Capa da publicação BRB x Master: veto do BC preserva sistema financeiro
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A sucessão empresarial e bancária na decisão do Banco Central que vedou a aquisição do Banco Master pelo BRB

05/09/2025 às 15:25

Resumo:


  • O artigo analisa a decisão do Banco Central que vetou a aquisição do Banco Master pelo BRB, sob a ótica da sucessão empresarial e bancária.

  • A negativa do Banco Central teve como objetivo evitar a transferência de riscos privados a uma instituição pública, protegendo o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro.

  • O caso destaca a importância do compliance e da governança corporativa como instrumentos de prevenção de sucessões arriscadas no sistema financeiro, evidenciando a atuação regulatória do Banco Central.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Decisão do Banco Central sobre Banco Master evitou sucessão bancária de alto risco. O veto impediu que prejuízos privados fossem transferidos ao BRB?

Resumo: O presente artigo analisa a decisão do Banco Central do Brasil que barrou a aquisição do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB), examinando-a sob o prisma jurídico da sucessão empresarial e bancária. O estudo parte do contexto fático da operação societária frustrada, marcada por pressões políticas e por relevante risco sistêmico decorrente da carteira de ativos do Banco Master, lastreada em precatórios e créditos tributários de baixa liquidez. À luz da Lei nº 4.595/1964, do Código Civil, da legislação tributária e trabalhista, bem como da jurisprudência dos tribunais superiores, sustenta-se que a negativa da autoridade monetária teve como efeito evitar a transferência de riscos privados a uma instituição pública, obstando uma sucessão empresarial potencialmente nociva ao interesse público. Adicionalmente, investiga-se o papel do compliance e da governança corporativa como instrumentos de prevenção e contenção de sucessões arriscadas no sistema financeiro, evidenciando que a atuação do Banco Central funcionou como um mecanismo de enforcement regulatório e de preservação de padrões mínimos de governança.

Palavras-chave: Sucessão empresarial. Banco Central. Sistema financeiro. Compliance. Governança corporativa. Banco Master. BRB.

Sumário: 1. Introdução. 2. O contexto fático da operação Banco Master – BRB. 3. Sucessão empresarial e societária: bases normativas no direito brasileiro. 4. A especificidade da sucessão bancária e o papel do Banco Central. 5. O risco de sucessão de passivos no caso Master-BRB. 6. Comparação com outros regimes de sucessão: trabalhista, tributária e falimentar. 7. Compliance e sucessão bancária: a decisão do Banco Central como enforcement regulatório. 8. Governança corporativa e sucessão bancária: a preservação da integridade do sistema financeiro. 9. A autonomia do Banco Central e a tutela do interesse público. 10. Considerações finais. Referências.


1. Introdução

A sucessão empresarial, em suas diversas manifestações jurídicas, constitui tema de especial relevância para a preservação de direitos e obrigações na esfera patrimonial, trabalhista, tributária e regulatória.

No setor bancário, essa temática assume maior densidade, pois envolve a estabilidade do sistema financeiro nacional e a proteção da poupança popular, bens jurídicos tutelados pela Constituição e pela legislação infraconstitucional.

O recente episódio em que o Banco Central do Brasil (BCB) rejeitou a aquisição do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB) trouxe à tona não apenas questões de governança regulatória e de autonomia da autoridade monetária, mas também problemáticas atinentes à sucessão empresarial.

A operação, se autorizada, teria implicado a transferência de riscos privados de uma instituição fragilizada a um banco público, com potenciais repercussões sobre os cofres do Distrito Federal e sobre a confiança no sistema financeiro.

O presente artigo busca examinar o caso sob a ótica da sucessão, destacando como a decisão do BCB atuou como barreira jurídica e institucional à socialização de prejuízos privados, relacionando-a também aos institutos do compliance e da governança corporativa.


2. O contexto fático da operação Banco Master – BRB

Em março de 2025, o BRB firmou acordo para adquirir 49% das ações com direito a voto do Banco Master, por cerca de 2 bilhões de reais.

A operação foi motivada pela necessidade de capitalização do Master, que enfrentava dificuldades de liquidez em razão de sua estratégia agressiva de captar recursos por meio de CDBs com taxas acima da média de mercado, lastreados em precatórios e créditos tributários.

O negócio foi alvo de críticas tanto no mercado quanto em setores políticos, em virtude dos riscos de insolvência da instituição.

