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Estaríamos presenciando a criação de uma nova categoria de agente público, intermediária entre a de um agente político e a de um agente administrativo?

26/08/2025 às 18:49

Resumo:


  • O termo "agente público" abrange indivíduos ligados ao Estado por diversos vínculos jurídicos nas esferas federal, estadual e municipal, nos três poderes do Estado.

  • Os agentes políticos são os componentes do Governo nos primeiros escalões, investidos em cargos por nomeação, eleição, designação ou delegação, atuando com plena liberdade funcional.

  • Os agentes administrativos são prestadores de serviços à Administração Pública, divididos em servidores públicos, empregados públicos e temporários, sujeitos a regime jurídico estatutário ou contratual.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Carreiras típicas de Estado podem formar uma categoria intermediária entre agente político e administrativo. Afinal, seriam autoridades públicas distintas dos servidores comuns?

Agente público, em sentido amplo, é todo indivíduo que, a qualquer título, exerce uma função pública, remunerada ou gratuita, permanente ou transitória, política ou meramente administrativa, como preposto do Estado. É, portanto, toda pessoa física que manifesta, por algum tipo de vínculo, a vontade do Poder Público, nas três esferas de Governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e nos três Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário). Trata-se de expressão ampla e genérica, que engloba indivíduos ligados ao Estado pelos mais variados vínculos jurídicos, abarcando desde as mais altas autoridades da República, como os Chefes do Executivo e os membros do Legislativo e do Judiciário, até os servidores públicos que exercem as funções mais subalternas 1.

Segundo a tradicional e renomada classificação desenvolvida por Hely Lopes Meirelles, o gênero de agentes públicos reparte-se, inicialmente, em quatro espécies ou categorias diferentes: agentes políticos, agentes administrativos, agentes honoríficos e agentes delegados. Tais espécies ou categorias, por sua vez, também se subdividem 2. Não trataremos aqui dos agentes honoríficos e delegados, preferindo focar apenas nos agentes políticos e administrativos, de interesse ímpar para o presente estudo.

Agentes políticos são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação, para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição Federal de 1988 e em leis especiais. Não são servidores públicos, nem se sujeitam ao regime jurídico único estabelecido pela Constituição. São as autoridades públicas supremas em sua área de atuação, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais de jurisdição 2.

A doutrina, quase que de forma unânime, lastreada nos posicionamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, inclui na categoria dos agentes políticos os Chefes do Executivo (Presidente da República, Governadores de Estado e do Distrito Federal e Prefeitos), seus auxiliares imediatos (Ministros de Estado e Secretários Estaduais e Municipais) e os membros do Legislativo (Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores) 1 3. Outros autores, com destaque para Hely Lopes Meirelles, também inserem na categoria os membros do Judiciário (magistrados em geral), os membros do Ministério Público (Procuradores e Promotores), os membros dos Tribunais de Contas (Ministros e Conselheiros), os integrantes da Carreira de Diplomata (constituída pelas classes de Ministro de 1ª Classe, Ministro de 2ª Classe, Conselheiro, 1º-Secretário, 2º-Secretário e 3º-Secretário, em ordem hierárquica funcional decrescente, regidas pela Lei nº 11.440, de 29 de dezembro de 2006) e as demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho de atribuições governamentais, judiciais ou quase judiciais, estranhas ao quadro do serviço público 2.

Já a espécie ou categoria dos agentes administrativos constitui a imensa massa dos prestadores de serviços à Administração Pública, sendo composta por todos aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas entidades autárquicas e fundacionais por relação profissional, com retribuição pecuniária, sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico único da entidade a que servem. São investidos, em regra, por nomeação e, excepcionalmente, por contrato de trabalho ou credenciamento 1 2 3. Classificam-se, usualmente, em: a) servidores públicos (sujeitos a regime jurídico estatutário, titulares tanto de cargos de provimento efetivo quanto em comissão); b) empregados públicos (sujeitos a regime jurídico contratual, geralmente regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943); e c) temporários (contratados por tempo determinado, conforme previsão constitucional) 1. Hely Lopes Meirelles, em sua classificação, aglutina os servidores e empregados públicos na mesma categoria, chamando ambos de servidores públicos 2.

