8. A Reafirmação do Estado de Direito e a Função Institucional do STF
A decisão liminar proferida na ADI 7.236-MC/DF representa um dos mais salutares paradigmas de contenção institucional que o Poder Judiciário impõe aos desmandos do Poder Legislativo.
Ao suspender dispositivo legal que comprometia a efetividade da responsabilização por improbidade administrativa, o STF reafirma sua função institucional de guardião da Constituição e de defensor do interesse público. Trata-se de decisão que transcende o caso concreto, projetando-se como marco jurisprudencial na proteção da moralidade administrativa, na preservação do patrimônio público e na reafirmação dos compromissos internacionais do Brasil no combate à corrupção.
A liminar recoloca a segurança jurídica nos trilhos, impede retrocessos normativos e preserva a perenidade da responsabilidade pública. A decisão do STF reafirma os princípios constitucionais da moralidade administrativa, da impessoalidade, da legalidade, da eficiência e da supremacia do interesse público. Reafirma, também, a imprescritibilidade das ações de ressarci- mento por danos dolosos ao erário e a necessidade de compatibilizar a prescrição com a complexidade das ações de improbidade.
Ao suspender dispositivo legal que favoreceria a impunidade, o STF reafirma o devido processo legal substantivo, a razoável duração do processo e a função pedagógica da responsabilização estatal. Trata-se de decisão que fortalece o Estado de Direito e preserva a legitimidade das instituições democráticas.
9. A Decadência Legislativa e a Auto referência Normativa: Uma Crise de Representação
A função legislativa, nos termos do art. 44 da Constituição Federal, é exercida pelo Congresso Nacional com a finalidade de representar o povo e produzir normas gerais e abstratas que regulem a vida em sociedade. Trata-se de função essencial à democracia representativa, cuja legitimidade decorre do sufrágio universal e da pluralidade partidária.
No entanto, essa função tem sido progressivamente desvirtuada por práticas legislativas que revelam um preocupante desvio de finalidade. A decadência legislativa manifesta-se quando o Parlamento deixa de atuar como instância de representação plural e passa a legislar em causa própria, promovendo reformas que favorecem diretamente seus membros ou grupos de interesse específicos. Essa autorreferência normativa compromete a impessoalidade, a moralidade e a finalidade pública da atividade legislativa, transformando o processo legislativo em instrumento de blindagem institucional e de obstrução da responsabilização.
A prática de legislar para si — também denominada auto referência legislativa — consiste na edição de normas que beneficiam diretamente os próprios legisladores, seja por meio da flexibilização de regras de responsabilização, da criação de privilégios processuais, da redução de prazos prescricionais ou da limitação da atuação de órgãos de controle.
Trata-se de fenômeno que, embora não seja novo, tem se intensificado nos últimos anos, especialmente em matérias sensíveis como improbidade administrativa, financiamento político e foro privilegiado. As consequências dessa prática são múltiplas e nefastas: (1) erosão da confiança pública nas instituições; (2) fragilização dos mecanismos de controle e responsabilização; (3) aumento da percepção de impunidade; (4) comprometimento da legitimidade democrática; e (5) tensionamento entre os Poderes da República.
A autorreferência legislativa, ao privilegiar interesses particulares em detrimento do interesse público, configura verdadeira patologia institucional, incompatível com os princípios republicanos e democráticos.
A decadência legislativa é sintoma de uma crise mais profunda: o déficit democrático do Parlamento. Quando os representantes deixam de atuar em nome do povo e passam a legislar em benefício próprio, rompe-se o pacto representativo que fundamenta a democracia. A captura do processo legislativo por interesses corporativos, partidários ou pessoais compromete a legitimidade das normas produzidas e exige a atuação dos demais Poderes como freios institucionais.
Nesse contexto, o Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, assume papel central na contenção dos excessos legislativos, por meio do controle de constitucionalidade. A função contramajoritária do STF, longe de representar ameaça à democracia, constitui mecanismo de proteção dos direitos fundamentais e de preservação da integridade institucional.
10. A Função Contramajoritária do Supremo Tribunal Federal: Contenção, Garantia e Preservação do Estado de Direito
A função contramajoritária do Supremo Tribunal Federal decorre da sua competência para exercer o controle concentrado de constitucionalidade, nos termos do art. 102, I, “a”, da Constituição Federal. Trata-se de função que permite ao Judiciário invalidar normas aprovadas pelo Legislativo quando estas violam preceitos constitucionais, mesmo que tenham sido aprovadas por maioria parlamentar. Essa função é essencial à preservação do Estado de Direito, pois impede que maiorias circunstanciais, movidas por interesses conjunturais ou corporativos, comprometam os direitos fundamentais, os princípios estruturantes da Constituição e a integridade das instituições democráticas. O STF, nesse sentido, atua como guardião da Constituição, exercendo papel de contenção institucional e de garantia da supremacia constitucional.
A crítica à função contramajoritária do STF, sob o argumento de que representa interferência indevida na vontade popular, ignora a natureza da democracia constitucional. Em regimes democráticos, a legitimidade das decisões não decorre apenas da maioria numérica, mas também da conformidade com os princípios constitucionais e com os direitos fundamentais. A atuação do STF, ao invalidar normas inconstitucionais, não nega a democracia, mas a qualifica, ao impedir que o poder seja exercido de forma arbitrária ou autorreferente.
A legitimidade da atuação contramajoritária do STF está fundada na própria Constituição, que atribui ao Tribunal a função de guardião da ordem constitucional. Essa atuação é especialmente necessária em contextos de crise institucional, de erosão legislativa ou de captura do processo normativo por interesses particulares. O STF, ao exercer essa função, preserva o pacto constitucional e garante a continuidade do Estado de Direito.
A decisão liminar na ADI 7.236-MC/DF é exemplo paradigmático da função contramajoritária do STF. Ao suspender dispositivo legal que reduzia o prazo prescricional em ações de improbidade, o Tribunal impediu que o processo legislativo fosse utilizado como instrumento de obstrução da responsabilização. Trata-se de atuação legítima, necessária e constitucional, voltada à preservação da moralidade administrativa, da impessoalidade e da supremacia do interesse público.
A contenção da autorreferência legislativa é missão institucional do STF, especialmente em contextos de decadência legislativa e de crise de representação. O Tribunal, ao exercer essa função, reafirma o compromisso do Estado com a ética pública, com a responsabilidade administrativa e com a integridade das instituições democráticas.