Resumo: Este artigo trata sobre a participação dos influenciadores digitais nos processos eleitorais. Inicia-se a exposição trazendo dados que demonstram a crescente importância das redes sociais na comunicação social e como isso vem marcando uma transição espontânea de um modelo de concessões públicas para os veículos de comunicação de massa, idealizado pela Constituição Federal de 1988, para um modelo de comunicação privada. Adiante, adentra-se a legislação eleitoral, que, ainda de forma tímida e fragmentária, passou a regular divulgações eleitorais na internet, para, na sequência, explorar-se recentes decisões da Justiça Eleitoral sobre o tema e como ela vem entendendo pela ocorrência de violações à legislação eleitoral nessa nova realidade. Conclui-se que, embora a internet não seja um território livre para a atuação dos influenciadores, a ausência de um marco normativo especificamente aplicável a eles pode gerar insegurança jurídica, o que contrasta com necessidade de celeridade e segurança ínsitas aos processos eleitorais.
Palavras-chave: eleições, influenciadores digitais, internet, Justiça Eleitoral, redes sociais
1. Introdução
A ascensão das redes sociais transformou profundamente o ecossistema da comunicação social, diluindo o protagonismo pertencente às mídias tradicionais. Segundo pesquisa divulgada pelo Estadão, conduzida pelo AlafiaLab, mais de 52% dos entrevistados disseram se informar predominantemente pelas redes sociais, superando o rádio e a televisão1.
Em processos eleitorais, essa mudança teve grande impacto em 2016, com a primeira eleição de Donald Trump nos Estados Unidos2 e o referendo do Brexit no Reino Unido3, ambos marcados pelo uso estratégico das plataformas digitais. Entre nós, este fenômeno pôde ser observado com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, candidato que dispunha de pouco tempo de televisão e se utilizou predominantemente das redes sociais para conduzir a sua campanha4.
Essa tendência deu um passo adiante nas eleições municipais de 2024, quando influenciadores digitais passaram a ganhar mais destaque com o protagonismo direto na condição de candidatos. Expoentes do fenômeno puderam ser observados nas eleições para as câmaras municipais, representados pelos vereadores mais votados de São Paulo, Manaus e Salvador5, bem como por quatro vereadores de Curitiba6.
Mas a principal ilustração desse contexto certamente se deu na corrida eleitoral para a prefeitura de São Paulo: Pablo Marçal, influenciador digital com ampla base de seguidores e sem tempo de rádio e televisão7, obteve expressivos 28,14% dos votos, quase alcançando o segundo turno; em contraste, José Luiz Datena, consagrado apresentador de televisão obteve apenas 1,84% dos votos8.
O deslocamento do eixo da comunicação eleitoral suscita importantes reflexões quanto à isonomia dos candidatos no processo democrático. De um lado, a Constituição Federal de 1988 traz as diretrizes para a regulação da comunicação social e da atuação dos partidos políticos, cenário também disciplinado originalmente pela Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições); por outro, a regulação envolvendo a propaganda política nas redes sociais é objeto de regulação diversa, que encontra tímida previsão na citada Lei das Eleições e se dá predominantemente por meio de Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que se modificam a cada eleição, dada a dinâmica própria de que dispõem as plataformas.
É nesse contexto que este artigo se propõe a investigar a regulamentação aplicável às campanhas eleitorais realizadas nas mídias digitais em comparação com as mídias tradicionais, sob a perspectiva do princípio da isonomia. Adotando o método dedutivo, a análise partirá de uma contextualização das transformações comunicacionais promovidas pelas redes sociais, seguida do exame das normas jurídicas que regem os diferentes meios, culminando em uma reflexão crítica sobre os desafios regulatórios impostos pela nova configuração do espaço público eleitoral.
2. A transformação nas esferas públicas promovida pelas redes sociais
Os impactos na comunicação social promovidos pelas redes sociais podem ser lidos a partir da teorização de esferas públicas de Habermas (2003). Em síntese, elas são compreendidas pelo autor como o espaço de discussão racional entre pessoas privadas sobre assuntos públicos, visando à influência da sociedade burguesa sobre as políticas de Estado no século XVIII.