Do exposto acima, depreende-se que, em linhas gerais, os agentes públicos são geralmente divididos pela doutrina em agentes políticos ou agentes administrativos, além de outras espécies menores que não cabem ao presente estudo. Por sua vez, a subdivisão mais ampla dos agentes administrativos é a dos servidores públicos, que, para os fins deste trabalho, abrangerá apenas os indivíduos amparados por regime jurídico estatutário. Mas, por qual motivo, o artigo estará adstrito a apenas duas modalidades de agentes públicos? Porque, ao excluir os agentes políticos titulares de cargos estruturais da organização política do país, detentores de mandato eletivo, temos autoridades públicas como magistrados, membros do Ministério Público, diplomatas e outros que, a depender da classificação adotada, podem ser enquadrados tanto como agentes políticos quanto como servidores públicos (agentes administrativos). Jaz aí a problemática da questão: que critérios objetivos utilizamos para determinar se determinado indivíduo é um agente político ou um servidor público?

Nesse ponto, Hely Lopes Meirelles faz menção a um requisito interessante para definir um agente político: é a autoridade que atua com independência funcional no desempenho de atribuições governamentais, judiciais ou quase judiciais, estranhas ao quadro do serviço público 2. O conceito de autoridade é de fácil assimilação; na dicção da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, trata-se do agente público dotado de poder de decisão. A independência funcional, contudo, é de definição mais nebulosa. Parece-nos mais acertada a posição de que se refere à ausência de ingerência no relacionamento entre os integrantes de uma mesma instituição, independentemente da posição hierárquica ocupada 4.

O eminente administrativista, contudo, menciona outras características afetas aos agentes políticos. Devem: a) atuar com plena liberdade funcional; b) desempenhar suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis especiais; c) se sujeitar a regime próprio, distinto do regime jurídico único estabelecido pela Constituição; e d) não estar hierarquizados, sujeitando-se apenas aos limites constitucionais e legais 2.

A liberdade funcional tange a um conceito amplo, abarcado tanto pela já referida independência funcional quanto pela autonomia técnica do agente público. A autonomia técnica, conforme a definição mais aceita, faz menção à possibilidade de a autoridade pública determinar-se quanto às atividades técnicas desempenhadas, ou seja, cabe a ela e somente ela definir qual método de trabalho utilizará na realização de seu mister 4. O desempenho de atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias nos parece algo descomplicado, de simples assimilação. Já a sujeição a regime jurídico diferenciado impõe melhor elucidação. Felizmente, um acórdão recente do Tribunal de Contas da União tratou da questão:

"7. [...] os Defensores Públicos Federais são órgãos de execução da DPU. Significa dizer que os Defensores são a personificação da própria entidade que presentam, de forma que o exercício das suas nobres funções institucionais depende, essencialmente, da atuação direta de seus membros. [...] 10. [...] os agentes cujas carreiras são regidas por Lei Complementar, a exemplo dos membros da DPU, são efetivos representantes do Estado na sociedade. Não se confundem [...] com os demais servidores regidos pelo regime estatutário, cujas funções destinam-se, precipuamente, a movimentar a máquina burocrática e oferecer os meios necessários à efetiva ação estatal, a cargo dos agentes políticos e membros institucionais que representam os poderes constituídos, a exemplo dos Defensores Púbicos. 11. Daí a necessidade de se reconhecer que, por presentarem o poder estatal, possuindo competências e atribuições absolutamente singulares, há evidente distinção em relação aos servidores públicos em senso estrito, regidos pela Lei 8.112/1990. [...] 18. Cabe, [...] em face das ponderações acima tecidas em relação às demais carreiras regidas por Lei Complementar, determinar à Secretaria de Fiscalização de Pessoal que instaure processo para avaliar a ocorrência de circunstâncias semelhantes na Advocacia-Geral da União [...]"

(Acórdão TCU nº 2.636 - Processo TC nº 012.967/2019-0 - Plenário - Rel. Min. Bruno Dantas - 30/10/2019).

