Capa da publicação Pureza da droga deve afetar a dosimetria da pena?
Capa: AMC
Artigo Destaque dos editores

A pureza da droga como critério de individualização da pena.

Um parâmetro necessário para a efetividade da política criminal

Exibindo página 1 de 3
Leia nesta página:

A pureza da droga deve agravar a pena no tráfico? Esse critério traduz maior potencial lesivo e fundamenta aplicação penal mais coerente e proporcional.

Resumo : Este artigo analisa a influência do grau de pureza da droga na individualização da pena aplicada aos delitos de tráfico de entorpecentes. A produção de substâncias de elevada pureza exige conhecimento técnico, acesso a insumos controlados e utilização de laboratórios estruturados, circunstâncias que revelam dedicação profissional à traficância e maior gravidade da conduta. No Brasil, o art. 42. da Lei nº 11.343/2006 determina a consideração da natureza e da quantidade da substância para a fixação da pena, mas não contempla o índice de pureza como critério de valoração. Essa lacuna tem originado divergências jurisprudenciais, especialmente quanto à possibilidade de utilizar o grau de pureza para elevar a pena-base ou justificar a prisão preventiva. A experiência internacional, notadamente o modelo norte-americano, demonstra a relevância de incluir o índice de pureza como parâmetro normativo, a fim de assegurar proporcionalidade, coerência e efetividade ao sistema penal. Conclui-se pela necessidade de reforma legislativa que reconheça expressamente essa circunstância, em consonância com o princípio constitucional da individualização da pena.

Palavras-chave: Pureza da droga; tráfico de entorpecentes; individualização da pena; política criminal; proporcionalidade.


1. DA PUREZA DA DROGA NO CONTEXTO DA TRAFICÂNCIA DE ENTORPECENTES

A pureza de uma substância ilícita, paradoxalmente, reflete a impureza de um sistema que, muitas vezes, pune sem medir. No emaranhado do tráfico de drogas, onde se confundem vítimas e algozes, a lei deveria ser o instrumento de equilíbrio — não de cegueira. . Em um cenário onde o comércio de drogas financia o poder paralelo e alimenta organizações criminosas, a justiça que ignora a substância para enxergar apenas a quantidade torna-se cúmplice da desordem que pretende combater.

O fenômeno do tráfico de entorpecentes está longe de se limitar às fronteiras nacionais: ele se configura como uma engrenagem global de criminalidade organizada, que se infiltra em distintos espaços econômicos, sociais e institucionais. Conforme o United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), 316 milhões de pessoas usaram alguma droga ilícita em 2023 — aproximadamente 6% da população mundial entre 15 e 64 anos. Os números relativos à produção, apreensão e consumo de drogas reforçam a gravidade da situação. No caso da cocaína, por exemplo, a produção ilegal mundial atingiu 3.708 toneladas em 2023 — um crescimento de quase 34% em relação ao ano anterior1.

Esses dados revelam tanto a magnitude da demanda quanto o potencial de lucro para quem participa do tráfico, o que sinaliza que a celeuma não se encontra adstrita apenas ao “uso”, mas também à “oferta” e à estrutura criminosa global.

Ao mesmo tempo, as apreensões globais alcançaram 2.275 toneladas, o que representa uma elevação de cerca de 68% em quatro anos (2019-2023)2. Tais dados reforçam que o tráfico se moderniza, expande mercados e desafia os tradicionais centros de repressão — e com isso, ganha força econômica e logística.

Calha ressaltar, também, que, embora a receita proveniente da atividade de tráfico ilícito de entorpecentes não represente, em alguns casos, a principal fonte de financiamento das organizações criminosas, não se pode olvidar que ela continua a gerar valores expressivos e de alto impacto no mercado ilegal3.

No Brasil, esse cenário se reproduz em escala significativa: investigações apontam que o Primeiro Comando da Capital (PCC), por exemplo, aufere aproximadamente R$ 4,9 bilhões anuais apenas com o tráfico internacional de drogas4. Com efeito, tal volume financeiro revela que, mesmo nas situações em que o tráfico não figura como a fonte majoritária de renda da criminalidade organizada, ele mantém relevância estrutural.

