CONCLUSÃO
Pelo exposto, vemos que o processo disciplinar instaurado em face dos servidores públicos e dos parlamentares não está, assim como tantos outros atos estatais, imune à defendida sindicabilidade jurisdicional, uma vez que lhes é assegurado constitucionalmente o direito de acesso à justiça, podendo o Judiciário corrigir os eventuais abusos praticados pela Administração, cometidos sob o pretexto de aplicar-lhes as sanções estatutárias.
Além disso, a Administração deve estrita obediência ao princípio da legalidade, em face da Constituição Federal consagrar sua formação sob a forma de Estado Democrático de Direito. Assim, essas sanções, aplicadas com o intuito de sancionar os servidores públicos que cometem faltas funcionais, poderão ser revistas judicialmente nos casos em que a Administração Pública não se atenha aos princípios constitucionais e administrativos que norteiam sua atividade, sobretudo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Nesse sentido, a alegação de que a escolha e a quantificação da sanção estatutária estariam contidas no mérito do ato disciplinar, sendo este de natureza discricionária ou política, não é suficiente para afastar a possibilidade de controle jurisdicional, já que é reconhecida, doutrinária e jurisprudencialmente, a força normativa dos princípios jurídicos mencionados, aos quais deve haver observância.
Sob esse aspecto, os processos de cassação de mandato dos parlamentares acusados de prática de conduta incompatível com o decoro parlamentar poderão igualmente ser revistos pelo Supremo Tribunal Federal, já que a concepção que se tem do termo não é de exclusiva valoração das Casas Legislativas, além de estar em jogo direitos subjetivos do congressista e de seus eleitores, que não poderão ser extirpados abruptamente, sem causa ou comprovação, ainda que indiciária, da prática de conduta indecorosa.
Não obstante sejam suscitados óbices ao cabimento do controle jurisdicional do processo disciplinar, estes restaram suplantados frente à garantia fundamental da sindicabilidade judicial (CF, art. 5º, XXXV), que há de prevalecer.
Desta feita, restou demonstrado que a existência de autonomia entre as instâncias administrativa e judicial, a previsão de uma razoável tipificação das condutas tanto na lei nº 8.112/90, em relação aos servidores públicos, quanto na própria Constituição Federal (art. 55, § 2º), em relação aos parlamentares, do que vem a ser falta funcional ou falta de decoro parlamentar, num e noutro caso, aliado ainda ao fato do princípio da motivação dos atos administrativos, além de estarem em jogo interesses individuais, que merecem proteção do Estado, levam-nos a concluir que é cabível o controle jurisdicional do processo disciplinar, pois há potencial lesividade a direitos fundamentais.
Dessa forma, constata-se que o cabimento do aludido controle em favor dos sujeitos processados em nada subjuga a Administração Pública, já que só promove a efetividade do ordenamento jurídico e do princípio da legalidade, objetivos colimados, tanto pelo Judiciário, quanto pela Administração, não havendo ofensa ao princípio da separação dos poderes.
Assim, e sem pretensão de esgotar a análise do tema ora em estudo, conclui-se pelo cabimento do controle do processo administrativo disciplinar nos dois aspectos aqui levantados, isto é, tanto aquele que visa a apurar a prática de faltas funcionais praticadas pelos servidores públicos, quanto o manejado para investigar a prática de conduta incompatível com o decoro parlamentar por parte dos membros do Congresso Nacional.
REFERÊNCIAS
Livros e artigos:
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Notas
01 A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
02 Cf. lei nº 8.112/90, art.149.
03 Cf. lei nº 8.112/90, art. 165.
04 Cf. CF/88, art. 55.
05Cf. CF/88, art. 53, caput
06 Cf. lei nº 8.112/90, art. 127.
07 Cf. lei nº 8.112/90, art. 116.
08 Cf. lei nº 8.112/90, art. 117.
09 Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
[...]
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
[...]
§ 1°. É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
10 Cf. CF/88, art. 102, I, d.