Interessante concluir que o Egrégio Tribunal de Contas da União, em sua decisão, caracteriza tanto os membros da Defensoria Pública da União (Defensores Públicos Federais) quanto os advogados públicos integrantes da Advocacia-Geral da União (Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional, Procuradores Federais e Procuradores do Banco Central do Brasil) como uma "modalidade intermediária" entre um agente político e um servidor público. Repara-se na expressão "ação estatal, a cargo dos agentes políticos e membros institucionais que representam os poderes constituídos". Questão muito semelhante é levantada em recentíssima sentença no âmbito da Justiça Federal, com os excertos principais incluídos na sequência:

"[...] cumpre destacar que, diante do conceito amplo de Agentes Públicos, há as espécies de carreiras derivadas, de acordo com a importância na dinâmica do Estado. [...] Nesse sentido, pode-se dizer que os Agentes Políticos integram o primeiro escalão do serviço público, ocupando os órgãos de cúpula, atuando com independência funcional, sendo investidos de prerrogativas e de responsabilidades especiais, inerentes ao exercício das suas atribuições constitucionais, como é o caso do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Senadores da República, Deputados e dos Magistrados e dos membros do Ministério Público. Quanto às ditas 'Carreiras Típicas de Estado', estas são de caráter secundário àquelas, contudo, de importância hierárquica institucional de grande relevância. Em geral, são agentes públicos que representam a instituição, assinando diretamente os atos administrativos e se responsabilizando pelo seu teor. Diante de tais características, muitas prerrogativas referentes aos Agentes Políticos são instrumentalizadas também aos Agentes das Carreiras Típicas de Estado. A exemplo, na estrutura de Estado da União, encontram-se os Auditores Fiscais, a Advocacia Pública e os Delegados da Polícia Federal. [...] Em razão desta condição funcional especial, possuem prerrogativas diferenciadas em relação aos demais servidores públicos, embora não sejam catalogados como Agentes Políticos, mas, por outro vértice, também não podem ser enquadrados como demais servidores administrativos que devem ter a sua jornada submetida a controle de ponto [...] de forma diária. Estes, em regra, reportam-se aos demais servidores públicos que assessoram os Agentes Políticos ou Agentes Públicos de Carreiras de Estado, e aqueles diferentemente destes, não possuem autonomia decisória na instituição à qual se vinculam, cito, os agentes administrativos, técnicos e analistas judiciários"

(Sentença - Processo nº 1066074-96.2024.4.01.3400 - 5ª Vara Federal Cível da SJDF - 27/05/2025).

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Pelo exposto, evidencia-se uma tendência, dentro do Direito Administrativo moderno, de: a) criação de uma classificação adicional, intermediária entre a de agente político e a de servidor público, integrada por determinados cargos da Administração Pública que possuem características muito mais assemelhadas às de um agente político do que às de um agente administrativo; ou b) incremento na classificação dos agentes políticos, de modo a abarcar detentores de cargos públicos que, a exemplo dos diplomatas, ainda estão alocados em uma estrutura hierárquica vinculada ao Poder Executivo, mas que ostentam independência funcional e autonomia técnica suficientes para que não possam mais ser classificados como simples servidores públicos daquele ente.

Tal diferenciação, entre autoridades públicas - pertencentes a carreiras típicas de Estado, que personificam o próprio órgão que representam, assinando diretamente os atos administrativos da instituição e se responsabilizando por seu teor - e servidores de apoio, regidos pelo regime estatutário, cujas funções destinam-se, essencialmente, a movimentar a máquina burocrática e oferecer os meios necessários à efetiva ação estatal das autoridades públicas - foi muito bem delineada, por exemplo, pela Receita Federal, por intermédio da Nota Sutri/Sucor nº 1, de 12 de maio de 2017, cujos principais trechos foram colacionados abaixo:

