Resumo: O presente artigo analisa as alterações propostas pela reforma do Código Civil nos institutos da tutela e da curatela, destacando sua função protetiva, o reforço do controle judicial e os reflexos no direito de família e sucessões. Examina-se a excepcionalidade da curatela, a consolidação da curatela compartilhada, a tomada de decisão apoiada e a responsabilidade patrimonial do tutor e do curador, evidenciando como essas medidas buscam compatibilizar proteção integral e autonomia.
Palavras-chave: Tutela; Curatela; Código Civil; Direito de família; Sucessões
1. Introdução
O projeto para reforma do Código Civil representa marco significativo no tratamento jurídico da tutela e da curatela, situando-os em nova perspectiva no âmbito do direito de família e sucessões. Ao redefinir os contornos desses institutos, o legislador buscou harmonizar proteção e autonomia, aproximando-os de valores constitucionais como dignidade da pessoa humana e igualdade substancial.
A tutela, tradicionalmente vinculada à defesa de menores sem pais, assume perfil mais rigoroso, com reforço do controle judicial e maior clareza quanto ao seu caráter subsidiário. A curatela, por sua vez, deixa de ser vista como regra automática diante da incapacidade, passando a ocupar posição residual, limitada a hipóteses estritas e sujeita a balizas de proporcionalidade. Esse redesenho visa compatibilizar proteção do incapaz com preservação de sua autonomia, privilegiando medidas menos invasivas. Tal abordagem torna-se relevante, sobretudo, quando conectada ao direito sucessório, no qual a administração de bens de incapazes exige disciplina clara, fiscalização e prestação de contas transparente.
O presente estudo tem como objetivo analisar os fundamentos, os limites e as perspectivas da tutela e da curatela, avaliando suas implicações práticas.
2. Estrutura normativa da tutela e da curatela no CC/2002
2.1. Fundamentos constitucionais e legais
A disciplina da tutela e da curatela encontra assento na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002. O texto constitucional estabelece como fundamento da República a dignidade da pessoa humana e consagra a igualdade formal e material, impondo ao Estado a proteção integral da criança, do adolescente e da pessoa com deficiência. Tais valores estruturam a compreensão desses institutos, que não podem ser interpretados apenas como mecanismos de limitação, mas como instrumentos de inclusão e promoção de direitos.
No plano infraconstitucional, o Código Civil de 2002 disciplinou a tutela como medida destinada à proteção de menores desprovidos do poder familiar e regulou a curatela para aqueles que, por enfermidade ou deficiência, não pudessem exprimir a própria vontade. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, aprovado em 2015, modificou substancialmente a concepção tradicional, reduzindo o alcance da curatela e priorizando alternativas menos invasivas, como a tomada de decisão apoiada. Assim, a regra passou a ser a capacidade civil plena, sendo a restrição um recurso excepcional.
A tutela e a curatela devem ser compreendidas à luz do princípio da proteção integral. A interpretação sistemática exige que a aplicação desses institutos seja guiada não apenas pela letra da lei, mas pelo fim a que se destinam: assegurar a defesa do incapaz sem desconsiderar sua autonomia. O curador e o tutor não assumem um poder ilimitado, mas exercem um encargo delimitado pelo interesse da pessoa protegida. Nesse sentido, as normas legais funcionam como condicionantes, que devem ser constantemente cotejadas com a finalidade constitucional de promoção da dignidade.
A reforma do Código Civil procura consolidar a função protetiva da tutela e da curatela em moldes mais consentâneos com a ordem constitucional. Busca-se fortalecer a fiscalização judicial e, ao mesmo tempo, restringir as hipóteses de restrição da capacidade. Trata-se de harmonizar a necessidade de cuidado com a preservação da liberdade individual, evitando soluções que convertam a proteção em instrumento de exclusão.
2.2. Finalidade protetiva e caráter subsidiário
A tutela e a curatela são institutos que buscam proteger pessoas em condição de vulnerabilidade, seja em virtude da menoridade, seja por incapacidade de exprimir a própria vontade. A sua finalidade primordial não reside em retirar direitos, mas em possibilitar que o incapaz, direta ou indiretamente, tenha preservados seus interesses pessoais e patrimoniais. Assim, não se pode compreendê-los como mecanismos de restrição generalizada, mas como medidas de inclusão destinadas a assegurar o exercício de direitos em consonância com a dignidade da pessoa humana.