Antes entendido como um espaço horizontal, que deveria ser preservado da influência do Estado para a garantia da sua autonomia, o autor destaca que esse cenário se alterou com o advento das mídias de comunicação de massa, as quais passaram a concentrar grande econômico e a obnubilar a distinção entre esferas públicas e privadas. Assim, em um movimento inverso, a proteção da liberdade da comunicação passou a enxergar no Estado um meio de sua proteção, como discorre Habermas (2003, p. 220-221):
As experiências com uma imprensa tendente à concentração deram pretexto suficiente para impedir que os “monopólios naturais” do rádio e da televisão assumissem a forma de empresas de economia privada – como isso ocorreu, no entanto, nos Estados Unidos. Na Inglaterra, na França e na Alemanha, essas novas mídias foram organizadas como instituições públicas e semi-públicas, porque senão a sua função pública-jornalística não poderia ter sido suficientemente protegida frente à função capitalista privada.
Com isso, a base originária das instituições jornalístico-publicitárias é exatamente invertida nesses seus setores mais avançados: de acordo com o modelo liberal de esfera pública, as instituições do público intelectualizado estavam, assim, garantidas frente a ataques do poder público por estarem nas mãos de pessoas privadas. Na medida em que elas passam a se comercializar e a se concentrar no aspecto econômico, técnico e organizatório, elas se cristalizam nos últimos cem anos em complexos com grande poder social, de tal modo que exatamente a sua permanência em mãos privadas é que ameaçou por várias vezes as funções críticas do jornalismo.
O constituinte brasileiro adotou esse caminho ao prever que os meios de radiodifusão de sons e imagens são submetidos ao regime jurídico de serviço público (art. 21, XII, alínea “b”, da CF/88), restrição de que a propriedade desses veículos somente se dá em favor de brasileiros (art. 222. da CF/88) e sujeição ao controle político para a renovação das concessões, permissões e autorizações (art. 223, §3º, da CF/88).
Com a popularização da internet a partir de meados dos anos 90, esse cenário começou a sofrer transformações. Lévy (1999, p. 224-225) enxerga, em uma visão inicial deste fenômeno, uma perspectiva promissora no sentido da horizontalização da comunicação possibilitada pelos espaços livres da internet:
A televisão é uma importante fonte de realidade pois organiza uma percepção comum, mas é também um indicador potente de irrealidade já que, nela, a percepção se encontra desconectada dos sistemas de ação e que a entrada no ciclo sensório-motor é um dos sinais mais fortes do real; dupla restrição. De onde o efeito de sideração provocado. Com a TV, participamos em conjunto, mas sem que possamos nos harmonizar com o sonho, ou pesadelo, de outra pessoa.
Em contrapartida, no ciberespaço, não se trata mais de uma difusão a partir de centros, e sim de uma interação no centro de uma situação, de um universo de informações, onde cada um contribui explorando de forma própria, modificando ou estabilizando (restabelecimento do ciclo sensório-motor). O ciberespaço abriga negociações sobre significados, processos de reconhecimento mútuo dos indivíduos e dos grupos por meio de atividade de comunicação (harmonização e debate entre os participantes). Esses processos não excluem os conflitos. Decerto envolvem pessoas ou grupos nem sempre bem-intencionados. Mas, exatamente, reencontramos aqui a diversidade, a complexidade e algumas vezes a dureza do real, mil éguas distante do mundo arranjado, convencionado ou encenado que as mídias secretam. Acrescentemos que é muito mais difícil executar manipulações em um espaço onde todos podem emitir mensagens e onde informações contraditórias podem confrontar-se do que em um sistema onde os centros emissores são controlados por uma minoria.
