O Projeto de Lei nº 3007/08, de autoria do Deputado Chico Alencar, do PSOL do Rio de Janeiro, mediante alteração do art. 10 da Lei nº 9.249/95, institui a tributação pelo imposto de renda de lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas a beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no país. O seu parágrafo único determina a retenção na fonte de 15%, quando os lucros ou dividendos forem creditados a beneficiário residente no exterior.
Não é esta a primeira tentativa para impor essa carga tributária esdrúxula. E nem será a última. Sempre haverá um parlamentar disposto a ressuscitar a erva daninha sepultada pela maioria dos legisladores.
Em 1999, o então Deputado Milton Temer apresentava substitutivo ao PL nº 377/99 instituindo essa tributação como um dos meios alternativos para compensar a queda de arrecadação decorrente da atualização monetária da tabela do imposto de renda, provocada por meio de uma ação judicial.
À época, apresentamos parecer contrário na condição de Conselheiro do IASP. A medida legislativa fracassou.
Passados quase 10 anos aquela propositura vem à baila exatamente, no momento em que a RFB bate sucessivos recordes de arrecadação. É muita falta de sensibilidade do nobre Deputado Chico Alencar!
Em sua justificativa capenga, o Deputado proponente da medida legislativa tece considerações em torno de vultosos recursos financeiros remetidos ao exterior: U$ 21,236 bilhões, em 2007, contra os U$ 16,4 bilhões, em 2006, quando, em 2002, esse valor foi de apenas U$ 5,2 bilhões. Preocupa-se muito com a relação investimento/remessa como se a capitalização da empresa fosse um fim em si mesmo.
Esse tipo de xenofobia exasperada não conduz ao desenvolvimento econômico, a gerar o bem-estar da sociedade.
Se está havendo grandes remessas é porque as empresas aqui situadas estão gerando grandes lucros, cumprindo o seu papel de agentes indutores de riquezas e de absorção de mão-de-obra.
Ruim se as empresas estivessem quebrando, ao invés de estar remetendo lucros. Aí sim, haveria motivos para preocupações, inclusive, as de natureza legislativa.
É preciso parar de agitar a bandeira do nacionalismo inconseqüente, e passar a enxergar os fenômenos econômicos com uma visão global. É preciso agir com coerência. Não é possível desenvolver uma política de atração de investimentos estrangeiros, e ao mesmo tempo, propor medidas legislativas que afugentem as empresas já instaladas no país.
Quanto à tributação de beneficiários residentes no país, o projeto legislativo sob exame afirma necessidade de ampliar o grau de justiça fiscal e estabelecer tratamento isonômico para todos os contribuintes. Daí a pretensa revogação da isenção.
O equívoco é manifesto. Não há isenção a ser revogada.
O art. 10 da Lei nº 9.249/99 explicitou a hipótese de não-incidência tributária sobre os lucros ou dividendos distribuídos pelas pessoas jurídicas a pessoas físicas ou jurídicas. Por que? Para evitar a bi-tributação econômica. Se a pessoa jurídica já suporta uma elevada carga tributária não teria sentido algum, sob o prisma da alegada justiça fiscal, submeter as pessoas físicas que a compõem, a um idêntico regime de tributação das demais pessoas desvinculadas da pessoa jurídica.
Não fora essa não-incidência expressa, um advogado, por exemplo, que extraísse seus rendimentos, por meio de sua atuação profissional na sociedade de advogados, apesar de em nada diferir de um trabalho executado por um advogado autônomo, acabaria por pagar duas vezes o imposto de renda do ponto-de-vista econômico. No caso, o profissional sócio da sociedade de advogados não aufere rendas de capital, mas apenas aquelas oriundas do seu trabalho pessoal.
Nos demais países, quando se tributam as pessoas jurídicas não se tributam os acionistas ou sócios, ou, quando se tributam sócios e acionistas não se tributam as pessoas jurídicas; quando se tributam, tanto a pessoa jurídica, como os sócios ou acionistas, dão a estes um crédito em relação ao imposto pago pela pessoa jurídica.
O autor da proposta legislativa age na contramão da realidade mundial, caracterizada pela globalização e quer impor à sociedade uma dupla tributação do imposto de renda recaindo, tanto sobre a pessoa jurídica, quanto à pessoa física ou jurídica que a compõe.
Da forma como está redigida a proposta legislativa, se convertida em lei, ela passará a atingir a generalidade das pessoas jurídicas, inclusive, as sociedades de profissionais legalmente regulamentadas, visto que, o regime nela prescrito aplica-se indistintamente para todas as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, o que amplia, sobremaneira, o contingente de pessoas injustamente atingidas pelo projeto de lei sob análise.
A equivocada e desastrosa proposta legislativa não revoga a isenção, que não existe, mas, implanta a dupla tributação da renda auferida por sócio ou acionista, o que fere, às escâncaras, os princípios da racionalidade, da razoabilidade e da isonomia tributária, distanciando-se, ainda, da noção de justiça fiscal que o autor da proposta alega estar levando em conta.