"3.2. [...] no âmbito administrativo, que inclui as atividades tributárias e aduaneiras desenvolvidas pela [...] Receita Federal [...], a autoridade administrativa está intimamente ligada ao agente que tem poder decisório para influir diretamente na situação jurídica de um cidadão. 3.3. Entende-se por decisório o ato que modifica a ordem jurídica, constituindo, declarando, restringindo ou extinguindo direitos à luz dos fatos apresentados e em conformidade com a lei. [...] 4.1. A legislação acerca dos cargos de Auditor-Fiscal e de Analista-Tributário traz diversas hipóteses em que que compete privativamente ao primeiro os atos decisórios que encerram determinado procedimento (como de reconhecimento de crédito, de benefício fiscal, de julgamento), quer dizer, dá a esse cargo especificamente a competência para emissão de decisão, mormente quando os atos são de alta complexidade [...]. 4.2. [...] a Lei nº 10.593, de 2002, por sua vez, expressamente dispõe incumbir ao Analista-Tributário 'exercer atividades de natureza técnica, acessórias ou preparatórias ao exercício das atribuições privativas dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil'. [...] 4.3. Note-se que isso não foge à regra de todos os órgãos da administração pública, seja em que âmbito for. No Poder Judiciário, há um cargo que decide e faz sua atividade finalística (o juiz), e os demais servidores públicos realizam as demais atividades do órgão. No âmbito da polícia judiciária federal, um delegado da Polícia dirige inquéritos policiais e tem o poder decisório [...] e agentes realizam a execução de tais atos decisórios. Não se quer aqui reduzir a importância dos demais servidores em todas essas instâncias. Muito pelo contrário: é por meio deles que as autoridades conseguem realizar os atos decisórios e finalísticos. Mas é fato que a decisão compete sempre a um único cargo, o que é o lógico pensando sob o prisma da administração."

Para estar apto a migrar para a nova classificação, é importante destacar, na atuação do cargo, a presença dos seguintes pressupostos básicos: 1) ostentar a qualidade de autoridade pública, ou seja, de agente público dotado de poder de decisão; 2) atuar com independência funcional e autonomia técnica no desempenho de suas atribuições; 3) possuir prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição Federal de 1988 e/ou em leis especiais; 4) ser abarcado por regime jurídico próprio, usualmente definido em Lei Complementar, distinto do regime único previsto pela Constituição; 5) gozar de jurisdição ou circunscrição sujeita apenas aos limites constitucionais e legais, ou seja, não estar disposto em uma estrutura funcional hierarquizada, integrante do Poder Executivo.

Realizando-se o cotejo do acima prescrito com a situação fática presente nas mais diversas carreiras estatais atuais, temos, para determinados cargos pré-selecionados, o seguinte resultado:

  • Magistrado: 1 (preenche), 2 (preenche), 3 (preenche), 4 (preenche), 5 (preenche);

  • Membro do Ministério Público (Procurador ou Promotor): 1 (preenche), 2 (preenche), 3 (preenche), 4 (preenche), 5 (preenche);

  • Membro de Tribunal de Contas (Ministro ou Conselheiro): 1 (preenche), 2 (preenche), 3 (preenche), 4 (preenche), 5 (preenche);

  • Membro de Defensoria Pública (Defensor Público Federal ou Estadual): 1 (preenche), 2 (preenche), 3 (preenche), 4 (preenche), 5 (preenche);

  • Diplomata: 1 (preenche), 2 (preenche), 3 (preenche), 4 (preenche), 5 (não preenche);

  • Integrante da Advocacia Pública (Advogado da União ou Procurador Federal, Estadual ou Municipal): 1 (preenche), 2 (preenche), 3 (preenche), 4 (preenche), 5 (não preenche);

  • Autoridade Fiscal (Auditor-Fiscal da Receita Federal, Estadual ou Municipal): 1 (preenche), 2 (preenche), 3 (preenche), 4 (preenche), 5 (não preenche);

  • Autoridade Policial (Delegado de Polícia Federal ou Civil): 1 (preenche), 2 (preenche), 3 (preenche), 4 (preenche), 5 (não preenche).

Faz-se saber que, para os últimos dois casos supracitados, a Polícia Federal, diferentemente das Polícias Civis, não possui Lei Orgânica estabelecendo rito diferenciado, distinto da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, para seus integrantes, razão pela qual, especificamente para os Delegados de Polícia Federal, o quarto requisito deve ser considerado como "não preenchido". No que tange às autoridades fiscais, há previsão constitucional, ainda não satisfeita (dado que somente ingressará no texto da Carta Magna em 2027), para a edição de Lei Complementar estabelecendo normas gerais para as Administrações Tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dispondo sobre deveres, direitos e garantias de seus membros.

