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A necessidade do porte de armas para mulheres vítimas de violência doméstica

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05/12/2025 às 08:39

Resumo:


  • O aumento dos índices de violência doméstica e feminicídio no Brasil tem levantado a discussão sobre a concessão do porte de armas para mulheres vítimas, diante da ineficácia das medidas protetivas existentes.

  • A legislação brasileira, especialmente o Estatuto do Desarmamento, impõe restrições ao porte de armas, dificultando o acesso das mulheres em situação de risco, mesmo diante da legítima defesa e do direito à vida.

  • O debate sobre o porte de armas para mulheres em risco destaca a necessidade de equilibrar as forças entre vítimas e agressores, considerando a arma de fogo como um instrumento eficaz de autoproteção e defesa, desde que acompanhado de treinamento e conscientização adequados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. A LEGÍTIMA DEFESA ARMADA COMO INSTRUMENTO JURÍDICO DE PROTEÇÃO DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A legítima defesa é uma excludente de ilicitude prevista no artigo 25 do Código Penal Brasileiro, permitindo ao indivíduo o uso moderado dos meios necessários para repelir uma agressão injusta, atual ou iminente14.

Portanto, há previsão legal para que o indivíduo responda a uma agressão sem ser responsabilizado criminalmente por seus atos, desde que cumpra os requisitos estipulados em lei, quais sejam: a existência de agressão injusta; que essa agressão seja atual ou iminente, isto é, que esteja acontecendo ou prestes a acontecer; e, por fim, que haja moderação nos meios empregados.

Greco reforça a compreensão de que a legítima defesa constitui autorização excepcional, conferida ao indivíduo, para agir quando o Estado, embora titular do dever constitucional de zelar pela segurança pública, não consegue intervir de forma imediata e eficaz. Assim dispõe o autor:

“Como é de conhecimento de todos, o Estado, por meio de seus representantes, não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, razão pela qual permite aos cidadãos a possibilidade de, em determinadas situações, agir em sua própria defesa.

Contudo, tal permissão não é ilimitada, pois encontra suas regras na própria lei penal. Para que se possa falar em legítima defesa, que não pode jamais ser confundida com vingança privada, é preciso que o agente se veja diante de uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, responsável constitucionalmente por nossa segurança pública, e, só assim, uma vez presentes os requisitos legais de ordem objetiva e subjetiva, agir em sua defesa ou na defesa de terceiros.”15

No entendimento de José Cerezo Mir, sequer é necessária a impossibilidade de atuação estatal para que se configure a legítima defesa, conforme se observa a seguir:

“A impossibilidade de atuação dos órgãos do Estado não é sequer um pressuposto ou requisito da legítima defesa. Se a agressão coloca em perigo o bem jurídico atacado, a defesa é necessária com independência de que os órgãos do Estado possam atuar ou não nesse momento de um modo eficaz. Se o particular, ao impedir ou repelir a agressão, não vai além do estritamente necessário e concorrem os demais requisitos da eximente, estará amparado pela mesma, ainda que um agente da autoridade houvesse podido atuar nesse mesmo momento, do mesmo modo”16

O embasamento constitucional para a existência da legítima defesa encontra-se respaldado no artigo 5º da Constituição Federal, que prevê, em seu caput, a inviolabilidade do direito à vida. No âmbito da violência doméstica, o instituto adquire contornos mais amplos e complexos, pois a agressão não se manifesta apenas em sua forma física, mas também por meio de ameaças, violência psicológica, patrimonial, sexual e moral, configurando um ciclo contínuo de dominação e intimidação que, em muitos casos, culmina no risco real de feminicídio.

Nesse contexto, torna-se necessário analisar um dos requisitos centrais da legítima defesa: o meio necessário. Como já afirmado anteriormente, a compleição física das mulheres é, em regra, mais frágil que a dos homens — que constituem a maioria dos agressores em casos de violência doméstica. Assim, torna-se necessário que, na ausência do Estado, a mulher possa defender-se adequadamente, sendo a arma de fogo o instrumento que mais eficazmente equilibra essa disparidade de forças.

A doutrina penal vem apontando a necessidade de uma interpretação mais abrangente da legítima defesa nesses casos. Greco sustenta que o uso de meios letais proporcionais pode ser justificado17, inclusive quando a mulher reage diante de ameaça iminente e contínua, desde que preenchidos os critérios da proporcionalidade e da necessidade. Nesses cenários, o emprego de arma de fogo pode configurar ato legítimo de preservação da própria vida.

Nesse sentido, ganha força o debate sobre a concessão do porte de arma de fogo para mulheres em situação de risco. Tal possibilidade tem sido defendida como extensão legítima do direito à autodefesa, especialmente diante da comprovada ineficácia das medidas protetivas de urgência em numerosos casos concretos. De acordo com Kleck e Gertz18, estudos realizados nos Estados Unidos demonstram que vítimas armadas em situações de ameaça extrema possuem maiores chances de evitar desfechos fatais em ataques domésticos.