A natureza protetiva revela-se também em seu caráter subsidiário. A nomeação de tutor ou curador não deve ser entendida como solução primeira, mas como recurso a ser acionado somente quando inexistirem outras formas menos invasivas de assegurar a proteção da pessoa envolvida. Esse traço se evidencia, por exemplo, na tomada de decisão apoiada, que privilegia a autonomia da pessoa com deficiência e apenas em caráter residual admite a imposição de curatela. O mesmo se aplica à tutela, cuja instituição somente se legitima em situações em que não subsiste o poder familiar.
A subsidiariedade manifesta-se, ainda, no dever de constante avaliação judicial sobre a necessidade e extensão da medida. Decisões recentes têm salientado que a curatela deve restringir-se aos atos patrimoniais e negociais, afastando qualquer interpretação que amplie de modo indiscriminado sua abrangência, sob pena de violar a liberdade individual reconhecida pela Constituição. Nesses termos, julgados vêm reiterando que a substituição do curador se justifica sempre que houver risco ao incapaz ou indícios de má administração dos bens confiados à gestão, reafirmando que a medida deve se manter atrelada ao interesse protegido e não ao poder do representante judicialmente nomeado.1
Portanto, a função protetiva da tutela e da curatela não se realiza pela extensão ilimitada do encargo, mas pela definição precisa de seus limites, reforçando que tais institutos devem ser aplicados de forma restrita, proporcional e orientada pela máxima preservação da autonomia possível. A reforma do Código Civil de 2025 reforça esse entendimento ao consolidar a regra da subsidiariedade e da excepcionalidade, elevando a autonomia da pessoa incapaz à condição de eixo central, sem desprezar a necessidade de proteção em casos de manifesta impossibilidade de autogestão.
2.3. Interpretação sistemática diante da CF/1988 e do Estatuto da Pessoa com Deficiência
A tutela e a curatela, ainda que reguladas no Código Civil de 2002, não podem ser interpretadas de maneira isolada. Sua compreensão demanda leitura sistemática em conformidade com a Constituição Federal de 1988, que erige a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de direito, e com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que incorporou à legislação ordinária os parâmetros da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de status constitucional.
A Constituição estabelece como dever do Estado assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos da criança, do adolescente e da pessoa com deficiência, vinculando a atuação do legislador e do juiz. Nesse cenário, a tutela e a curatela não podem ser vistas como instrumentos de supressão da autonomia, mas como medidas de caráter excepcional e proporcional, destinadas a preservar a integridade de quem se encontra em condição de vulnerabilidade.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou o regime das incapacidades civis, eliminando presunções absolutas e afirmando a regra da plena capacidade das pessoas com deficiência, salvo quando, por decisão judicial fundamentada, se revelar indispensável restringir a prática de determinados atos patrimoniais e negociais. Esse marco normativo produziu reinterpretação obrigatória das disposições do Código Civil, impondo ao aplicador a necessidade de justificar a imposição da curatela com base em critérios de necessidade, adequação e menor onerosidade.
Nesse sentido, decisões têm afirmado que a curatela não pode ser decretada de forma ampla, mas restrita ao estritamente necessário, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana e às diretrizes constitucionais de inclusão social.2 A mesma lógica se aplica à substituição ou à remoção do curador, sempre condicionada ao interesse do curatelado e à proteção de seus direitos fundamentais.3
A interpretação sistemática revela, portanto, que os institutos da tutela e da curatela, à luz da Constituição e do Estatuto da Pessoa com Deficiência, devem ser concebidos como medidas protetivas de último recurso, jamais como regra automática. A reforma do Código Civil fortalece essa leitura ao reafirmar a excepcionalidade dessas medidas e ao consolidar a tomada de decisão apoiada como mecanismo preferencial.
3. A reforma do Código Civil
3.1. Reorganização metodológica do direito de família e sucessões
A proposta de reforma do Código Civil introduz alterações estruturais no modo de organizar o direito de família e sucessões, adotando uma perspectiva sistemática que rompe com a fragmentação anteriormente existente. A disposição dos institutos não mais se limita a uma classificação formal, mas busca refletir a lógica material de proteção das pessoas em condição de vulnerabilidade. Essa reorganização metodológica corresponde a um esforço de aproximar o plano normativo aos valores constitucionais, especialmente a dignidade da pessoa humana e a igualdade substancial.
A inserção da tutela, da curatela e da tomada de decisão apoiada em núcleo próprio evidencia a preocupação em dar maior clareza às medidas destinadas a pessoas que necessitam de representação ou assistência. Ao reunir os mecanismos de proteção sob um mesmo título, a codificação promove maior coerência interna e permite compreender tais instrumentos não como simples exceções à regra da capacidade, mas como parte de um sistema de garantias voltado à proteção do indivíduo.