Além disso, verificou-se intensa pressão política sobre o Banco Central para que autorizasse a transação, inclusive com ameaças de restrição à autonomia da autarquia.

O BCB, entretanto, rejeitou a operação, preservando sua independência técnica e regulatória.


3. Sucessão empresarial e societária: bases normativas no direito brasileiro

No direito brasileiro, a sucessão empresarial decorre da transferência da titularidade de estabelecimento ou de participação societária.

O Código Civil (arts. 1.142 e seguintes) disciplina a figura do estabelecimento empresarial, dispondo que o adquirente responde pelos débitos anteriores à transferência, ressalvada estipulação em contrário e respeitado o direito dos credores.

Em matéria tributária, o art. 133 do CTN prevê a responsabilidade do adquirente de fundo de comércio pelos tributos devidos até a data do ato.

No campo trabalhista, os arts. 10 e 448 da CLT estabelecem a continuidade da responsabilidade do sucessor pelos contratos de trabalho, independentemente de sua anuência.

Assim, a sucessão opera, em regra, como mecanismo de transmissão de ativos e passivos, constituindo importante garantia de proteção a credores e trabalhadores.


4. A especificidade da sucessão bancária e o papel do Banco Central

No setor bancário, a sucessão societária não se submete unicamente às regras de direito privado. A Lei nº 4.595/1964, que organiza o Sistema Financeiro Nacional, dispõe em seu art. 10 que depende de prévia autorização do Banco Central a transferência do controle acionário de instituições financeiras.

Esse regime especial decorre da necessidade de assegurar a estabilidade financeira, evitando que instituições sólidas assumam passivos ocultos ou que bancos públicos absorvam riscos privados de alto impacto.

Trata-se, portanto, de sucessão condicionada à análise técnica e regulatória da autoridade monetária, em contraste com a automaticidade verificada em outros campos do direito.


5. O risco de sucessão de passivos no caso Master-BRB

A aquisição pretendida pelo BRB representaria mais do que um investimento societário: implicaria a assunção de riscos associados ao modelo de negócios do Master.

A aplicação maciça em precatórios e créditos tributários — ativos de baixa liquidez e alto risco fiscal — configurava ameaça de insolvência, cuja transferência ao BRB equivaleria à absorção de passivos de difícil mensuração.

Nesse cenário, o banco público se tornaria sucessor de uma estratégia financeira temerária, expondo não apenas seus acionistas, mas também a sociedade do Distrito Federal, potencialmente obrigada a socorrer a instituição em caso de crise.


6. Comparação com outros regimes de sucessão: trabalhista, tributária e falimentar

Enquanto no direito trabalhista e tributário a sucessão é automática e independe da anuência das partes, no âmbito bancário ela exige autorização estatal prévia.

Essa diferença justifica-se pela natureza sistêmica da atividade bancária, que envolve risco de contágio e ameaça à poupança popular.

No campo falimentar, a Lei nº 11.101/2005 prevê hipóteses em que a aquisição de ativos não transfere passivos ao adquirente, justamente para estimular a recuperação de empresas viáveis.

Já no direito bancário, ao contrário, a regra é a prudência: a sucessão só se legitima se não houver risco de comprometer a solidez do sistema.


7. Compliance e sucessão bancária: a decisão do Banco Central como enforcement regulatório

A dimensão do compliance é crucial para compreender a negativa do Banco Central à aquisição do Banco Master pelo BRB.

Em primeiro lugar, o compliance interno das instituições envolvidas deveria ter funcionado como filtro de risco, sinalizando os problemas de liquidez e sustentabilidade do modelo de negócios do Master, calcado em precatórios e créditos tributários de baixa liquidez.

Um programa efetivo de integridade corporativa teria identificado que a sucessão implicaria absorver passivos ocultos, reputacionais e regulatórios.

Em segundo lugar, o compliance se manifesta na esfera externa e regulatória, por meio da atuação do Banco Central como autoridade supervisora.

O art. 10 da Lei nº 4.595/1964 confere à autarquia competência para autorizar operações de transferência de controle de instituições financeiras.

Esse filtro estatal é, na prática, uma camada de compliance sistêmico, que busca proteger a estabilidade do mercado contra sucessões temerárias.

Além disso, o compliance atua como instrumento de accountability dos administradores. A Lei das S.A. (Lei nº 6.404/1976, arts. 153 a 157) impõe aos gestores o dever de diligência, lealdade e informação.

