6. Considerações finais
O caso Banco Master, ainda em fase de apuração e desdobramentos, já se revela suficientemente expressivo para provocar uma reflexão aprofundada sobre os instrumentos de responsabilização de pessoas jurídicas por ilícitos econômico-financeiros no Brasil. A partir das informações disponíveis, é possível afirmar que a Lei 12.846/2013 dispõe de ferramentas adequadas para alcançar condutas que envolvam manipulação de ativos, utilização de estruturas societárias para enganar órgãos de fiscalização e causação de dano potencialmente difuso à confiança no Sistema Financeiro Nacional, especialmente quando articulada com o direito bancário, o direito administrativo sancionador e os mecanismos de tutela coletiva.
Ao mesmo tempo, o episódio explicita os limites de uma abordagem que enxergue a empresa apenas como infratora pontual e convida à adoção de um paradigma em que certas pessoas jurídicas, pela forma como são concebidas e operadas, são reconhecidas como detentoras de vocação criminógena, aproximando-se da figura da pessoa jurídica criminosa. Nesse cenário, o criminal compliance deixa de ser capítulo periférico e assume lugar central, tanto na prevenção ex ante quanto na resposta ex post, seja como causa de atenuação para organizações que efetivamente internalizam uma cultura de integridade, seja como elemento agravante de reprovação para aquelas que instrumentalizam a linguagem da conformidade como mera fachada.
Por fim, a mobilização extraordinária do Fundo Garantidor de Créditos e a necessidade de recomposição de sua capacidade de intervenção evidenciam que o custo de modelos de negócios baseados em fraude regulatória e artificialização de liquidez não se limita aos agentes diretamente envolvidos, mas é socializado em toda a sociedade. A discussão sobre pessoa jurídica criminosa e criminal compliance em casos como o do Banco Master, portanto, não é apenas tema de interesse de especialistas em direito bancário ou anticorrupção: trata-se de debate sobre a forma como o ordenamento jurídico brasileiro pretende proteger, ou não, a integridade da infraestrutura de confiança sem a qual o mercado financeiro deixa de cumprir sua função econômica e passa a funcionar como mecanismo sofisticado de redistribuição regressiva de riscos e perdas.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
BRASIL. Banco Central do Brasil. Normas e comunicados relativos à liquidação extrajudicial de instituições financeiras.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.808.378/RN, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 22 fev. 2022, DJe 26 set. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.803.585/RN, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 22 set. 2020, DJe 1º jul. 2021.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1039522-18.2024.8.26.0053, Rel. Des. Martin Vargas, 10ª Câmara de Direito Público, j. 20 out. 2025.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1011190-47.2019.8.26.0625, Rel. Des. Djalma Lofrano Filho, 13ª Câmara de Direito Público, j. 16 maio 2022.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 2166697-40.2024.8.26.0000, Rel. Des. Rebouças de Carvalho, 9ª Câmara de Direito Público, j. 14 ago. 2024.
O GLOBO. Banco Master recebeu investimentos de 18 fundos previdenciários de estados e municípios, confira lista. Rio de Janeiro, 19 nov. 2025.
G1. CDBs irreais e carteiras de crédito falsas: entenda o que está por trás da liquidação do Banco Master. São Paulo, 18 nov. 2025.
NEOFEED. Quem é o ex-sócio do Banco Master que também foi preso pela Polícia Federal. São Paulo, 18 nov. 2025.
VEJA. Por que a prisão de dono do Banco Master cai como uma bomba nos bastidores de Brasília. Brasília, 18 nov. 2025.
Abstract: The compulsory liquidation of Banco Master by the Brazilian Central Bank, followed by the arrest of its main shareholder and former executives in a Federal Police operation, has brought back to the legal agenda the intersection between anticorruption liability, corporate crime, systemic risk and organizational duties imposed on financial institutions. Press reports indicate a massive issuance of bank certificates of deposit with unusually high interest rates, the alleged “fabrication” of unsecured credit portfolios and multibillion operations with a state-owned bank, in a context of intensive fundraising from state and municipal pension funds, as well as an unprecedented use of the Deposit Guarantee Fund to mitigate losses to investors and account holders. Based on these facts, which are still under investigation, this paper discusses, from a theoretical and doctrinal perspective, the application of Law 12.846/2013 to systemic frauds in the National Financial System, the conceptual distinction between an offending company and a criminal legal entity, and the role of criminal compliance as a criterion for corporate attribution – or for the aggravation of institutional blameworthiness – in situations involving diffuse interests. The central claim is that, in highly regulated and sensitive sectors, compliance programmes oriented towards criminal prevention cannot be reduced to mere defensive tools against administrative fines; they must act as structural safeguards against the criminogenic tendencies of complex organizations, otherwise the damage will be redistributed throughout the entire society.
Keywords: Brazilian Anticorruption Law; corporate criminal liability; criminal compliance; National Financial System; Deposit Guarantee Fund; Banco Master.