Embora Lévy (1999, p. 127) também tenha vislumbrado a possibilidade de as pessoas se reunirem em bolhas sociais em um processo orgânico, esse fato foi artificialmente potencializado a partir da criação e popularização das redes sociais. Criadas por megacorporações privadas, elas tendem a traçar o perfil dos usuários para fornecê-los publicidade e conteúdo personalizado. Esses conteúdos reforçam o que já havia sido consumido na perspectiva de reter o usuário cada vez mais em suas plataformas, criando-se o “efeito bolha”, mediante o qual o usuário permanece cada vez mais limitado aos próprios gostos e com menos acesso a pontos de vista diversos (Barreto Junior e Pellizzari, 2019).
À luz de sua teoria, Habermas (2022, p. 160) analisa que as redes sociais permitiram a expansão centrífuga dos discursos em circuitos distintos que, ao mesmo tempo, estão fechados dogmaticamente uns aos outros. Com isso, sustenta o risco de fragmentação da opinião e da formação da vontade política.
Nada obstante o impacto causado por este fenômeno na comunicação social e, por consequência, no processo eleitoral, observa-se que as redes sociais não possuem qualquer tipo de regulação. Como bem pontua Barreto Júnior (2022, p. 6), a ausência de consenso político sobre os termos da regulação, associada ao lobby das empresas que atuam no setor, além de grupos políticos responsáveis que se beneficiam com a disseminação de notícias falsas, são circunstâncias que vêm impedindo avanços legislativos.
Observa-se, assim, que o risco concentração de poderes em mãos privadas que se queria evitar elegendo o rádio e a televisão como serviços públicos no Brasil é justamente o que se concretizou com as redes sociais. Contudo, diversamente daquela, nesta não se operou escolha legislativa, mas tão somente a superveniência de uma situação fática que ensejou a alteração de cenário que se sobrepuseram à vontade do constituinte.
3. A legislação eleitoral diante desse paradigma
Conquanto a legislação eleitoral reconheça a possibilidade de propaganda na internet, é importante destacar que houve uma evolução legislativa na tentativa de acompanhar os avanços tecnológicos e os impactos da internet em âmbito eleitoral.
Isto porque a modalidade de propaganda na internet se iniciou com o advento da Lei nº 12.034 de 2009, que acrescentou o artigo 57-A à Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições).
No entanto, à época, a dinâmica e interação social no ambiente digital não ocorria da mesma forma como se verifica atualmente. Isto é, o impulsionamento ou patrocínio de conteúdo em redes sociais de modo que o conteúdo gerado alcança usuários que não necessariamente buscavam aquela informação.
A doutrina de José Jairo Gomes (2015, p. 380)9 ressalta a importância dessa forma de comunicação no âmbito eleitoral:
Se os tradicionais meios de comunicação como a imprensa e os telejornais são centralizados e unidirecionais, caracteriza-se a Internet por ser um ambiente democrático, interativo, descentralizado. Nela, a comunicação é difusa, ocorrendo instantaneamente entre milhares de pessoas. O novo ambiente propicia uma efetiva interação dos receptores, que deixam de ser passivos diante da informação. Além disso, novas personagens ganham vez e voz, introduzindo no debate pensamentos e realidades antes relegados ao desprezo, pois era restrito o acesso aos instrumentos comunicacionais. É comum nos “jornais digitais” a realização de enquetes, bem como a existência de espaço para que o leitor comente a notícia, externando sua opinião; também poderá reenviá-la a outros usuários da rede; ademais, o fenômeno dos blogs tem transformado internautas em escritores.
Contudo, em um primeiro momento a propaganda na internet possuía uma expressão tímida e restrita, limitando-se as hipóteses do artigo 57-B da Lei nº 9.504/97, no sítio do candidato ou do partido ou coligação; por meio de mensagem eletrônica cadastrados gratuitamente, e por meio de blogs, redes sociais e sítios de mensagem instantânea.
Tem-se então a possibilidade de propaganda na internet, apenas nas formas supramencionadas, sendo vedada a propaganda paga na internet, por expressa previsão do artigo 57-C:
Art. 57-C. Na internet, é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga.