A falta de due diligence adequada na avaliação da operação poderia ensejar responsabilidade civil e administrativa dos administradores do BRB, caso tivessem dado prosseguimento ao negócio.


8. Governança corporativa e sucessão bancária: a preservação da integridade do sistema financeiro

A governança corporativa, conforme as boas práticas nacionais (IBGC) e internacionais (OCDE, Basileia III), pressupõe transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.

No caso, o Banco Master apresentava fragilidades de governança, refletidas em sua estratégia arriscada de captação e aplicação de recursos.

A eventual sucessão societária pelo BRB implicaria não apenas a transferência de ativos e passivos, mas também a absorção de um modelo de governança deficitário.

Por sua vez, o BRB, na condição de banco público, deve observar padrões ainda mais elevados de governança, justamente por gerir recursos que impactam direta ou indiretamente a sociedade do Distrito Federal.

A adesão a uma operação temerária poderia configurar violação ao dever fiduciário dos administradores, que têm a obrigação legal de zelar pelos interesses da instituição e de seus acionistas.

Ao rejeitar a operação, o Banco Central reforçou não apenas a proteção do sistema financeiro, mas também a necessidade de manutenção de padrões mínimos de governança no mercado bancário.

Nesse sentido, a decisão reafirma a interdependência entre sucessão, compliance e governança corporativa como mecanismos de integridade sistêmica.


9. A autonomia do Banco Central e a tutela do interesse público

A decisão do Banco Central de impedir a operação reafirmou sua autonomia institucional frente a pressões políticas, evitando que a sucessão societária fosse instrumentalizada para a socialização de prejuízos privados.

A Constituição (art. 192) e a Lei Complementar nº 179/2021 conferem à autarquia autonomia técnica, administrativa e decisória, exatamente para blindar suas escolhas do jogo político.

O episódio ilustra como a regulação bancária atua não apenas como instrumento de controle do mercado, mas também como proteção contra sucessões nocivas, preservando o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro.


10. Considerações finais

O caso Banco Master – BRB revela que a sucessão empresarial, no âmbito bancário, não pode ser compreendida apenas pelas lentes do direito privado, mas deve ser analisada em conjunto com a regulação prudencial, o compliance e a governança corporativa.

A decisão do Banco Central evitou que um banco público assumisse riscos privados de alto potencial sistêmico, preservando não apenas sua autonomia institucional, mas também a racionalidade do sistema financeiro.

O episódio demonstra que a articulação entre sucessão, compliance e governança é elemento essencial para conter sucessões nocivas e assegurar a proteção do interesse público.

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Assim, a sucessão bancária, longe de ser mera transferência de titularidade societária, revela-se como processo complexo, condicionado por mecanismos jurídicos e institucionais destinados a preservar a integridade do sistema financeiro nacional.


Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

BRASIL. Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias.

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações.

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

BRASIL. Lei Complementar nº 179, de 24 de fevereiro de 2021. Dispõe sobre a autonomia do Banco Central do Brasil.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA – IBGC. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. 6. ed. São Paulo: IBGC, 2023.

OCDE. G20/OECD Principles of Corporate Governance. Paris: OECD Publishing, 2023.

VEJA. A decisão acertada do BC ao barrar a venda do Banco Master para o BRB. Veja, São Paulo, n. 2960, 5 set. 2025.


Abstract: This article analyzes the decision of the Central Bank of Brazil to block the acquisition of Banco Master by Banco de Brasília (BRB), examining it from the legal perspective of corporate and banking succession. The study addresses the factual background of the failed transaction, marked by political pressure and significant systemic risk due to Banco Master’s portfolio, heavily based on illiquid assets such as precatórios and tax credits. In light of Law nº 4.595/1964, the Civil Code, tax and labor legislation, and the case law of higher courts, it is argued that the Central Bank’s decision prevented the transfer of private risks to a public institution, thereby avoiding a potentially harmful corporate succession to the public interest. Furthermore, the article highlights the role of compliance and corporate governance as instruments for preventing and containing risky successions in the financial system, evidencing that the Central Bank’s action functioned as both regulatory enforcement and a safeguard of governance standards.

Keywords: Corporate succession. Central Bank. Financial system. Compliance. Corporate governance. Banco Master. BRB.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGROTTA, Luiz Carlos Nacif. A sucessão empresarial e bancária na decisão do Banco Central que vedou a aquisição do Banco Master pelo BRB. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8101, 5 set. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115487. Acesso em: 5 dez. 2025.

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