Na mesma toada, é salutar destacar que os agentes que atuam de modo profissional no comércio ilícito de entorpecentes têm, no mais das vezes, à sua disposição laboratórios específicos para o refinamento de drogas e para a criação de substâncias com grau elevado de pureza. Esse tipo de instalação clandestina permite o aumento do volume e da rentabilidade da substância, por meio de corte, refinamento e tableting, ao mesmo tempo em que favorece o controle de qualidade, e, por conseguinte, de pureza, da droga distribuída. Como observam Yi-Ning Chiu, Benoit Leclerc e Michael Townsley (2011), esses laboratórios clandestinos constituem etapas-chave na cadeia de produção e distribuição do mercado ilícito de entorpecentes5.

Uma droga de elevada pureza costuma estar associada a métodos de produção mais sofisticados: sua obtenção exige conhecimento químico e técnico especializado, insumos e precursores controlados, além de instalações e equipamentos adequados6— características típicas de uma produção em escala profissional7. Esse modo de produção não apenas aumenta a rentabilidade do produto no mercado ilícito, mas também eleva o poder de comando sobre cadeias logísticas e comerciais8.

Para além do exposto, deve-se destacar que a traficância de drogas de elevada pureza constitui conduta de maior censurabilidade, uma vez que apresenta maior potencial lesivo e compromete de forma mais profunda o bem jurídico tutelado: a saúde pública9.

Do quadro delineado, resta analisar o posicionamento encampado pelo ordenamento jurídico brasileiro acerca da consideração da pureza da droga na dosimetria da pena, especificamente no contexto de tráfico ilícito de entorpecentes.


2. DA PUREZA DA DROGA NA DOSIMETRIA DA PENA

Ab initio, é importante fazer pequenas considerações acerca da dosimetria da pena para o tráfico de drogas, crime que, vale consignar, é equiparado a hediondo, por força do art. 5º, inciso XLIII10, e do art. 2º da Lei nº 8.072/199011.

Com efeito, assim preconiza o art. 68, caput, do Código Penal (CP):

Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59. deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.12

É o chamado sistema trifásico de dosimetria da pena, encampado pelo ordenamento penal brasileiro para a fixação da pena. Esse modelo, defendido pelo penalista Nelson Hungria, busca assegurar a individualização mais precisa da pena, e exige, por conseguinte, fundamentação clara e estruturada, de modo a evitar a mistura de fatores de distinta natureza e a garantir maior justiça e proporcionalidade na aplicação da sanção13.

O primeiro momento do sistema trifásico refere-se à fixação da pena-base, que deve ser realizada pelo magistrado de acordo com os critérios estabelecidos no art. 59. do Código Penal. Nesse estágio, o juiz analisa as circunstâncias judiciais, como a personalidade do agente, a gravidade do fato, os antecedentes criminais, a conduta social, entre outros elementos relevantes. A pena-base representa, portanto, a medida inicial da reprovação do Estado frente ao delito cometido, servindo como referência para a aplicação das fases seguintes da dosimetria14.

O segundo momento consiste na análise das circunstâncias atenuantes e agravantes, que permitem ajustar a pena-base para mais ou para menos, conforme a presença de fatores que aumentem ou diminuam a culpabilidade do agente. Tais vetores — agravantes e atenuantes — implicam no aumento ou diminuição da pena-base; todavia, não possuem um quantum determinado pela lei para essa variação15.

Calha destacar que até a segunda fase da dosimetria o montante de pena fixado não pode, em caso algum, ultrapassar as balizas previstas no preceito secundário do tipo penal incriminador16.

Por fim, o terceiro momento da dosimetria envolve a incidência das causas de aumento ou de diminuição de pena. Trata-se de circunstâncias que aumentam ou diminuem o grau de censurabilidade do delito praticado. O legislador deu por bem prever determinadas situações que influem na qualidade do crime, e, por consectário, influem na aplicação da pena. Nessa etapa a pena cominada pode ultrapassar as balizas legais sem qualquer óbice17.

