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Responsabilidade civil: da (im)possibilidade da imputação de danos morais coletivos pela degradação do meio ambiente

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31/08/2025 às 06:11

Resumo:


  • O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental reconhecido pela Constituição de 1988 no Brasil.

  • A legislação brasileira adotou a responsabilidade civil objetiva para os danos ecológicos, independentemente da culpa do agente.

  • A possibilidade de imputação de danos morais coletivos decorrentes da degradação do meio ambiente é uma questão relevante no direito brasileiro contemporâneo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

9. A aplicabilidade dos danos morais coletivos em face da degradação do meio ambiente

A Constituição de 1988 reconheceu o meio ambiente sadio e equilibrado como direito fundamental. Nesse contexto, a responsabilização por danos morais coletivos decorrentes da degradação ambiental está em consonância com os preceitos constitucionais.

A lesão ao meio ambiente afeta não apenas o equilíbrio ecológico, mas também valores coletivos relevantes, como qualidade de vida e saúde física e psíquica, podendo gerar dano moral à sociedade, que fica impedida de usufruir plenamente desses direitos constitucionalmente protegidos.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, conforme o art. 225. da Constituição Federal, de modo que seu dano constitui violação a direitos fundamentais e da personalidade, afetando a qualidade de vida de forma indivisível. Esses danos representam, em última análise, perturbação à sociabilidade de indivíduos ligados pelos mesmos interesses valiosos, como a preservação da qualidade de vida.

Discorrem José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala:

A dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao sentimento moral individual, mas não propriamente este, posto que concernente a um bem ambiental, indivisível, de interesse comum, solidário e relativo a um direito fundamental de toda a coletividade. Trata-se de uma lesão que traz desvalorização imaterial ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e concomitante a outros valores interrelacionados como a saúde e a qualidade de vida. A dor, referida ao dano extrapatrimonial ambiental, é predominantemente objetiva, pois se procura proteger o bem ambiental em si (interesse objetivo) e não o interesse particular subjetivo. Outrossim, refere-se, concomitantemente, a um interesse comum de uma personalidade em sua caracterização coletiva. (LEITE e AYALA, 2011, p. 294-295)

E não somente isso, os riscos advindos da sociedade industrializada colocam em perigo não só os componentes naturais dos biomas, sobretudo a sobrevivência da própria espécie humana, isto é, a qualidade de vida das gerações futuras também ficará comprometida sobremaneira com a degradação ambiental, conforme explica Milaré:

O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência – a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver. (MILARÉ, 2005, p. 137)

Por isso mesmo, o mandamento constitucional relativo à ocorrência de danos ambientais é no sentido da máxima reparação do dano, o que conduz à assertiva de que os danos morais coletivos proporcionam o aperfeiçoamento dessa reparação, ou seja, o alargamento da proteção que recai sobre esse bem jurídico de tão relevante valor.

Álvaro Luiz Valery Mirra afirma que o princípio da proteção integral legitima a necessidade da recuperação do ambiente lesado de tal forma que retorne ao estado anterior, ou seja, como se o dano não tivesse ocorrido, extirpando ou mitigando os efeitos maléficos da degradação, inclusive por meio da reparação moral coletiva:

Nesse sentido, a reparação integral do dano ao meio ambiente deve compreender não apenas o prejuízo causado ao bem ou recurso ambiental atingido, como também, na lição de Helita Barreira Custódio, toda a extensão dos danos produzidos em consequência do fato danoso, o que inclui os efeitos ecológicos e ambientais da agressão inicial a um bem ambiental corpóreo que estiverem no mesmo encadeamento causal, como por exemplo, a destruição das espécimes, habitats, e ecossistemas inter-relacionados com o meio afetado; os denominados danos interinos, vale dizer, as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do prejuízo e a efetiva recomposição do meio degradado; os danos futuros que se apresentam como certos, os danos irreversíveis à qualidade ambiental e os danos morais coletivos resultantes da agressão a determinado bem ambiental. (MIRRA, 2004, p.315)

Outro fundamento para a responsabilização por danos morais coletivos decorrentes da degradação ambiental é sua função preventiva e repressiva, evitando a repetição da conduta antijurídica por aquele ou por outros agentes. O caráter pedagógico dos danos morais, amplamente reconhecido nas relações privadas, aplica-se com ainda mais razão aos direitos coletivos e difusos, como o meio ambiente.

