Entrou em vigor no Estado de São Paulo a Lei Estadual n° 13.121, de 07 de julho de 2008, que alterou a Lei n° 6.544/89 (Estatuto das Licitações do Estado de São Paulo), estabelecendo, entre outras modificações, a inversão da ordem das fases de habilitação e proposta de preços nas licitações públicas estaduais para aquisição de bens, serviços e obras.
Com a publicação da nova lei, o Estado de São Paulo antecipa as alterações previstas no projeto de lei que tramita no Senado Federal (PL 7.709-A), que tem o mesmo objetivo de facilitar os processos de contratações públicas. O novo procedimento já é utilizado pelos municípios de São Paulo (SP) e Feira de Santana (BA), e pelos estados da Bahia, de Sergipe e do Paraná.
Pela nova lei, serão abertos, em primeiro lugar, os envelopes com as propostas de preço, para só depois ser analisada a documentação relativa à habilitação das três propostas melhor classificadas.
Mas, embora tenha sido aprovada com a boa intenção de dar agilidade aos processos licitatórios, a nova lei poderá trazer graves prejuízos ao Estado e à população, em razão da sua inconstitucionalidade e do elevado grau de subjetivismo conferido aos agentes públicos.
A Lei Estadual n° 13.121/08 é inconstitucional por usurpar a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitações e contratações públicas – vício formal de origem –, prevista no art. 22, XXVI, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
.............................................
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III".
Isso porque, ao estabelecer a inversão das fases do procedimento, a Lei Estadual n° 13.121/08 descaracterizou por completo o processo licitatório previsto na Lei Federal n° 8.666/93, que é a norma geral de licitações e contratações editada pela União no exercício dessa competência constitucional legislativa privativa.
No campo da repartição constitucional de competências legislativas sobre licitações e contratações, cabe aos Estados apenas legislar sobre a matéria supletivamente. Ou seja, a competência legislativa dos Estados sobre licitações e contratações limita-se ao ajuste ou adaptação da norma federal às suas peculiaridades regionais e locais, não lhes cabendo inovar no que concerne à ordem das fases do procedimento.
Com efeito, dispõem os parágrafos do art. 25 da CF:
"Art. 25.. ............................................
.............................................
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário".
A competência legislativa plena dos Estados somente poderia ser exercitada se não houvesse as normas gerais de licitação definidas na Lei n° 8.666/93, conforme o § 3º do art. 25 da CF. Naquilo que a norma geral federal já preceituou, exauriu e esgotou, não terá lugar a competência suplementar. De igual modo, havendo na lei suplementar estadual dispositivo contrário à da lei geral federal, aquela terá sua eficácia suspensa, nos termos do § 4º do mesmo art. 25 da Constituição Federal.
Sobre o tema, há farta e pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que atribui a pecha da inconstitucionalidade às leis estaduais ou municipais quando estas promovem substancial modificação no sistema normativo em relação à lei federal. No presente caso, pior, trata-se de competência privativa.
Destarte, as regras estabelecidas pela Lei Federal nº 8.666/93 não podem ser alteradas por lei estadual ou municipal, mas apenas complementadas ou suplementadas, quando for o caso.
Nem se argumente que a Lei Federal n° 10.520/02 (Lei do Pregão) tenha dado ensejo à inversão das fases do procedimento licitatório, haja vista que o novo procedimento previsto na Lei Estadual n° 13.121/08 em nada se parece com o do pregão, tendo esta, na verdade, criado nova modalidade de licitação, diferente de todas até então existentes.
Além disso, a lei que estabeleceu a modalidade do Pregão relegou a inversão de fases somente para a contratação de "bens e serviços comuns", uma vez que, apenas nestes casos, a análise prévia do preço pode ser feita sem comprometer a eficiência e segurança do contrato administrativo.
A Lei Federal n° 8.666/93 foi expressa ao estabelecer que a comissão de licitação analisará, primeiro, a documentação relativa à habilitação e, depois, a proposta de preço, conforme dispõe o seu art. 43, esgotando o tema. Qualquer alteração nessa ordem não poderá ser vista como suplementação ou complementação, mas sim como verdadeira e substancial modificação da norma geral acerca das modalidades licitatórias.
Inverter as fases do procedimento, como estabelece a Lei Estadual n° 13.121/08, abrindo-se primeiro o envelope da proposta e depois o da habilitação, somente seria admissível por meio de lei federal, cuja matéria pertence à competência legislativa privativa da União.
A nova lei estadual também afronta a Lei Federal n° 8.666/93 ao determinar outros parâmetros para aferir se a proposta será exeqüível pelos preços ofertados, e traz ainda subjetivismos que podem facilitar direcionamentos e favorecer retaliações.
Portanto, ao invés de promover a tão desejada celeridade e eficiência aos processos de licitação, a Lei Estadual n° 13.121/08 traz o risco de aumento da litigiosidade nos certames, o que certamente implicará em morosidade e enormes prejuízos ao erário e à população, em razão da sua patente inconstitucionalidade e de dispositivos mal redigidos, que abrem excessivo subjetivismo para livre interpretação das regras pelo agente público.