Resumo: Entrou em vigor no dia 8 de outubro de 2025, a Lei nº 15.234/2025, que introduz causa de aumento de pena ao artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), punindo com maior rigor quem vender, fornecer, ministrar ou entregar bebida alcoólica ou substâncias capazes de causar dependência física ou psíquica a crianças e adolescentes, quando houver efetivo consumo. A norma representa um avanço legislativo expressivo na tutela da infância e da juventude, reafirmando o compromisso do Estado brasileiro com a Doutrina da Proteção Integral, prevista na Constituição Federal e em tratados internacionais. Este artigo examina o conteúdo jurídico da nova lei, sua relevância social, suas consequências processuais e sua conexão com o dever constitucional de proteger pessoas em desenvolvimento. O texto ainda propõe uma reflexão ética e jurídica sobre a função social do Direito Penal na defesa dos mais vulneráveis, ressaltando o papel da Polícia Judiciária na efetiva aplicação da norma.
Palavras-chave: Lei nº 15.234/2025; Criança e Adolescente; Proteção Integral; Estatuto da Criança e do Adolescente; Direito Penal; Polícia Judiciária; Convenção sobre os Direitos da Criança; Doutrina da Proteção Integral; Política Criminal; Justiça Social.
INTRODUÇÃO
Entrou em vigor em 8 de outubro de 2025 a novíssima Lei nº 15.234, de 7 de outubro de 2025, que cria causa de aumento de pena para o crime de vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, a criança ou ao adolescente, bebida alcoólica ou outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, caso haja efetivo consumo do produto.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, em seu artigo 243, já previa a tipificação dessa conduta, com pena de detenção de dois a quatro anos e multa, conforme redação dada pela Lei nº 13.106/2015. Com a nova norma, o legislador eleva a resposta penal, prevendo aumento de pena de um terço até a metade quando a criança ou o adolescente, de fato, consumir o produto.
Essa alteração, proposta originalmente pelo Projeto de Lei nº 942/2024, resgata antiga discussão legislativa, inspirada no PL nº 4478/2004, e visa corrigir lacuna de justiça material. Reconhece-se, agora, que o dano potencial se transforma em dano concreto, exigindo resposta penal proporcional e compatível com o princípio da proteção integral.
Com a incidência da causa de aumento, a pena máxima passa a ultrapassar quatro anos, o que retira do Delegado de Polícia a possibilidade de arbitrar fiança na fase do flagrante, conforme o artigo 322 do Código de Processo Penal. Assim, a nova lei reforça não apenas a tutela penal da infância, mas também o papel constitucional da Polícia Judiciária na condução técnica e imparcial das investigações, garantindo efetividade à norma e segurança jurídica à sociedade.
ANÁLISE CRÍTICA CONTEXTUAL — O VALOR DA INFÂNCIA E O PAPEL DO DIREITO PENAL NA PREVENÇÃO
O advento da Lei nº 15.234/2025 deve ser analisado sob a ótica da Doutrina da Proteção Integral, prevista no artigo 227 da Constituição Federal e incorporada ao ECA. A norma reafirma o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente todos os direitos fundamentais, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência e crueldade.
A venda de bebidas alcoólicas a menores de idade é, em si, uma prática socialmente repugnante e juridicamente reprovável. Mais grave, contudo, é o cenário em que a criança efetivamente consome a substância, comprometendo sua integridade física, psíquica e moral, interferindo no desenvolvimento de sua personalidade e no equilíbrio de sua formação social.
O Direito Penal, nesse contexto, assume função simbólica e pedagógica. Ele não apenas pune o agressor, mas sinaliza à sociedade que a infância é território sagrado, imune à exploração e ao abuso comercial. Ao punir com maior rigor quem permite que o menor consuma o produto, a nova lei busca reforçar os valores éticos e civilizatórios da proteção à vida e à dignidade.
Não obstante, é necessário que a norma seja acompanhada de políticas públicas de prevenção, fiscalização e educação, pois a simples majoração de pena, sem a efetiva aplicação e acompanhamento social, corre o risco de se tornar letra morta. É indispensável, portanto, a atuação coordenada da Polícia Judiciária, do Ministério Público, do Judiciário e dos órgãos de proteção social.
REFLEXÕES FINAIS — A LEI COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA E À INFÂNCIA
A publicação da Lei nº 15.234/2025 representa um marco civilizatório no ordenamento jurídico brasileiro. A norma é fruto da evolução moral e jurídica de uma sociedade que, finalmente, reconhece que proteger a infância é proteger o próprio futuro da nação.
A Doutrina da Proteção Integral, consagrada pela Constituição Federal (art. 227) e pelo ECA (Lei nº 8.069/1990), encontra eco também em diversos instrumentos internacionais, como:
a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989);
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, 1969);
as Regras de Beijing (Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e Juventude, 1985); e
as Diretrizes de Riad (1990), sobre prevenção da delinquência juvenil.
Esses tratados impõem aos Estados o dever de proteger integralmente as crianças e adolescentes, inclusive por meio da adoção de leis eficazes, que evitem o contato precoce com substâncias nocivas e ambientes de risco. A nova lei brasileira é, portanto, reflexo de compromissos internacionais assumidos pelo país e demonstra respeito à hierarquia normativa que reconhece a primazia da infância.
Cabe à Polícia Judiciária, como instituição constitucionalmente incumbida de apurar a autoria e a materialidade dos crimes (art. 144, CF/88), desempenhar papel protagonista na efetivação dessa tutela. É ela quem colhe as provas, realiza os laudos, identifica o autor e assegura que o ciclo da impunidade seja rompido.
Proteger a criança e o adolescente é, antes de tudo, proteger a humanidade.
A lei é o escudo que defende os que ainda não sabem se defender. E enquanto houver quem lute por essa causa, a esperança de uma sociedade mais justa, ética e solidária continuará viva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 — Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 13.106, de 17 de março de 2015 — Altera o art. 243. do ECA.
BRASIL. Lei nº 15.234, de 07 de outubro de 2025 — Acrescenta causa de aumento de pena ao art. 243. do ECA.
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), 1969.
NAÇÕES UNIDAS. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e Juventude (Regras de Beijing), 1985.
NAÇÕES UNIDAS. Diretrizes de Riad para a Prevenção da Delinquência Juvenil, 1990.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2023.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 2024.