Esse novo arranjo metodológico também afeta a compreensão do direito sucessório. A administração dos bens do incapaz passa a ser prevista em estreita conexão com as regras de tutela e curatela, reforçando a necessidade de prestação de contas, de transparência e de fiscalização judicial. A função do tutor ou curador deixa de ser vista como encargo apenas patrimonial e assume dimensão mais ampla, vinculada à efetivação do melhor interesse do tutelado ou curatelado.
A reorganização reflete uma mudança de paradigma: em vez de partir da incapacidade como regra, a codificação parte da capacidade plena como ponto de partida, admitindo restrições somente quando indispensáveis. Essa inversão metodológica é fundamental para interpretar a tutela e a curatela como medidas excepcionais, aplicáveis sob controle judicial rigoroso e voltadas para a realização da autonomia possível.
3.2. Novas diretrizes da tutela
3.2.1. Reforço do controle judicial
A reforma do Código Civil reforça a centralidade do controle judicial no exercício da tutela e da curatela. Esse movimento não significa apenas ampliar a presença do juiz nos atos de fiscalização, mas também transformar a lógica pela qual tais institutos são aplicados. A intervenção judicial deixou de ter caráter meramente homologatório para assumir feição ativa, voltada a assegurar a finalidade protetiva de forma contínua.
O controle judicial passa a ser exigência permanente, impondo ao tutor ou curador o dever de prestar contas de maneira regular, mediante documentos comprobatórios que permitam verificar a utilização dos recursos em benefício do tutelado ou curatelado. A omissão nesse encargo autoriza a responsabilização do representante, bem como sua substituição quando houver indícios de má administração ou de riscos concretos à integridade física e patrimonial do incapaz. Nesse sentido, a exigência de prestação periódica de contas impede que a função seja reduzida a mera formalidade, vinculando-a à efetiva demonstração da idoneidade da gestão.
A experiência prática revela que, ao intensificar a fiscalização judicial, o legislador buscou evitar abusos e desvios que, em muitos casos, acabavam por agravar a vulnerabilidade da pessoa protegida. Julgados recentes afirmaram que o curador, além de prestar contas, deve comprovar documentalmente que a administração dos bens tem sido exercida em conformidade com o interesse do incapaz, sob pena de responsabilização pessoal.4 A função do magistrado, nesse cenário, não é apenas aprovar relatórios, mas também determinar medidas corretivas, substituir o curador ou exigir garantias adicionais sempre que houver indícios de prejuízo.
Esse reforço de controle judicial é coerente com o princípio da proporcionalidade, pois amplia a proteção sem eliminar a autonomia possível. Não se trata de fiscalizar por fiscalizar, mas de impor limites racionais ao exercício do encargo, garantindo que o instituto não se converta em instrumento de violação de direitos. A reforma, ao intensificar a exigência de prestação de contas e a possibilidade de intervenção judicial a qualquer tempo, reafirma a função pública desses encargos e consolida sua vinculação direta ao interesse do tutelado ou curatelado.
3.2.2. Proteção integral do tutelado
A reforma do Código Civil reafirma a proteção integral como núcleo estruturante da tutela. Esse direcionamento não se limita a garantir a subsistência material do tutelado, mas envolve a preservação de sua dignidade em todas as dimensões da vida civil. A proteção deve ser compreendida de forma ampla, abrangendo desde a administração responsável dos bens até a garantia do desenvolvimento pessoal, educacional e social da criança ou adolescente sob tutela.
A interpretação do instituto deve considerar que a medida não outorga ao tutor poder ilimitado sobre o tutelado. Ao contrário, o encargo é delimitado pelo interesse da pessoa protegida, cuja primazia é reconhecida pela Constituição e pelos tratados internacionais de direitos humanos incorporados ao ordenamento. A função tutelar, nesse sentido, é voltada ao atendimento do melhor interesse do menor, princípio que opera como parâmetro de validade e eficácia de todos os atos praticados em seu nome.
A jurisprudência tem destacado que, ainda que exista vínculo familiar ou afetivo entre tutor e tutelado, o exercício da tutela deve ser fiscalizado de modo a assegurar a prevalência do interesse do incapaz. A manutenção ou substituição do tutor não decorre de prerrogativas pessoais, mas da efetiva demonstração de que o encargo está sendo exercido em consonância com as necessidades do protegido.5 Essa perspectiva reforça a noção de que a tutela não é direito subjetivo do tutor, mas função pública de natureza assistencial.