Na doutrina brasileira, Fabrício Rebelo apresenta entendimento convergente:

Considerada essa estrutura jurídica, não deveria suscitar maiores discussões o fato de ser a autodefesa, essencialmente, um direito individual, ou seja, a prerrogativa que é dada ao indivíduo de manter a sua existência, de fato, inviolável. Uma verdadeira garantia de liberdade para adotar as condutas indispensáveis a fim de continuar vivo.

Por seu turno, para que consiga eficazmente se preservar, torna-se imprescindível que o cidadão tenha acesso aos meios a tanto necessários, isto é, aos instrumentos dissuasórios capazes de inibir ou eliminar uma agressão à sua vida. E, nesse sentido, na dinâmica contemporânea das relações humanas, nada se põe em patamar superior ao das armas de fogo. São elas que podem colocar em situação de igualdade a vítima e seu algoz – ou, até mesmo, aquela em situação mais favorável que este.19

Com a previsão constitucional da inviolabilidade do direito à vida, incumbe ao Estado garantir a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e, na sua ausência ou ineficiência, permitir que elas possam garantir individualmente esse direito. Sendo a arma de fogo o instrumento que equaliza forças entre a vítima e o agressor, seu acesso torna-se medida de proteção individual. Conforme defende Luciano Lara:

“Esse é o fundamento constitucional da Legítima Defesa e, sabidamente, o instrumento que assegura os meios de efetivação dessa garantia é a arma de fogo, o equiparador de forças por excelência, o instrumento que permite que uma pessoa de menor compleição física, ou enfrentando maior número de agressores, ou mesmo não tendo maldade em suas ações, vindo a ter um encontro com o mal verdadeiro, desse não padeça ou por esse não pereça.” 20

A legítima defesa deve ser compreendida como instrumento jurídico legítimo que pode justificar o uso de meios letais por mulheres em situação de risco grave. Sua aplicação, contudo, exige análise criteriosa, respeitando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como a realidade social vivida pelas vítimas de violência doméstica. Sobre isso, destaca Fabrício Rebelo:

Não se trata, obviamente, de substituir a ação punitiva estatal pela reação. Legítima defesa não se confunde com justiçamento e não tem o objetivo de punir o agressor, mas de preservar a vítima. Ao viabilizá-la, o fundamental é criar o receio, ainda que em tese, de que o ataque seja resistido. Um equilíbrio pelo temor, diante do respeito perdido.21

Como se observa, não se pretende neste trabalho propor qualquer forma de justiçamento ou substituição da ação estatal pela reação individual, mas apenas viabilizar que essas mulheres deixem de ser vítimas indefesas e possam exercer o direito fundamental de continuar existindo. É importante lembrar que o simples fato de o agressor saber que a mulher não estará indefesa — e que ela pode oferecer risco real à integridade dele — já pode funcionar como fator dissuasório relevante.

Dar ao agressor a dúvida sobre a possibilidade de reação pode salvar vidas. Nas palavras de Rebelo:

Não se trata, como muitos insistem em resumir, de estimular que se reaja indistintamente, tampouco de distribuir armas sem critério a uma população. A abordagem precisa ser técnica, relativa ao efeito inibidor que a mera possibilidade de haver vítima ou testemunha armadas representa para o agressor, algo muito aos que se aprofundam no estudo da segurança pública, nele conhecido como halo effect – ou “efeito auréola”, em livre tradução. Trata-se, apenas, de se reconhecer a substancial importância de não dar a criminosos a certeza da ausência de reação, seja por suas vítimas, seja por qualquer outro cidadão que presencie a ação.22

Prossegue o autor:

Se os Criminosos não nutrem receio por punições estatais, se valendo da reinante impunidade, é necessário que temam, ao menos suas vítimas, a reação que delas por partir. Somente assim se pode estabelecer um sistema de freio e contrapesos, até que as instituições recuperem seu papel e possam imprimir à sociedade uma credibilidade inibitória das ações transgressivas. Equilibrar as forças entre criminosos e suas vítimas é o papel essencial das armas de fogo em poder do cidadão, criando no agressor a dúvida acerca da confrontação.23

De acordo com pesquisa realizada por John R. Lott Jr., em 95% das vezes, a mera exibição de uma arma de fogo é suficiente para impedir a consumação do crime24.

