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CNJ: por um Judiciário fortalecido – uma releitura, 13 anos depois

03/12/2025 às 09:13

Resumo:


  • O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) passou de um órgão controverso para uma instituição fundamental na gestão judiciária.

  • A revolução dos dados transformou a Justiça do Trabalho, tornando-a mais eficiente, porém desafiando a humanização das decisões.

  • A governança ética diante da Inteligência Artificial se tornou essencial para garantir a transparência e a não discriminação nas decisões judiciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A evolução do CNJ revela uma justiça guiada por dados, IA e protocolos de julgamento voltados à igualdade. Como equilibrar eficiência e sensibilidade na jurisdição?

Os Ecos de uma Trincheira Superada

Quando publiquei, em 2012, o artigo “CNJ – Por um Judiciário Fortalecido” 1, o cenário era de trincheira. À época, a Emenda Constitucional nº 45/2004 ainda reverberava desconfianças profundas nos corredores dos fóruns e tribunais. Muitos magistrados viam no Conselho Nacional de Justiça uma ameaça direta à autonomia da magistratura ou uma simples instância de censura externa, criada politicamente para subjugar o poder dos tribunais. Naquele texto, nadei contra a corrente de parte do pensamento corporativo para defender a tese de que o controle administrativo, financeiro e disciplinar não enfraquecia, mas legitimava o Poder Judiciário perante a República.

Passados treze anos, aquela tese não apenas se confirmou, como foi atropelada e superada pela realidade. O debate sobre a existência ou a constitucionalidade do CNJ encerrou-se; agora, enfrentamos o desafio da sua eficiência e, fundamentalmente, da sua humanidade. Em 2025, revisitar o tema exige reconhecer que o fortalecimento do Judiciário não passa mais apenas pelo combate a desvios disciplinares ou pela transparência de gastos (o teto remuneratório), mas pela capacidade titânica de entregar justiça em um mundo dominado por algoritmos, metas produtivistas exaustivas e uma necessidade urgente de linguagem que o cidadão comum compreenda.


A Revolução dos Dados e o Protagonismo da Justiça do Trabalho

Se em 2012 o foco recaía sobre a moralidade administrativa, a última década consolidou o CNJ como o grande arquiteto das políticas públicas judiciárias baseadas em dados. Para nós, magistrados, isso significou uma mudança tectônica na rotina: saímos da gestão artesanal de processos, baseada na intuição do juiz, para a era do “Justiça em Números”. O Judiciário deixou de ser uma caixa-preta inescrutável e passou a ser gerido por indicadores de desempenho, taxas de congestionamento e metas nacionais rigorosas.

A Justiça do Trabalho, ramo do qual faço parte, sempre foi vanguardista na informatização e sentiu esse impacto primeiro — e com maior intensidade. A unificação via Processo Judicial Eletrônico (PJe), projeto capitaneado nacionalmente pelo CNJ, derrubou as barreiras físicas do acesso à justiça e permitiu que advogados peticionassem de qualquer lugar do país. Contudo, essa revolução cobrou seu preço. Ergueu novos desafios, como a cultura do “tribunal 24 horas” e a implementação do “Juízo 100% Digital”.

Hoje, não lutamos mais contra autos em papel mofado ou cartórios abarrotados, mas contra a exclusão digital das partes hipossuficientes e a “datatificação” da jurisdição. O risco atual é transformar o magistrado em um mero gestor de acervo e o processo em um dado estatístico para cumprir a Meta 1 ou 2. O CNJ acertou ao digitalizar, mas agora tem a missão — ainda em curso — de garantir que a tecnologia sirva ao devido processo legal e não apenas à estatística de baixa processual. A eficiência na execução trabalhista, por exemplo, foi alavancada por ferramentas de pesquisa patrimonial integradas pelo Conselho (como o Sisbajud), mas a sensibilidade na condução da audiência continua sendo insubstituível.


A Governança Ética na Era da Inteligência Artificial

Nesse contexto de aceleração digital, a governança de dados tornou-se o tema central da década, culminando na regulação do uso da Inteligência Artificial. Não se trata mais de futurismo, mas da realidade operacional dos nossos gabinetes. A Resolução CNJ nº 615, de 11 de março de 2025, representa o amadurecimento dessa preocupação, estabelecendo diretrizes rigorosas que atualizam os cuidados previstos desde 2020.

Essa norma é vital porque a IA no Judiciário não é apenas uma ferramenta de automação de tarefas repetitivas; ela é um novo ator no processo decisório. A Resolução nº 615/2025 acerta ao colocar o ser humano no centro, exigindo transparência algorítmica (para evitarmos a “caixa-preta” decisória) e, principalmente, a prevenção de vieses discriminatórios. Na Justiça do Trabalho, onde lidamos com verbas alimentares e desigualdades sociais latentes, o perigo de uma IA reproduzir preconceitos estruturais na triagem de demandas é real. Portanto, a governança ética imposta pelo CNJ assegura que a inovação tecnológica caminhe de mãos dadas com princípios constitucionais, garantindo que a dignidade humana jamais seja submetida à eficiência fria do código binário.