O reforço legislativo à proteção integral também se manifesta no aumento das hipóteses de intervenção judicial. Sempre que houver indícios de violação de direitos, compete ao magistrado adotar medidas corretivas, que podem ir desde a exigência de prestação detalhada de contas até a remoção do tutor. Essa prerrogativa do Judiciário garante que a tutela se mantenha um instrumento de efetiva proteção, e não de opressão.
Ao consolidar a proteção integral como princípio reitor da tutela, a proposta desloca o foco da formalidade do encargo para a substância do cuidado. Assim, o exercício da tutela somente se legitima enquanto cumprir a função de preservar direitos fundamentais do tutelado, devendo ser revisto sempre que se desviar dessa finalidade.
3.3. Novas diretrizes da curatela
3.3.1. Excepcionalidade e proporcionalidade
Na reforma, a curatela consolida-se como medida de caráter nitidamente excepcional. O legislador rompeu com a tradição que vinculava a incapacidade a um regime automático de representação, estabelecendo que a regra é a plena capacidade civil e que a restrição somente se admite em hipóteses de absoluta necessidade. Essa excepcionalidade decorre não apenas de uma opção legislativa, mas da exigência constitucional de respeito à dignidade da pessoa humana, que impõe preservar a autonomia como valor prioritário.
O princípio da proporcionalidade torna-se, nesse contexto, critério de controle da curatela. A imposição da medida deve observar a adequação entre a restrição e o fim protetivo que se pretende atingir, a necessidade de sua decretação diante da inexistência de alternativas menos gravosas e a proporcionalidade em sentido estrito, consistente no sopesamento entre a proteção do incapaz e a preservação de sua liberdade. A interpretação que amplia de forma indiscriminada o alcance da curatela revela-se incompatível com esses parâmetros e viola a lógica constitucional que orienta a reforma.
A jurisprudência recente evidencia essa mudança ao reconhecer que a curatela deve restringir-se exclusivamente aos atos patrimoniais e negociais, vedando sua extensão a aspectos existenciais da vida civil, salvo quando expressamente justificado pelo interesse do curatelado.6 Essa orientação impede que a medida seja convertida em mecanismo de exclusão social, reforçando seu caráter residual e sua vinculação direta ao princípio da proporcionalidade.
A excepcionalidade da curatela exige, ainda, constante revisão judicial. A permanência da medida não pode ser presumida, mas deve ser periodicamente reavaliada para verificar se as circunstâncias que a justificaram permanecem presentes. Essa exigência reforça a transitoriedade da restrição e assegura que a curatela não se perpetue como solução automática, mas apenas enquanto necessária à preservação do interesse protegido.
O projeto reafirma que a curatela não é regra, mas recurso extremo. A proporcionalidade garante que a restrição de direitos não ultrapasse o indispensável, evitando que a proteção se converta em ofensa à autonomia, elemento essencial da condição humana.
3.3.2. Curatela compartilhada
A reforma consolida a curatela compartilhada como medida preferencial em situações que exigem a representação do incapaz. Essa inovação traduz a percepção de que a proteção se realiza de modo mais eficaz quando exercida por mais de uma pessoa, especialmente em contextos familiares nos quais há pluralidade de vínculos afetivos.
A curatela compartilhada tem como finalidade distribuir responsabilidades, diluir riscos de má administração e fortalecer o acompanhamento do curatelado. A presença conjunta de curadores permite maior transparência na tomada de decisões e possibilita que interesses divergentes sejam equilibrados em benefício da pessoa protegida. Esse modelo revela-se particularmente adequado em famílias nas quais mais de um descendente demonstra condições de assumir o encargo ou quando o cônjuge, por razões de idade ou saúde, não pode desempenhar a função de forma plena.
Os julgados mais recentes têm reconhecido a utilidade da curatela compartilhada em hipóteses de animosidade entre familiares ou de risco de concentração de poder em apenas um curador. Nessas situações, a designação conjunta funciona como mecanismo de equilíbrio, assegurando que as decisões não reflitam apenas o interesse particular de quem detém a função, mas o conjunto de razões que melhor protegem o incapaz.7 Essa orientação confirma que a curatela compartilhada não é mera faculdade, mas instrumento de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, ao reforçar a pluralidade de perspectivas na gestão da vida civil do curatelado.
Ao positivá-la expressamente, o projeto atribui-lhe caráter estruturante, que busca reduzir litígios sobre nomeação de curador e evitar remoções sucessivas, privilegiando a cooperação entre familiares. O magistrado deve considerar a curatela compartilhada como solução prioritária sempre que o interesse do incapaz puder ser melhor atendido por meio da atuação conjunta de mais de um curador.