Sobre a função punitiva dos danos morais coletivos, Fernando Noronha sustenta o seguinte:

Esta função da responsabilidade civil é paralela à função sancionatória e, como esta, tem finalidades similar às que encontramos na responsabilidade penal, desempenhando, como esta, funções de prevenção geral e especial: obrigando o lesante a reparar o dano causado, contribui-se para coibir a prática de outros atos danosos, não só pela mesma pessoa como sobretudo por quaisquer outras. Isto é importante especialmente no que ser refere a danos que podem ser evitados (danos culposo). Em especial quanto aos danos transindividuais, com destaque para os resultantes de infrações ao meio ambiente, tem sido muito enfatizada a necessidade de punições “exemplares”, através da responsabilidade civil, como forma de coagir as pessoas, empresas e outras entidades a adotar todos os cuidados que sejam cogitáveis, para evitar a ocorrência de tais danos. A Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) indiretamente veio estimular a imposição dessas punições através do instituto da responsabilidade civil, quando abriu a possibilidade de condenação em indenizações que revertem para fundos de defesa de direitos difusos (a respeito dos quais importa ver em especial a Lei n. 9.008/85). (NORONHA, 2003, p. 441)

Sendo o meio ambiente sadio e equilibrado um direito fundamental garantido pela Constituição, a imputação de danos morais se fundamenta no interesse social de sua preservação. Trata-se de um instrumento jurídico que confere eficácia à proteção desses bens não patrimoniais, a ser exercida tanto pelo Estado quanto pelos próprios titulares: a sociedade.


Conclusão

O presente estudo demonstrou que a Constituição de 1988 reconheceu a preservação do meio ambiente como essencial à manutenção de condições dignas de vida para as presentes e futuras gerações, elevando o meio ambiente ecologicamente equilibrado a direito fundamental, merecedor de ampla proteção jurídica.

O conceito de meio ambiente deve ser abrangente, englobando fatores físicos, químicos e biológicos que garantam a qualidade de vida humana. A conscientização ambiental, embora relativamente recente, ganhou maior impulso com a Declaração de Estocolmo (1972) e a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – RIO 92, que resultou na Declaração do Rio, contendo 27 princípios de desenvolvimento sustentável.

O instituto da responsabilidade civil possui grande importância, pois assegura a proteção dos direitos violados nas relações jurídicas, restaurando a ordem anterior ao dano. No âmbito ambiental, a Constituição criou um sistema jurídico específico, impondo ao Estado e à sociedade a obrigação de proteger o meio ambiente (art. 225, caput). A legislação infraconstitucional adotou o modelo de responsabilidade civil objetiva, independentemente da culpa do agente (art. 14, §1º, Lei nº 6.938/81).

Os danos morais, antes entendidos apenas individualmente, passaram a abranger violações a valores coletivos, refletindo a lesão a direitos fundamentais de grupos sociais ou da sociedade como um todo. Nesse contexto, a responsabilização por danos morais coletivos decorrentes da degradação ambiental está em consonância com a Constituição, considerando que o meio ambiente equilibrado é direito de todos e deve ser protegido para as gerações presentes e futuras.

Por fim, a degradação ambiental atinge não apenas o equilíbrio ecológico, mas também valores coletivos essenciais, como qualidade de vida, saúde física e psíquica e condições para a preservação da espécie humana, tornando cabível a imputação de danos morais coletivos.


REFERÊNCIAS

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Abstract: Based on the concept of a healthy and balanced environment, recognized by the 1988 Constitution of the Federative Republic of Brazil as a fundamental human right, this study sought to analyze the possibility of attributing collective non-pecuniary or moral damages for environmental degradation. A qualitative, bibliographic research was conducted. First, general notions about the environment, civil liability, its historical evolution, and applicability under Brazilian law were presented. The study examined the prerequisites of civil liability in the national legal system. Subsequently, the environment was discussed as a legally protected good under the Brazilian Federal Constitution, along with the current legal framework for its protection, including an overview of the system of environmental civil liability. Finally, the theoretical and legal aspects of collective moral damages and their applicability in cases of environmental degradation under current Brazilian law were analyzed.

Key words : Environmental Civil Liability; Collective Moral Damages; Environmental Protection.

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Sobre o autor
Felix Fernando Junio Vieira

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Felix Fernando Junio. Responsabilidade civil: da (im)possibilidade da imputação de danos morais coletivos pela degradação do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8096, 31 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115324. Acesso em: 5 dez. 2025.

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