Feitas essas considerações, deve-se notar, no entanto, que a lei de drogas trata de alguns aspectos que devem preponderar na dosimetria da pena. Neste sentido, há o disposto no art. 42:

Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.18

De fato, conforme o dispositivo legiferante exposto alhures, vigorará com preponderância sobre as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, a avaliação sobre a natureza e a quantidade da droga, a personalidade e a conduta social do infrator.

A personalidade do agente refere‑se ao conjunto de traços intrínsecos, ao temperamento, à índole e ao perfil moral do indivíduo, que imprimem singularidade à sua conduta delitiva e permitem ao magistrado avaliar sua maior ou menor culpabilidade no momento da fixação da pena‑base. A personalidade é entendida como a qualidade moral e social do agente; trata‑se, assim, da índole do indivíduo ou seu perfil moral, que se entrelaça à sua característica psicológica. Essa análise, embora subjetiva, busca ajustar a sanção ao agente concreto, respeitando o princípio da individualização da pena19.

No que concerne à conduta social do agente, refere‑se ao seu comportamento no seio da comunidade — no ambiente familiar, no trabalho, nas relações de vizinhança e no convívio social — e serve como indicador de quão inserido ou desviante o autor está em relação à norma social vigente. Expressa‑se, por exemplo, na forma de relacionamentos estáveis, participação social regular ou, ao contrário, isolamento, conflitos frequentes ou condutas antissociais. A conduta social representa o comportamento do agente no meio familiar, no trabalho, na comunidade. Essa circunstância judicial, prevista no art. 59 do Decreto‑Lei nº 2.848/1940 (como modificado), permite que o juízo refine a pena‑base à luz da individualização, avaliando não somente o fato típico, mas o agente em seu contexto social20.

Por seu turno, a natureza da droga se refere às suas características e propriedades químicas, físicas e farmacológicas, que determinam os efeitos sobre o organismo humano. Nesse contexto, as drogas podem ser classificadas como perturbadoras (ou alucinógenas), estimulantes ou depressoras. As perturbadoras, como LSD e certas substâncias sintéticas, alteram percepção, cognição e comportamento; as estimulantes, como cocaína e anfetaminas, aumentam a atividade cerebral e a energia física; e as depressoras, como heroína e benzodiazepínicos, que diminuem a atividade do sistema nervoso central, provocam sonolência e reduzem a coordenação motora21.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A quantidade da droga consiste, tão somente, no montante de droga apreendida. Em regra, o Parquet aponta, nas suas denúncias de tráfico de drogas, a quantidade de massa líquida da droga, e não a massa bruta, assim como a droga em si mesma22.

No que pese serem levados em consideração, na dosimetria, tanto os aspectos qualitativos quanto quantitativos da droga apreendida, em nenhum momento a lei menciona a pureza da substância como critério para a individualização da pena.

Passa-se, assim, à análise da necessidade de considerar a pureza da droga na dosimetria da pena, à luz do princípio constitucional da individualização da pena.


3. DA VALORAÇÃO DA PUREZA DA DROGA À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

O princípio da individualização da pena encontra seu conteúdo plasmado no art. 5º, inciso XLVI da Carta Federal de 198823. Cuida-se, conforme magistério de Edson Ulisses de Melo, de mandamento constitucional de envergadura garantista, que impõe ao legislador, ao juiz e ao administrador penitenciário o dever de ajustar a resposta penal às particularidades de cada caso concreto. A individualização da pena representa, assim, uma projeção direta do princípio da dignidade da pessoa humana e da pessoalidade da sanção, afasta qualquer automatismo punitivo e assegura que a pena corresponda à medida da culpabilidade do agente24.