Por fim, imperioso ressaltar, com foco específico na esfera federal, o efeito prático do enquadramento dos quatro últimos grupos de autoridades públicas acima mencionados (diplomatas, advogados públicos federais, Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil e Delegados de Polícia Federal) em rito diferenciado ao estabelecido para os demais servidores públicos por meio da Lei nº 8.112, de 1990. E, quiçá, o resultado mais visível e imediato seja o reconhecimento de que a sua jornada de trabalho deva ser exercida, e por derivação apurada, em sistemática diferenciada das demais carreiras públicas da União. Pede-se a devida vênia para regressarmos novamente ao teor do Acórdão do Tribunal de Contas da União de 30/10/2019, tratando dos Defensores Públicos Federais e, por via reflexa, dos integrantes da advocacia pública federal, bem elucidativo sobre o assunto:

"9. Sobre o teletrabalho, deve-se reconhecer que se trata de modalidade bem difundida no âmbito da administração pública, e que tem permitido associar maior flexibilidade no exercício de determinadas funções ao aumento de produtividade e à redução de gastos com a manutenção da máquina administrativa. [...] No entanto, no que diz respeito a funções estatais cujos representantes são regidos por Lei Complementar, penso que suas inerentes características não se amoldam ao uso do referido instituto. 10. Com efeito, os agentes cujas carreiras são regidas por Lei Complementar, a exemplo dos membros da DPU, são efetivos representantes do Estado na sociedade. [...] 11. Daí a necessidade de se reconhecer que, por presentarem o poder estatal, possuindo competências e atribuições absolutamente singulares, há evidente distinção em relação aos servidores públicos em senso estrito, regidos pela Lei 8.112/1990. Aliás, convém ressaltar que a jornada de trabalho dos servidores está muito bem delineada pelo RJU [...]. 13. No caso de agentes políticos e membros representantes de poder, não há semelhante fixação de jornadas. Com efeito, ao compulsarmos a Lei Complementar 80/1994, [...] não há imposição de jornada ou carga horária a ser cumprida por seus membros. Tenho para mim que essa circunstância não decorreu de mero descuido ou lapso do legislador, mas de um efetivo reconhecimento de que, enquanto membros que representam instituição de envergadura constitucional, efetivamente incumbidos do exercício de relevante função estatal, tais agentes personificam o Estado diuturnamente. Aliás, também não se identifica fixação de jornada nos normativos que regem outras carreiras de membros de poder [...]. 15. Ademais, impõe-se reconhecer que, porquanto representantes das instituições que compõem, referidos agentes já usufruem de jornadas diferenciadas, não se exigindo sua presença nos órgãos tal qual se impõe aos servidores estatutários"

(Acórdão TCU nº 2.636 - Processo TC nº 012.967/2019-0 - Plenário - Rel. Min. Bruno Dantas - 30/10/2019).

Não por menos, a Advocacia-Geral da União expediu uma sequência de atos que culminaram na dispensa do controle de frequência tradicional para os Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional, Procuradores Federais e Procuradores do Banco Central do Brasil. O primeiro deles foi a Nota AGU/CGAU nº 51, de 28 de outubro de 2008, com trechos principais replicados abaixo:

"1. [...] o Advogado-Geral da União reconheceu que não comete falta disciplinar o advogado público que não registra os horários de entrada e saída [...] na tradicional 'folha de ponto'. 2. A decisão [...] está em perfeita consonância com o disposto no Parecer GQ-24, vinculante, porque aprovado pelo Presidente da República. Nessa manifestação consta a seguinte menção: 'A sujeição dos advogados servidores públicos federais à carga horária, por força de lei, não imprime convicção de que estejam compelidos a cumpri-la exclusivamente no recinto da repartição'. 3. A Corregedoria-Geral da União já decidiu conclusivamente, em vários casos, no seguinte sentido: 'O Advogado da União, assim como o Procurador da Fazenda Nacional e o Procurador Federal, não convive com horário de trabalho fixo (ou inflexível), próprio de servidor público cujas funções não envolvem trabalho intelectual de pesquisa e produção de manifestações técnicas. [...] 5. Cumpre observar, à luz da ordem jurídica em vigor, que a ausência de horário fixo (ou inflexível) para os advogados públicos federais, formulação compatível com a desnecessidade de registro dos horários de entrada e de saída, não permite a conclusão no sentido de que esses agentes públicos não estão vinculados ao cumprimento de carga horária específica."