Somente com o advento da Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017 - e, portanto, válida para as eleições de 2018 em razão do princípio da anualidade eleitoral previsto no artigo 16 da Constituição Federal - é que se inseriu no ordenamento jurídico a possibilidade de propaganda paga, mediante o impulsionamento de conteúdo, dando nova redação ao artigo 57-C:
Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
Nota-se que, apesar de a nova redação trazer uma proibição de propaganda paga na internet, o próprio dispositivo traz a exceção consistente no impulsionamento de conteúdo pelo próprio candidato, partido ou coligação. Isto é, o aspecto central da norma é justamente evitar que candidatos com maior capacidade econômica possam se valer dessa condição e comprar espaços publicitários em sítios eletrônicos, sendo que a única modalidade de propaganda paga na internet é, portanto, o impulsionamento de conteúdo, cenário este que se inserem os influenciadores digitais.
3.1. Fronteiras entre comunicação pessoal e propaganda eleitoral
Embora as redes sociais partilhem do mesmo público dos veículos tradicionais de rádio e televisão, não havendo diferença substancial quanto ao objetivo de divulgação dos candidatos, o fato de elas se submeterem a regimes jurídicos diversos traz consequências práticas ao processo eleitoral.
Como meio de evitar a utilização das concessões públicas como forma disfarçada de promoção política, o art. 45, §1º, da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições) prevê vedação à transmissão de programas apresentados por pré-candidatos a partir de 30 de junho do ano da eleição.
Nada obstante, os candidatos que são nativos digitais seguem com a possibilidade de atuar normalmente e, a princípio, sem qualquer restrição do ponto de vista da propaganda eleitoral.
Isto porque, embora a legislação não traga um regramento expresso quanto à atividade dos influenciadores digitais, é possível a adequação jurídica através de previsões legais como propaganda irregular – seja pelo impulsionamento incorreto, ou sob o aspecto da propaganda negativa e ofensa – ou ainda pelo uso indevido dos meios de comunicação social que pode ensejar, inclusive, a cassação do registro ou diploma do candidato e, ainda, a inelegibilidade de quem haja contribuído para a irregularidade, nos termos do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90, independentemente da modalidade de abuso (de poder político; de poder econômico ou uso indevido dos meios de comunicação social).
Nota-se que, já nas eleições de 2022 no Estado de São Paulo, houve discussão sobre a participação de influenciadores digitais nos autos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral 0609792-67.2018.6.26.0000.10
Naquele caso, discutia-se a conduta dos influenciadores digitais em suas próprias páginas em favor de uma determinada campanha, de modo que aquele processo foi extinto em razão da decadência por ausência de inclusão dos influenciadores digitais no polo passivo da demanda:
Os influenciadores digitais, em conformidade com os termos da inicial, foram os responsáveis por elaborar e veicular as matérias, em suas próprias redes sociais, com temas previamente selecionados pelas empresas dos réus, com o escopo de difundir propaganda em prol dos candidatos representados, conduta cerne da presente ação eleitoral.
Dessa forma, na qualidade de responsáveis pela divulgação de conteúdo em prol da candidatura dos representados, Danieli Moreira de Souza e Paula de Oliveira de Holanda Cavalcanti, em tese, seriam passíveis de responsabilização na esfera eleitoral, razão pela qual deveriam integrar a lide no polo passivo, na qualidade de litisconsortes necessárias, o que deveria ter ocorrido dentro do prazo para a propositura da presente ação eleitoral.
É possível a configuração de eventual irregularidade de criadores de conteúdo por meio das concepções tradicionais, seja na modalidade de abuso do poder econômico dos influenciadores digitais - que por vezes possuem contratos com pessoas jurídicas e patrocínios - seja pela modalidade de uso indevido dos meios de comunicação social - que embora não seja a forma tradicional das propagandas na mídia audiovisual como o rádio e a televisão que são concessionárias públicas.
Na lição de Gomes (2015, p. 533) por ser o conceito de abuso de poder amplo, este depende da análise do concreto:
Já foi ressaltado alhures que o conceito de abuso de poder é, em si, uno e indivisível. Trata-se de conceito fluido, indeterminado, que, na realidade fenomênica, pode assumir contornos diversos. Tais variações concretas decorrem de sua indeterminação a priori. Logo, em geral, somente as peculiaridades divisadas no caso concreto é que permitirão ao intérprete afirmar se esta ou aquela situação real configura ou não abuso.