A Humanização como Nova Fronteira de Legitimidade

Talvez o maior salto qualitativo entre o artigo de 2012 e esta releitura de 2025 seja a mudança de eixo: da estrutura para a pessoa. Nos últimos anos, o CNJ compreendeu que um Judiciário forte não é apenas um Judiciário rápido, limpo ou informatizado, mas um Judiciário que enxerga as vulnerabilidades de quem bate à sua porta. A eficiência sem empatia é apenas burocracia bem executada.

Dois movimentos recentes ilustram essa maturidade institucional e merecem destaque.

Primeiro, a consolidação de um verdadeiro microssistema de Protocolos de Julgamento. O CNJ superou a ideia de uma justiça neutra e abstrata, reconhecendo que tratar desiguais com igualdade formal perpetua injustiças históricas.

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução 492) foi a ponta de lança, mas hoje operamos com um arcabouço robusto e interseccional:

  • Equidade Racial: o Pacto e as diretrizes correlatas combatem o racismo institucional, exigindo que o magistrado considere o contexto estrutural ao valorar provas, especialmente em casos de discriminação no ambiente de trabalho ou assédio moral.

  • Povos Indígenas (Resolução 454): garante o direito à autoidentificação, a presença obrigatória de intérpretes e a realização de perícias antropológicas, rompendo com a visão tutelar do passado.

  • População de Rua (PopRuaJud – Resolução 425): derrubou barreiras burocráticas cruéis, impedindo que a falta de comprovante de residência ou a vestimenta inadequada barrem o acesso do cidadão ao fórum.

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  • Pessoas com Deficiência (Resolução 401): impõe o fim do capacitismo e a adoção de adaptações razoáveis nos atos processuais, desde a acessibilidade física até a comunicacional.

A segunda iniciativa louvável é o Pacto pela Linguagem Simples. Durante séculos, a erudição jurídica serviu como barreira de classe entre o juiz e o jurisdicionado, transformando o processo em um rito incompreensível. A recente e vigorosa ofensiva do CNJ contra o “juridiquês” desnecessário reforça que a sentença tem um destinatário final: a parte, o trabalhador, o cidadão — e não o advogado ou a academia. Simplificar a linguagem é um ato profundo de democratização do poder. Uma decisão que não é compreendida não é justiça plena.

Orientar a magistratura a julgar com essas lentes não é ativismo judicial; é o cumprimento estrito da promessa constitucional de igualdade substantiva.


Os Desafios do Amanhã: Guardiões da Humanidade

Olhando para o futuro, o “Judiciário Fortalecido” que almejamos para a próxima década dependerá decisivamente de como equilibraremos a potência da Inteligência Artificial e a necessidade insubstituível da sensibilidade humana. O uso de ferramentas de automação na triagem, elaboração de minutas e auxílio na pesquisa jurisprudencial é inevitável — e necessário, dada a massividade de processos que enfrentamos.

Contudo, como bem pontua a Resolução nº 615/2025, a legitimidade da jurisdição continua embasada na supervisão humana contínua. A tecnologia deve ser suporte, jamais substituta do juiz. O desafio dos tribunais será manter a celeridade sem perder a “artesania” do julgamento do caso concreto. A governança ética impõe o dever de garantir que o cidadão compreenda — em linguagem acessível — não apenas a decisão final, mas o funcionamento das ferramentas que influenciaram seu destino jurídico.


Conclusão

Em 2012, escrevi que a legitimidade da Justiça passava por padrões claros de conduta e pelo fim do corporativismo. Mantenho cada palavra, mas hoje acrescento: a legitimidade passa também pela empatia, pela inclusão e pela clareza. O CNJ provou ser indispensável não apenas porque vigia juízes, mas porque coordena esforços para que o Judiciário brasileiro, gigante e complexo, caminhe unido na mesma direção.

O fortalecimento que defendi lá atrás aconteceu, mas ele é um processo contínuo e dialético. Que, nos próximos anos, possamos ter um CNJ que, mais do que cobrar metas numéricas, continue a nos lembrar de que, atrás de cada número de processo eletrônico, existe uma vida, uma angústia e uma esperança aguardando por uma resposta justa. E que esse processo, seja conduzido por humanos ou auxiliado por máquinas, esteja sempre pautado na ética do cuidado, da transparência e do respeito absoluto à dignidade da pessoa humana.


Nota

1 https://jus.com.br/artigos/21006/cnj-por-um-judiciario-fortalecido

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Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular de Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Mestre em Direito Negocial (área de concentração em Direito Processual Civil), pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR).︎ Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. CNJ: por um Judiciário fortalecido – uma releitura, 13 anos depois. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8190, 3 dez. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116385. Acesso em: 5 dez. 2025.

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