O debate sobre esse acesso deveria, inclusive, abranger mecanismos de incentivo fiscal para mulheres vítimas de violência doméstica. Quantos feminicídios poderiam ter sido evitados se as vítimas estivessem armadas e pudessem repelir o agressor? Bene Barbosa e Flávio Quintela suscitam essa reflexão:

Quantos casos de homicídios e latrocínios não poderiam ter sido evitados se a vítima tivesse acesso rápido a uma arma? Jamais teremos esse número disponível, pois seria um exercício de mediunidade, e não uma averiguação de ficção científica. Mas as evidências, as pesquisas, e os casos documentados mostram, sem sombra de dúvida, que a presença de uma arma nas mãos da vítima aumenta consideravelmente sua chance de sobrevivência, mesmo quando ela tem que se engajar num confronto direto. Estudos mostram que uma vítima armada que reage tem o dobro de chances de sobreviver do que uma que adota a postura de submissão irrestrita ao criminoso.25

No mesmo sentido, Lott Jr. adverte que o debate público frequentemente ignora os benefícios defensivos das armas de fogo:

O debate sobre o controle de armas levanta a questão sobre o banimento das armas usadas em crimes, mas falha ao não perguntar se suas características as tornam ainda mais úteis em situações defensivas. A cada ano o governa publica relatórios sobre o número de crimes cometidos com armas, mas as pesquisas do governo não perguntam diretamente às pessoas sobre o outro lado da questão: se elas usaram uma arma para evitar um crime.

Os anúncios de serviço público do governo também exageram bastante os riscos das armas, sem nenhuma menção aos seus benefícios.26

Por evidente, questões relativas à segurança no uso e ao risco de acidentes não devem ser negligenciadas. Todavia, tais desafios devem ser enfrentados por meio de treinamento adequado, educação continuada e capacitação técnica. Apenas portar uma arma não torna a mulher apta a utilizá-la em situação de risco; por isso, qualquer política que permita esse acesso deve necessariamente ser acompanhada de programas de capacitação técnica, a fim de que consiga alcançar seu objetivo sem causar danos colaterais a terceiros inocentes.

Defende-se apenas que a mulher possa ser autora de sua própria história e não tenha seu fim abreviado por um agressor, pois somente uma mulher armada poderá se defender de um homem armado, conforme defende Bene Barbosa:

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A mensagem é clara: gente disposta a matar só pode ser parada por outras pessoas, armadas, com a mesma disposição. É a eterna luta entre lobos e os cães pastores. Ambos possuem dentes, ambos podem morder, machucar, matar. A diferença é que só um deles tem por alvo as ovelhas inofensivas.27

Dessa forma, com o porte de armas e devidamente treinada, a mulher vítima de violência doméstica poderá deixar de ser uma ovelha indefesa e tornar-se um cão pastor nessa eterna luta contra os lobos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O alarmante aumento do número de feminicídios nos últimos anos decorre, em grande parte, da ineficácia do Estado em combater esse tipo de crime, resguardar os direitos das vítimas de violência doméstica e garantir a efetividade das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Tal situação resulta tanto da ausência de mecanismos concretos de acompanhamento das restrições impostas quanto da insuficiência de efetivo policial, somada ao fato de que o Estado não pode estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo. Torna-se evidente a necessidade de medidas eficazes para alterar essa realidade.

Considerando que, em geral, os agressores possuem compleição física superior à das vítimas, e que a arma de fogo se apresenta como o meio mais eficaz de equilibrar as forças entre ambos, entende-se que a forma mais viável de conter o crescimento dos índices de feminicídio é garantir o acesso ao armamento por essas mulheres.

Para tanto, faz-se necessária a alteração da Lei nº 10.826/2003, de modo a dispensar a comprovação da “efetiva necessidade” ou, alternativamente, considerar como tal o simples fato de a mulher ter sido vítima de violência doméstica, eliminando a subjetividade da avaliação realizada pela Polícia Federal.

Além disso, deve-se facilitar a aquisição desses equipamentos, uma vez que a elevada carga tributária incidente sobre armas e munições encarece sobremaneira o produto, tornando-o inacessível para grande parte das mulheres que integram esse grupo, muitas das quais possuem baixo poder aquisitivo. Como o objetivo é capacitá-las para sua própria defesa, a redução ou isenção tributária para vítimas de violência doméstica configura medida essencial.

Ressalte-se que a alteração legislativa teria como finalidade exclusiva assegurar o direito à vida dessas mulheres, não abrangendo eventuais delitos que venham a cometer com a arma, os quais devem ser exemplarmente punidos.

Por fim, defende-se que a implementação dessa medida seja acompanhada de campanhas de conscientização e capacitação, a fim de que essas mulheres estejam aptas a manusear o armamento de forma segura e eficaz, minimizando riscos e aumentando suas chances de sobrevivência.

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Sobre o autor
Fabio Egido Volú

Servidor Público do Estado de São Paulo, tendo atuado como Advogado inscrito na OAB/DF dos anos de 2011 até 2025, formado pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB em março de 2011, pós-graduado em Ciências Políticas Aplicadas às Carreiras Policiais, pelo Gran Centro Universitário em janeiro de 2025, Pós graduado em Direito Penal e Processual Penal com habilitação para docência em ensino superior pela Faculdade de Minas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VOLÚ, Fabio Egido. A necessidade do porte de armas para mulheres vítimas de violência doméstica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8192, 5 dez. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115418. Acesso em: 5 dez. 2025.

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