5. O Dever de Ofício, a Arguição e o Procedimento de Ação de Impedimento ou Suspeição
O sistema processual impõe ao perito judicial um dever de ofício de declarar-se impedido ou suspeito, logo após tomar conhecimento de sua nomeação e das circunstâncias que envolvem as partes e a lide, conforme determina o parágrafo único do artigo 467 do CPC, criando para o auxiliar da justiça uma obrigação ética e legal de revelar qualquer situação que o enquadre nas hipóteses dos artigos 144 e 145, sob pena de incorrer em responsabilidade civil e administrativa pela omissão, além de sujeitar o laudo produzido à nulidade.
Essa autodeclaração deve ser feita no prazo legal concedido para a apresentação da proposta de honorários, sendo uma condição prévia e indispensável para a aceitação formal do encargo técnico, de modo que a aceitação tácita ou expressa do trabalho, sem a devida declaração, implica a afirmação de que não existe qualquer vício de imparcialidade a macular sua atuação.
Quando o perito deixa de cumprir seu dever de ofício, a lei confere às partes a faculdade de arguir o impedimento ou a suspeição, sendo este o caminho processual para se impor a exclusão do profissional maculado. A arguição deve ser feita mediante petição específica, no prazo de quinze dias a contar do conhecimento da nomeação ou da ocorrência do fato que gerou o impedimento ou a suspeição, conforme estabelece o artigo 146 do CPC, aplicado subsidiariamente.
Vejamos o que diz o artigo 146 do CPC:
“Art. 146. No prazo de 15 (quinze) dias, a contar do conhecimento do fato, a parte alegará o impedimento ou a suspeição, em petição específica dirigida ao juiz do processo, na qual indicará o fundamento da recusa, podendo instruí-la com documentos em que se fundar a alegação e com rol de testemunhas.”
Essa petição deve ser adequadamente instruída com provas documentais ou com o arrolamento de testemunhas que demonstrem de forma inequívoca o vínculo ou a situação de fato que configura o vício de imparcialidade, pois a mera alegação, desprovida de lastro probatório mínimo, será prontamente rejeitada pelo juízo como forma de evitar abusos processuais e a paralisação indevida do procedimento pericial.
Ao receber a petição de arguição, o juiz deve determinar a suspensão do processo e intimar o perito arguido para que se manifeste no prazo de quinze dias, apresentando suas razões e as provas que entender pertinentes para rebater a alegação de impedimento ou suspeição.
Tal procedimento assegura o contraditório, mesmo na fase de incidentes, permitindo que o profissional tenha a oportunidade de se defender das imputações feitas pelas partes, e caso o perito reconheça o impedimento ou a suspeição, o juiz, sem maior dilação, acolherá o incidente e determinará sua imediata substituição.
Contudo, se o perito não reconhecer o vício e apresentar sua defesa, o juiz, se entender que a prova é suficiente e que a matéria exige dilação probatória adicional, poderá determinar a produção de outras provas, como a oitiva de testemunhas arroladas pelas partes ou pelo perito, decidindo o incidente ao final por meio de decisão interlocutória, a qual tem o poder de afastar o profissional do processo, caso o vício seja confirmado, obrigando o magistrado a nomear um substituto para dar continuidade à produção da prova técnica, garantindo a lisura do resultado processual.
6. Perito Judicial Versus Assistente Técnico: A Diferença Fundamental no Regime de Parcialidade
O Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu uma distinção fundamental entre a figura do perito judicial e a do assistente técnico, distinção essa que define o regime de imparcialidade aplicável a cada um e que é crucial para a inteligibilidade do desenho probatório brasileiro.
Enquanto o perito judicial é um auxiliar da Justiça, nomeado pelo juiz para atuar em nome do Estado, possuindo o dever de agir com total objetividade e neutralidade, os assistentes técnicos são profissionais contratados e indicados pelas partes, cujas funções são a de acompanhar a perícia e de fornecer um parecer técnico que, por natureza, é parcial e está orientado a defender a tese da parte que o contratou, atuando como verdadeiros ‘consultores’ técnicos dos litigantes dentro do processo, sem o compromisso de neutralidade exigido do perito do juízo.
Em razão dessa diferença ontológica de função e finalidade, as regras de impedimento e suspeição aplicam-se exclusivamente ao perito judicial nomeado, não incidindo sobre os assistentes técnicos, de forma que o assistente pode, e em muitos casos deve, ter uma relação de confiança e interesse com a parte que o contratou, sendo-lhe lícito ter uma opinião formada e alinhada com os interesses daquele que o remunera, desde que a análise técnica não incorra em dolo ou que não extrapole os limites éticos da profissão.
