moderação, dotados de celeridade, proporcionalidade e transparência.
Nesse sentido, o precedente do STF projeta não apenas um novo patamar de proteção aos direitos fundamentais no espaço digital, mas também uma oportunidade para que o setor privado desenvolva boas práticas e mecanismos de governança que conciliem a liberdade de expressão com a dignidade da pessoa humana, a integridade e a segurança da informação. Cabe ao legislador, ao Poder Judiciário e à sociedade civil acompanhar a implementação dessa diretriz, ajustando-a sempre que necessário, para que se preserve o equilíbrio delicado entre pluralismo democrático e tutela efetiva contra abusos na comunicação mediada por tecnologia.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 12 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 12 ago. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de inconstitucionalidade no art. 19 do Marco Civil da Internet. Julgamento em 26 jun. 2025. Brasília, DF: STF, 2025.
CIVIL, Marco. Comentários à Lei nº 12.965/2014. In: DONEDA, Danilo; PEIXOTO, Alexandre (coords.). Direito digital brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
COSTA, José Augusto Fontoura. Responsabilidade de intermediários na internet: regime jurídico e tendências internacionais. Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 18, p. 13-45, 2019.
FACHIN, Luiz Edson; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. Liberdade de expressão e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 43. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Brasil). Jurisprudência sobre o art. 19 do Marco Civil da Internet. Brasília, DF: STJ, 2024.
UNITED STATES. Digital Millennium Copyright Act (DMCA), 1998. Washington, DC: U.S. Congress. Disponível em: https://www.copyright.gov/legislation/dmca.pdf. Acesso em: 12 ago. 2025.
UNIÃO EUROPEIA. Digital Services Act (DSA), 2022. Bruxelas: Parlamento Europeu. Disponível em: https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/policies/digital-services-act. Acesso em: 12 ago. 2025.
The partial unconstitutionality of Article 19 of the Brazilian Civil Rights Framework for the Internet: freedom of expression, responsibility of digital platforms, and protection of fundamental rights
Abstract: This article analyzes the decision of the Federal Supreme Court, handed down on June 26, 2025, which declared the partial unconstitutionality of Article 19 of Law No. 12,965/2014 (Internet Civil Rights Framework), relaxing the requirement for a prior court order for civil liability of digital platforms for content generated by third parties. The decision introduced elements of the notice and take down model into the Brazilian legal system, admitting that failure to remove manifestly unlawful content after unequivocal notification may give rise to liability, even without a court order. Based on an approach that combines constitutional analysis, jurisprudential examination, and practical assessment, the impact of this change on the protection of fundamental rights, the preservation of freedom of expression, and the activities of influencers, advertisers, and media outlets is discussed. The study also identifies the challenges of legislative and regulatory harmonization, as well as the prospects for business compliance through the adoption of best practices, with a view to building a safer and more democratic digital space without sacrificing pluralism and the free circulation of ideas.
Keywords: Brazilian Civil Rights Framework for the Internet; Federal Supreme Court; civil liability; notice and take down; freedom of expression; fundamental rights; digital platforms.