3.3.3. Tomada de decisão apoiada
A tomada de decisão apoiada, incorporada ao ordenamento brasileiro pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, torna-se alternativa prioritária em relação à curatela. Trata-se de mecanismo que não substitui a vontade da pessoa, mas a auxilia, garantindo-lhe o direito de participar de atos da vida civil com apoio de pessoas de sua confiança.
A centralidade desse instituto reside no deslocamento do paradigma: busca-se preservar a autonomia ao máximo, admitindo limitações apenas quando estritamente necessárias. A função do apoiador não é a de decidir em lugar da pessoa, mas de oferecer os elementos que permitam a escolha consciente, cabendo ao apoiado a decisão final. Essa lógica rompe com a visão tradicional que vinculava a incapacidade a uma suposta fragilidade absoluta e a convertia em regra de exclusão.
O caráter preferencial da tomada de decisão apoiada é reforçado pela jurisprudência, que a reconhece como medida menos restritiva e, portanto, prioritária frente à curatela, sempre que a situação concreta permitir sua adoção.8 Essa orientação está em harmonia com o princípio da proporcionalidade, pois possibilita a proteção sem suprimir de forma desnecessária a liberdade do indivíduo.
A reforma objetiva fortalecer a fiscalização judicial da tomada de decisão apoiada, prevendo que o juiz deve acompanhar sua execução e intervir quando houver indícios de abuso, negligência ou divergência entre o apoiado e os apoiadores. Essa previsão assegura que o instituto não seja desvirtuado, mantendo sua finalidade de ampliar, e não restringir, o exercício da capacidade civil.
Assim, a tomada de decisão apoiada consagra uma concepção inclusiva de proteção. Ao invés de reduzir a pessoa a objeto de representação, reconhece-a como sujeito de direitos, capaz de decidir com suporte. A reforma do Código Civil, ao consolidar esse modelo, projeta uma leitura mais consentânea com os valores constitucionais e com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em matéria de direitos humanos.
3.4. Sucessões e responsabilidade do tutor e do curador
A proposta também traz modificações no direito sucessório, sobretudo no que concerne à administração de bens pertencentes a herdeiros incapazes. A vinculação entre sucessões, tutela e curatela passa a ser tratada de forma mais integrada, de modo a reforçar a responsabilidade de quem exerce o encargo. Não se trata apenas de conferir a esses representantes poderes de gestão, mas de impor-lhes deveres vinculados ao interesse exclusivo do tutelado ou curatelado.
A função de administrar patrimônio sucessório envolve o dever de prestar contas detalhadas, com a demonstração de que os frutos e rendimentos foram aplicados em favor do herdeiro incapaz. Essa exigência se harmoniza com a concepção de que a tutela e a curatela são encargos de natureza pública, sujeitos a rígido controle judicial. A omissão em prestar contas ou a má utilização de recursos gera responsabilidade civil e pode ensejar a substituição do tutor ou do curador, assegurando-se a continuidade da proteção patrimonial.
A jurisprudência recente tem reiterado que a administração de bens herdados por incapazes deve ser pautada pelo princípio da transparência. Julgado reconheceu, por exemplo, que a prestação de contas não se extingue com a morte do curatelado, sendo exigível mesmo após o término da curatela, a fim de garantir que eventuais débitos ou créditos sejam devidamente apurados e incorporados ao espólio.9 Essa orientação confirma a ideia de que o patrimônio do incapaz não se confunde com o do administrador, mas deve ser gerido de forma autônoma e controlada.
O mesmo se aplica à tutela. A nomeação de tutor em inventário que envolve herdeiro menor não transfere a esse responsável liberdade ilimitada sobre os bens, mas impõe a obrigação de gerir em conformidade com o melhor interesse do incapaz. A alienação, a oneração ou qualquer ato de disposição exige autorização judicial fundamentada, sob pena de nulidade. O controle se torna ainda mais relevante em contextos nos quais a herança envolve valores expressivos ou rendimentos periódicos, demandando relatórios regulares de utilização.
A reforma, ao integrar tutela e curatela ao regime sucessório, reafirma a responsabilidade desses encargos. A administração dos bens do incapaz, seja no curso do inventário ou após a partilha, permanece submetida ao escrutínio judicial, não como mera formalidade, mas como exigência vinculada ao princípio da proteção integral. Desse modo, a tutela e a curatela no contexto sucessório deixam de ser vistas como instrumentos de mera substituição formal e passam a ser compreendidas como mecanismos de preservação patrimonial rigorosamente fiscalizados.