De toda sorte, o Tribunal Superior Eleitoral, em 27 de fevereiro de 2024 expediu a Resolução nº 23.735, que dispõe sobre ilícitos eleitorais e, preocupado com a utilização das ferramentas tecnológicas aptas a influenciarem nas eleições, estabeleceu expressamente que configura abuso de poder a utilização de aplicações digitais com disparo em massa de mensagens que promovam informação inverídica ou a utilização de internet para difundir informações falsas ou descontextualizadas sobre candidatos ou sobre o sistema eletrônico de votação e a Justiça Eleitoral:
Art. 6º A apuração de abuso de poder em ações eleitorais exige a indicação de modalidade prevista em lei, sendo vedada a definição jurisprudencial de outras categorias ilícitas autônomas.
§ 3º O uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas visando promover disparos em massa, com desinformação, falsidade, inverdade ou montagem, em prejuízo de adversária(o) ou em benefício de candidata(o) configura abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social (Tribunal Superior Eleitoral, AIJEs nº 0601968-80 e nº 0601771-28, julgadas em 28/10/2021).
§ 4º A utilização da internet, inclusive serviços de mensageria, para difundir informações falsas ou descontextualizadas em prejuízo de adversária(o) ou em benefício de candidata(o), ou a respeito do sistema eletrônico de votação e da Justiça Eleitoral, pode configurar uso indevido dos meios de comunicação e, pelas circunstâncias do caso, também abuso dos poderes político e econômico.
Sobre este tema, ganhou repercussão e notoriedade o caso envolvendo o influenciador digital Pablo Marçal em que se discutia a remuneração de colaboradores para criação e distribuição de “cortes” de vídeos curtos disseminando conteúdo eleitoral produzindo por ele mesmo divulgado por perfil de terceiros e com isso ampliando o alcance do conteúdo produzido, sendo que na sentença proferida pela 1ª Zona Eleitoral na Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 0601153-47.2024.6.26.000111 consignou que, na plataforma TikTok, a quantidade de visualizações alcançou 3,5 bilhões de marcações:
Além disso, em sua rede social no instagram: @pablomarcalporsp, em 25/08/2025 confessou o gigantesco número de visualizações no ‘tiktok’ de 3,5 bilhões de marcações, conforme URL https://www.instagram.com/p/C_GDjqrOPL6/ (ID 125570535 na AIJE 0601153-47.2024.6.26.0001) o que confirma declaração anterior dele de que, não daria ‘conta’ de chegar a esse número se não fosse por meio de impulsionamento pago por meio de terceiras pessoas, os cortadores (vídeo 4 – ID n° 124898842 anexo na petição inicial na AIJE 0601153-47.2024.6.26.0001).
Embora o referido processo se encontre em fase de recurso perante o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, a sentença reconheceu que houve uma vantagem indevida ao candidato mediante o impulsionamento de cortes efetuado por terceiras pessoas.12
No mencionado processo outras discussões acompanhavam o aspecto central consistente na divulgação massiva na internet, de modo que a Justiça Eleitoral, em primeira instância, entendeu que houve uso indevido dos meios de comunicação social com os cortes dos vídeos - para além da discussão acerca da do pagamento do impulsionamento de forma antecipada ou mesmo por terceiros e consignou que a gravidade se assenta no fato de que a ampla exposição por impulsionamento ilícito:
Também violam o princípio da isonomia ao potencializar ampla exposição da imagem do réu Pablo Marçal em redes sociais por meio de ilícito impulsionamento efetuado por terceiros decorrente da oferta e do pagamento efetuado aos vencedores de concurso de cortes realizado na plataforma ‘Discord’.
Ademais, embora a ação tenha sido julgada parcialmente procedente em razão de uso indevido dos meios de comunicação social, percebe-se que outras irregularidades acompanhavam o caso, como captação e gastos irregulares de recursos além de abuso de poder econômico.