De um lado, a individualização da pena constitui direito humano fundamental do condenado, pois assegura tratamento proporcional e individualizado e impede que a sanção penal seja aplicada de modo arbitrário ou desproporcional. A observância desse princípio evita que o condenado se torne mero objeto da punição estatal, reafirma sua condição de sujeito de direitos e reforça a centralidade da dignidade humana no sistema penal25.

Por outro vértice, o princípio desempenha também uma função garantista em relação à coletividade, ao assegurar que a resposta punitiva do Estado corresponda à gravidade concreta da conduta praticada, preserva a credibilidade da justiça penal e mantém o equilíbrio entre repressão e humanidade26.

Por conseguinte, ao mesmo tempo em que protege o indivíduo contra o excesso punitivo, o princípio da individualização da pena protege a sociedade contra a impunidade e o arbítrio, o que garante a justa medida entre o delito e a sanção.

No que tange à aplicação do princípio constitucional da individualização da pena ao crime de tráfico de drogas, anota-se que a resposta penal deve refletir não somente a tipicidade formal da conduta, mas também a intensidade do desvalor que cada caso concreto revela. Com efeito, a aferição de uma sanção que guarde correspondência com a censurabilidade da conduta exige a consideração minuciosa das peculiaridades fáticas que permeiam o ilícito, de modo a permitir que a resposta estatal traduza, com precisão, a gravidade concreta do fato27.

Nesse palmilhar, o grau de pureza da substância entorpecente adquire relevância jurídica singular, por influir de modo direto na lesividade social do delito — circunstância que deve ser considerada no processo de dosimetria da pena.

Cumpre gizar que a Corte Cidadã, em julgado recente, entendeu que o maior grau de pureza da droga indica maior censurabilidade da conduta, circunstância que autoriza a exasperação da pena (grifou-se):

DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA INALTERADA. AGRAVO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que conheceu do agravo em recurso especial para conhecer em parte do recurso especial do agravante, negando-lhe provimento com fundamento na Súmula n. 568. do STJ. 2. A defesa recorre apenas da dosimetria da pena, alegando que o aumento da pena-base se deu em virtude de o agravante ser fornecedor de drogas, o que caracterizaria bis in idem, e que houve confissão por parte do agravante. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se o aumento da pena-base por ser o agravante fornecedor de drogas caracteriza bis in idem e se a confissão do agravante atende aos requisitos legais para aplicação da atenuante. III. Razões de decidir 4. A dosimetria da pena foi considerada adequada, pois as circunstâncias do caso, como a dedicação do agravante ao tráfico e a pureza da droga, justificam a valoração negativa. Ainda que se questione ser intrínseca a condição de fornecedor de drogas, subsiste como fundamento a pureza dos entorpecentes. 5. A confissão do agravante não foi considerada suficiente para atender aos requisitos do art. 65, III, "d", do CP, não sendo possível a aplicação da atenuante. 6. A análise das provas dos autos não pode ser revista nesta instância, conforme a Súmula n. 7. do STJ. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo desprovido. Teses de julgamento: "1. A valoração negativa das circunstâncias do crime, como a pureza da droga e sua atuação como fornecedor, justifica o aumento da pena-base. 2. A confissão deve ser suficiente para aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, 'd', do CP". 3. A análise das provas dos autos não pode ser revista nesta instância, conforme a Súmula n. 7. do STJ. Dispositivos relevantes citados: CP, art. 65, III, "d". Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 1.940.430/MA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 25/10/2021; STJ, HC 502.279/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 9/2/2021, DJe de 18/2/2021.

(AgRg no AREsp n. 2.793.340/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 5/8/2025, DJEN de 15/8/2025.)28

Não só isso, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu, inclusive, que o percentual de pureza da droga configura fator relevante a ser ponderado na análise da necessidade da prisão preventiva, uma vez que esse vetor acentua a gravidade da traficância29.