Munida dos entendimentos em escopo, a Advocacia-Geral da União, por meio da Portaria Interministerial AGU/MF/BACEN nº 19, de 2 de junho de 2009, disciplinou a folha de registro de atividades, relatório de periodicidade mensal destinado a externar as atividades funcionais praticadas por seus integrantes e, logo depois, com a publicação da Instrução Normativa Conjunta CGAU/PGF nº 2, de 29 de julho de 2009, declarou que "o preenchimento da folha de registro de atividades dispensa o registro de ponto".

Mesmo raciocínio deve ser aplicado às carreiras que não foram diretamente mencionadas no acórdão do Tribunal de Contas da União (diplomatas, Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil e Delegados de Polícia Federal). Hoje, tais cargos seguem subordinados à regra aplicável aos demais servidores públicos federais, previstas no Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995, e no Decreto nº 11.072, de 17 de maio de 2022, desnaturando a singularidade de suas atribuições, a saber: a) controles tradicionais de assiduidade e pontualidade (mecânico, eletrônico ou via folha de ponto); b) controle por boletim semanal aos que realizam atividades externas (hoje adotado apenas na Receita Federal, com esteio na Portaria RFB nº 84, de 16 de novembro de 2021); e c) controle de metas e prazos via Programa de Gestão e Desempenho.

A situação atual mostra-se tão anômala que os membros da Carreira de Diplomata, classificados como agentes políticos por doutrinadores como o saudoso Hely Lopes Meirelles, estão submetidos aos ditames da Portaria MRE nº 888, de 1º de novembro de 2017, que passou a exigir deles o cumprimento de 40 horas de trabalho semanais e o controle de frequência por ponto eletrônico. Exigência semelhante foi instituída pela Portaria DG/PF nº 18.952, de 2024, que determinou a obrigatoriedade do registro de frequência, de forma manual ou eletrônica, a todos os integrantes da Polícia Federal. A questão motivou a impetração de ação pelos Delegados de Polícia Federal, que obtiveram êxito, em primeira instância, nos termos de decisão já colacionada, mas cuja menção torna-se novamente pertinente para o momento:

"[...] os Agentes Políticos integram o primeiro escalão do serviço público, ocupando os órgãos de cúpula, atuando com independência funcional, sendo investidos de prerrogativas e de responsabilidades especiais, inerentes ao exercício das suas atribuições constitucionais, como é o caso do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Senadores da República, Deputados e dos Magistrados e dos membros do Ministério Público. Quanto às ditas 'Carreiras Típicas de Estado', estas são de caráter secundário àquelas, contudo, de importância hierárquica institucional de grande relevância. Em geral, são agentes públicos que representam a instituição, assinando diretamente os atos administrativos e se responsabilizando pelo seu teor. Diante de tais características, muitas prerrogativas referentes aos Agentes Políticos são instrumentalizadas também aos Agentes das Carreiras Típicas de Estado. A exemplo, na estrutura de Estado da União, encontram-se os Auditores Fiscais, a Advocacia Pública e os Delegados da Polícia Federal. [...] Em razão desta condição funcional especial, possuem prerrogativas diferenciadas em relação aos demais servidores públicos, embora não sejam catalogados como Agentes Políticos, mas, por outro vértice, também não podem ser enquadrados como demais servidores administrativos que devem ter a sua jornada submetida a controle de ponto ou biomédico (ou análogo), de forma diária. Estes, em regra, reportam-se aos demais servidores públicos que assessoram os Agentes Políticos ou Agentes Públicos de Carreiras de Estado, e aqueles diferentemente destes, não possuem autonomia decisória na instituição à qual se vinculam, cito, os agentes administrativos, técnicos e analistas judiciários. Feitos tais regramentos, é inapropriado, é inadequado, é incompatível, é ilícito o controle diário de ponto e/ou biométrico (controle de ponto indireto), aos nobres Delegados da Polícia Federal, uma vez que, repiso, desempenham funções que vão além das rotinas administrativas convencionais, e possuem responsabilidades institucionais que não se compatibilizam com a sistemática de controle de jornada"

(Sentença - Processo nº 1066074-96.2024.4.01.3400 - 5ª Vara Federal Cível da SJDF - 27/05/2025).