A lei, ao permitir essa parcialidade planejada do assistente técnico, visa garantir o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa na esfera técnica, assegurando que as partes possam contrapor argumentos especializados e fiscalizar a atuação do perito do juízo, por meio de pareceres técnicos contraditórios e quesitos que buscam conduzir a análise para o ponto de vista que lhes é mais favorável, complementando a busca pela verdade processual a partir da dialética técnica e da refutação especializada, sem que lhes seja exigida a isenção que é inerente ao perito oficial.
A permissão da parcialidade do assistente técnico, todavia, não implica uma licença para a desonestidade intelectual ou para a violação da ética profissional, pois o parecer técnico deve ser fundamentado e tecnicamente correto, sendo o assistente técnico também passível de responsabilização ética e, se comprovado dolo, de responsabilização civil e criminal por falsidade ou outros ilícitos.
Contudo, é fundamental ressaltar que a mera alegação de amizade íntima ou de interesse no resultado do processo não serve como fundamento para afastar o assistente técnico, pois tais vínculos são pressupostos de sua própria função, que é servir de maneira assistencial a uma das partes, reforçando a distinção hermenêutica entre o profissional que atua a serviço do juízo (perito) e aquele que atua a serviço das partes (assistente técnico) no complexo ecossistema da prova pericial no Código de Processo Civil de 2015.
7. A Sanção Processual e as Consequências da Violação ao Dever de Imparcialidade
A identificação e o reconhecimento do impedimento ou da suspeição do perito judicial possuem consequências processuais graves e diretas, visando restabelecer a higidez do procedimento e a presunção de legalidade da atuação judicial. Caso seja reconhecido o vício, o principal efeito é a determinação imediata de substituição do perito nomeado, de modo que o processo deve retornar à fase de nomeação e aceitação do encargo para que a perícia seja conduzida por um profissional isento, garantindo que o laudo final reflita uma análise técnica neutra e não contaminada por interesses ou vínculos inadequados.
Além do afastamento, a atuação de um perito impedido ou suspeito pode levar à declaração de nulidade absoluta de todos os atos, incluindo o laudo pericial, praticados por ele após o surgimento do motivo que ensejou o vício, especialmente no caso de impedimento, que é um vício de ordem pública e insanável. Em relação ao perito que atua dolosamente ou com negligência grave, o Código de Processo Civil prevê a responsabilidade pessoal, tanto na esfera civil, pelos prejuízos causados às partes em decorrência do retardamento ou da nulidade processual, quanto na esfera administrativa e disciplinar, por violação do dever legal de ofício, podendo, inclusive, ser aplicada multa e ser determinado o seu afastamento da lista de profissionais credenciados perante o tribunal, evidenciando a seriedade com que o CPC trata a manutenção da imparcialidade dos auxiliares da Justiça.
A gravidade das sanções e a rigidez do controle sobre o impedimento e a suspeição do perito refletem a intenção do legislador de assegurar um processo civil justo, onde a busca pela verdade dos fatos não seja comprometida pela parcialidade daqueles que a Justiça encarrega de fornecer subsídios técnicos para a decisão, consolidando o entendimento de que a imparcialidade do perito é, portanto, não apenas uma exigência ética, mas um direito fundamental das partes e um pressuposto de validade da prova pericial.
8. Conclusão
O regime de impedimento e suspeição do perito judicial, tal como delineado pelo Código de Processo Civil de 2015 em seus artigos 144, 145 e 467, configura uma robusta estrutura de proteção à imparcialidade e à higidez da prova técnica dentro do processo, equiparando o perito ao juiz em matéria de inidoneidade para atuar, o que sublinha a essencialidade de sua função como auxiliar da Justiça. Essa equiparação, longe de ser meramente formal, impõe ao profissional uma postura de absoluta neutralidade, exigindo a autodeclaração de qualquer vínculo objetivo (impedimento) ou subjetivo (suspeição) que possa minimamente macular a isenção de sua análise técnica, sob pena de nulidade dos atos e de responsabilização pessoal.
A correta observância desses preceitos legais por parte do perito e a vigilância das partes e do próprio juízo sobre esses aspectos são indispensáveis para que a prova pericial cumpra seu papel de instrumento de elucidação da verdade, fortalecendo a confiança na administração da justiça e garantindo o devido processo legal para todos os envolvidos na lide.
Referências Bibliográficas
Código de Processo Civil: Disponível em : https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
SERPA, Júlio. PERÍCIA JUDICIAL. Um Mercado para Profissionais Liberais. Ed. Juspodivm. 2025.