No que pese os precedentes da Corte Superior reconhecerem a relevância da pureza da droga, sobretudo para a dosimetria da pena, não se trata de posição pacífica na jurisprudência. A Corte Bandeirante, por seu turno, já decidiu que é despicienda a aferição da pureza da droga para a fixação das penas (grifo meu):

Apelação criminal – Tráfico de droga – Apelo defensivo – Autoria e materialidade satisfatoriamente comprovadas - Depoimentos das testemunhas convincentes e sem desmentidos, corroborados pela confissão judicial do acusado – Condenação mantida – Dosimetria – Primeira fase – Pena fixada acima do mínimo legal – Quantidade e natureza das drogas apreendidas – Despicienda a aferição do grau de pureza da droga para a fixação das penas, uma vez que, nos termos do artigo 42 da Lei de Drogas, a quantidade e natureza da substância ou produto foram os vetores escolhidos para a fixação das penas - Segunda fase – Compensação entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência – Terceira fase - Ausência de minorantes ou majorantes – Redutor previsto no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06 afastado por não terem sido cumpridos os requisitos cumulativos necessários à concessão do benefício, não se verificando o alegado bis in idem pelo agravamento da pena pela reincidência e o afastamento do redutor de pena – Não pode o julgador deixar de condenar à pena de multa nem fixá-la fora dos limites estipulados em lei – Regime fechado bem aplicado – Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos – Recurso improvido.

(TJSP; Apelação Criminal 1500601-89.2021.8.26.0617; Relator (a): Fátima Vilas Boas Cruz; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Jacareí - 1ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 22/06/2022; Data de Registro: 22/06/2022)30

Com efeito, a inexistência de uma norma que estabeleça critérios objetivos para a valoração da pureza da droga na dosimetria da pena acarreta instabilidade jurídica, evidenciada por decisões dissonantes, que ora reconhecem a gravidade da circunstância, e ora a afastam.

Impõe-se salientar, por fim, que a experiência internacional tem demonstrado a relevância de se levar em conta o índice de pureza da droga como parâmetro para a adequada aplicação das sanções penais.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a pureza da droga pode ser considerada na dosimetria da pena segundo o U.S. Sentencing Guidelines Manual, especialmente no § 2D1.1 (Unlawful Manufacturing, Importing, Exporting, or Trafficking). Em regra, o cálculo baseia-se no peso total da mistura ou substância que contém qualquer quantidade detectável da droga ilícita (mixture or substance containing a detectable amount)31 — disposição prevista também no 21 U.S.C. § 841 (Cornell Law)32.

Contudo, para certas drogas, como metanfetamina e PCP, o manual determina que o juiz compare o peso da mistura com o peso da droga “pura” (actual) e aplique o que resultar em maior severidade de pena33. Assim, se uma mistura de 10 g contém 50% de PCP, o tribunal pode usar tanto os 10 g quanto os 5 g “reais” — e aplica-se o cálculo mais gravoso.

Apesar disso, o critério da pureza não é aplicado de forma universal. No caso de substâncias como o LSD, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que o peso do veículo — como papel ou líquido — deve ser considerado no cálculo total da droga, independentemente da concentração da substância ativa (Chapman v. United States, 500 U.S. 453, 1991)34.

Além disso, quando o grau de pureza não é conhecido, as diretrizes autorizam usar estimativas ou o peso integral da substância apreendida (USSC – Guidelines Archive, 2000, Cap. 2D1.1)35. Portanto, embora o sistema norte-americano adote o peso total como regra, a pureza pode agravar a pena em hipóteses específicas, desempenha a função de elemento técnico para refletir a periculosidade da droga e o papel do réu no tráfico.

Diante do exposto, infere-se a necessidade premente de inserção de previsão normativa expressa, apta a vincular o julgador à ponderação do índice de pureza da substância entorpecente no momento da individualização judicial da sanção penal. Na sequência, apresenta-se a proposta de reforma legislativa correlata.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
João Carlos Ermelindo Bernardo

Aluno da graduação da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDO, João Carlos Ermelindo. A pureza da droga como critério de individualização da pena.: Um parâmetro necessário para a efetividade da política criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8183, 26 nov. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116207. Acesso em: 5 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos