Capa da publicação Pureza da droga deve afetar a dosimetria da pena?
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A pureza da droga como critério de individualização da pena.

Um parâmetro necessário para a efetividade da política criminal

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CONCLUSÕES

O tráfico de entorpecentes configura um problema global de segurança e saúde pública. Sua estrutura transnacional alimenta mercados ilícitos e constitui fonte relevante de recursos para organizações criminosas, que se valem do comércio de drogas para sustentar outras atividades ilícitas. Ainda que não represente, em todos os contextos, o principal meio de financiamento dessas organizações, o tráfico permanece como uma de suas vertentes mais lucrativas e estratégicas.

A produção de substâncias de elevada pureza requer conhecimento técnico especializado, acesso a precursores químicos controlados e utilização de laboratórios estruturados. Tais circunstâncias evidenciam dedicação profissional à traficância e demonstram o elevado grau de organização, planejamento e sofisticação dessa atividade. O produto final, de maior valor econômico e potencial lesivo, traduz o comprometimento do agente com o comércio ilícito em sua forma mais qualificada.

No Brasil, a individualização da pena em matéria de drogas segue o modelo trifásico do art. 68. do Código Penal, com as preponderâncias previstas no art. 42. da Lei nº 11.343/2006. Todavia, o diploma legal omite qualquer referência ao índice de pureza da substância entorpecente, o que restringe a valoração à natureza e à quantidade da droga. Esse silêncio normativo tem gerado incerteza interpretativa e decisões divergentes nos tribunais.

Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece, em seus precedentes, que a pureza da droga constitui elemento idôneo para justificar a majoração da pena-base e, em certos casos, para sustentar a decretação da prisão preventiva, por evidenciar maior gravidade da conduta. Entretanto, não há consenso consolidado, e alguns tribunais entendem ser desnecessária a aferição da pureza, por ausência de previsão legal expressa. Essa oscilação compromete a coerência da resposta penal e fragiliza o princípio da segurança jurídica.

Nessa trilha, a experiência internacional confirma a necessidade de um tratamento normativo mais preciso. O sistema norte-americano, por exemplo, admite a consideração do grau de pureza como fator técnico na determinação da pena, o que permite calibrar a resposta estatal conforme a periculosidade da substância e o papel do réu na cadeia de produção e distribuição. Tal parâmetro concretiza o princípio da individualização da pena, assegura proporcionalidade e reforça a racionalidade do sistema punitivo.

A inclusão expressa do índice de pureza da droga entre os critérios de dosimetria previstos no art. 42. da Lei nº 11.343/2006 representa medida necessária para uniformizar a jurisprudência, aprimorar a justiça penal e conferir maior objetividade à valoração judicial da conduta. Essa reforma não apenas garante tratamento mais equânime entre casos semelhantes, mas também reafirma o compromisso do Estado com uma política criminal pautada pela proporcionalidade e pela efetividade.

Conclui-se, portanto, que a valoração da pureza da droga como critério legal de individualização da pena constitui passo essencial para a coerência do sistema repressivo e para o fortalecimento da política criminal brasileira. A previsibilidade e a racionalidade das decisões judiciais dependem da superação dessa lacuna normativa, cuja correção permitirá equilibrar a repressão necessária com o respeito aos direitos fundamentais e à justiça material.


MINUTA DE PROJETO DE LEI PARA INSERÇÃO DE DISPOSIÇÃO NORMATIVA QUE DETERMINE A AVALIAÇÃO DA PUREZA DA DROGA NA FIXAÇÃO DA PENA

PROJETO DE LEI Nº ___, DE ____ DE __________ DE 2025

Altera a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas), para incluir o índice de pureza da substância entorpecente entre os critérios preponderantes a serem considerados na fixação da pena.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O art. 42. da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59. do Código Penal, a natureza, a quantidade e o índice de pureza da substância ou do produto, bem como a personalidade e a conduta social do agente.”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

A presente proposta tem por finalidade aperfeiçoar o tratamento penal conferido aos crimes previstos na Lei nº 11.343/2006, mediante a inclusão expressa do índice de pureza da substância entorpecente entre os critérios preponderantes para a dosimetria da pena.

O art. 42. da Lei de Drogas, na redação vigente, atribui relevância à natureza e à quantidade da substância, bem como à personalidade e à conduta social do agente. Todavia, não contempla a pureza da droga, fator de reconhecida importância na valoração da gravidade concreta do delito e do grau de inserção do agente na cadeia do tráfico ilícito.

Substâncias de elevada pureza ostentam maior potencial lesivo e valor comercial e exigem grau superior de especialização técnico-operacional e aparato tecnológico; tais circunstâncias sinalizam dedicação mais intensa à traficância, características que justificam reprovação penal mais intensa. A ausência de previsão normativa expressa, contudo, tem resultado em interpretações divergentes nos tribunais, o que afeta a uniformidade e compromete a segurança jurídica.

A experiência internacional reforça a necessidade de tal previsão. O U.S. Sentencing Guidelines Manual, elaborado pela United States Sentencing Commission, considera o índice de pureza da substância como elemento técnico essencial à dosimetria proporcional da pena, por refletir a real gravidade do fato e a dedicação do agente à atividade delitiva.

Dessa forma, a presente proposta corrige omissão legislativa e alinha o ordenamento jurídico brasileiro às boas práticas internacionais, o que fortalece os princípios da proporcionalidade, da individualização da pena e da razoabilidade na resposta estatal ao crime.

A alteração proposta contribui para a coerência do sistema penal, além de tornar mais precisa a atividade jurisdicional e promover tratamento mais justo e racional às condutas relacionadas ao tráfico de entorpecentes.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RHC 222677/RS, Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2025/0331540-3, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 14 out. 2025, publicado no DJEN em 21 out. 2025. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202503315403&dt_publicacao=21/10/2025. Acesso em: 6 nov. 2025.

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Sobre o autor
João Carlos Ermelindo Bernardo

Aluno da graduação da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDO, João Carlos Ermelindo. A pureza da droga como critério de individualização da pena.: Um parâmetro necessário para a efetividade da política criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8183, 26 nov. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116207. Acesso em: 6 dez. 2025.

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