De toda sorte, não há que se falar em uma proibição de candidaturas de criadores de conteúdo na internet ou de influenciadores digitais, mas que o regramento estabelecido pela legislação - Lei Complementar nº 64/90 e Lei nº 9.504/97 - e pela jurisprudência da Justiça Eleitoral deve ser observado, justamente para coibir abusos que possam macular a lisura do pleito, conforme destacado na doutrina de Gomes (2015, p. 534):
Em tal cenário, a responsabilidade eleitoral encontra-se comprometida essencialmente com a proteção dos bens juridicamente tutelados, ou seja, a lisura e a normalidade do processo eleitoral, a higidez do pleito, a isonomia das candidaturas, a veraz representatividade.
Portanto, em caso de irregularidades graves se verifica a possibilidade da aplicação da sanção de inelegibilidade e cassação do registro ou diploma. Por sua vez é possível que se verifique a irregularidade eleitoral apenas sob o aspecto da propaganda e não de um abuso que possa ensejar a cassação inelegibilidade.
Nesta hipótese, nas eleições de 2024 a Justiça Eleitoral se deparou com representação por propaganda eleitoral irregular em face de conhecido canal de humor em plataforma da internet em que foi entendido que houve a propaganda negativa a um candidato da capital.13
No referido caso, embora o responsável pelo canal não seja um candidato e ainda que tenha alegado a liberdade de expressão, foi entendido pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que no contexto eleitoral há limitação à liberdade de expressão em manifestações com ofensa pessoal ou com informações sabidamente inverídicas:
DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. OFENSA À HONRA DE CANDIDATO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. MULTA. RECURSO IMPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Recurso Eleitoral interposto por Ricardo Piologo e Rodrigo Piologo contra sentença que julgou procedente representação por propaganda eleitoral irregular movida pela Coligação “Amor por São Paulo” e Guilherme Castro Boulos. Determinou-se a remoção de vídeos das redes sociais “TikTok”, “Instagram” e “Youtube” e aplicação de multa de R$ 5.000,00, com fundamento no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há duas questões em discussão: (i) verificar se os vídeos impugnados configuram propaganda eleitoral negativa ofensiva à honra do candidato Guilherme Boulos; (ii) determinar a legalidade da aplicação da multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97.
III. RAZÕES DE DECIDIR
O conteúdo das publicações caracteriza ataque pessoal, associando o candidato Guilherme Boulos ao uso de drogas ilícitas, o que excede os limites da liberdade de expressão e da crítica política, violando os arts. 243, IX, do Código Eleitoral, e 22, X, da Resolução TSE nº 23.610/19.
A propaganda eleitoral deve respeitar os direitos de personalidade, sendo vedada a disseminação de informações caluniosas, difamatórias ou injuriosas, conforme precedente do Tribunal Superior Eleitoral.
A multa do art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97, destinada à propaganda anônima, foi aplicada conforme entendimento majoritário desta Corte Eleitoral, ressalvada a posição pessoal da relatora quanto à sua inaplicabilidade.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso improvido.
Tese de julgamento:
A liberdade de expressão em contexto eleitoral encontra limites nos direitos à honra e à dignidade, sendo vedadas manifestações que veiculem ofensas pessoais ou informações sabidamente inverídicas.
A aplicação da multa do art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97, estende-se a casos de propaganda eleitoral negativa veiculada na internet, conforme entendimento majoritário.
RECURSO ELEITORAL nº060039650, Acórdão, Relator(a) Des. Maria Claudia Bedotti, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 21/11/2024.
Embora não haja um regramento específico em relação aos criadores de conteúdo e influenciadores digitais, vê-se que não há um impedimento à manifestação em âmbito eleitoral.
É possível, inclusive, a manifestação de preferência política, desde que não maculem o pleito ou violem as normas eleitorais.
Ademais, não há que se falar em demasiada restrição aos influenciadores, que podem se manifestar de forma proporcional, espontânea e gratuita, dentro dos limites da liberdade de expressão. O que a legislação veda é o pagamento para realização de propaganda em bem particular – ainda que de forma virtual no perfil do influenciador – conforme disposto no artigo 37, § 8º, da Lei nº 9.504/97.