Assim, encerra-se o presente estudo com as seguintes conclusões:

  1. Além das carreiras públicas geralmente classificadas como agentes políticos pela doutrina (magistrados, membros do Ministério Público e membros dos Tribunais de Contas), há que se promover um processo de revisão doutrinária a fim de avaliar a possibilidade de enquadramento de outros cargos, como o Defensor Público (Federal ou Estadual), as classes da diplomacia (Ministro de 1ª Classe, Ministro de 2ª Classe, Conselheiro, 1º-Secretário, 2º-Secretário e 3º-Secretário), os afetos à advocacia pública (Advogado da União ou Procurador Federal, Estadual ou Municipal), as autoridades fiscais (Auditor-Fiscal da Receita Federal, Estadual ou Municipal) e as autoridades policiais (Delegado de Polícia Federal ou Civil);

  2. Optando-se por não realizar o enquadramento acima, ainda assim, os cargos em comento devem ser reclassificados em modalidade nova, na condição de integrantes de carreiras típicas de Estado e membros institucionais que representam seus respectivos órgãos, com prerrogativas diferenciadas dos agentes administrativos, compartilhadas dos agentes políticos, como o poder de decisão inerente às autoridades públicas, a independência funcional e autonomia técnica no desempenho de suas atribuições, um regime jurídico próprio - usualmente definido em Lei Complementar - distinto do regime dos demais servidores, e uma estrutura funcional muito menos hierarquizada do que comumente existe no âmbito do Poder Executivo;

  3. Como resultado prático e imediato do disposto previamente, deve-se estabelecer uma sistemática diferenciada para o cumprimento da jornada de trabalho pelas carreiras supracitadas, com abolição dos controles de assiduidade e pontualidade previstos no Decreto nº 1.590, de 1995, além da vedação de adesão ao Programa de Gestão e Desempenho de que trata o Decreto nº 11.072, de 2022, devendo ser adotadas, por conseguinte, as formas de controle de presença e produtividade estabelecidas para os agentes políticos, a exemplo do que prescrevia, para a magistratura federal, a Recomendação CJF nº 14, de 15 de fevereiro de 2023 (relatórios trimestrais de frequência), atualmente revogada pela Decisão CG/CJF nº 734.493, de 29 de junho de 2025.


Notas

1 Alexandrino, Marcelo; Paulo, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 16a ed. São Paulo: Método, 2008.

2 Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23a ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

3 Knoplock, Gustavo Mello. Manual de direito administrativo: teoria e questões. 7a ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

4 Silva, Erick Simões da Camara e. A autonomia funcional, técnica e científica dos peritos oficiais de natureza criminal após o advento da Lei nº 12.030/2009. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2.323, 10 nov. 2009. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/13826/a-autonomia-funcional-tecnica-e-cientifica-dos-peritos-oficiais-de-natureza-criminal-apos-o-advento-da-lei-n-12-030-2009>. Acesso em: 24 ago. 2025.

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Sobre o autor
Gabriel Rissato Leite Ribeiro

Gabriel Rissato Leite Ribeiro é Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e Diretor de Assuntos Jurídicos do Sindifisco Nacional, ex-Professor de Ensino Superior, ex-Analista Tributário e ex-policial civil, Mestre em Fazenda Pública pela Universidade Nacional de Educação a Distância (Uned) da Espanha, Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Especialista em Negócios Internacionais pelo Centro Universitário Cidade Verde (UniFCV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Gabriel Rissato Leite. Estaríamos presenciando a criação de uma nova categoria de agente público, intermediária entre a de um agente político e a de um agente administrativo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8091, 26 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115350. Acesso em: 5 dez. 2025.

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