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Tema 1.417/STF: a suspensão de processos aéreos não é um “salvo-conduto” contra a responsabilidade civil

02/12/2025 às 17:59

Resumo:


  • A decisão monocrática no Recurso Extraordinário com Agravo suspendeu processos sobre o Tema 1.417, gerando interpretações apressadas no Direito do Consumidor e do Direito Aéreo.

  • O Tema 1.417 trata da prevalência normativa entre legislação especial e o CDC para responsabilidade civil em casos de caso fortuito ou força maior.

  • A suspensão deve ser aplicada apenas a processos que discutem o fortuito externo, excluindo os casos de fortuito interno regidos pela responsabilidade objetiva do CDC.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A suspensão de processos sobre o Tema 1.417 do STF alcança apenas casos de fortuito externo no transporte aéreo. Como distingui-lo do caso fortuito interno para fins de responsabilidade objetiva do CDC?

A recente decisão monocrática proferida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.560.244, que determinou a suspensão nacional da tramitação de todos os processos judiciais que versem sobre o Tema nº 1.417 da Repercussão Geral, trouxe insegurança e suscitou interpretações apressadas no campo do Direito do Consumidor e do Direito Aéreo.

Embora o comando de suspensão deva ser respeitado em sua literalidade, é imperativo que o Poder Judiciário realize uma triagem técnica e rigorosa sobre a causa de pedir de cada processo. Isso se faz necessário para evitar a paralisação indevida de milhares de ações que, por sua natureza, encontram-se fora do escopo da discussão constitucional afetada.


1. O Delimitador do Tema 1.417: Caso Fortuito ou Força Maior

O Tema 1.417 questiona a prevalência normativa entre a legislação especial (Convenções Internacionais e Código Brasileiro de Aeronáutica) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) para disciplinar a responsabilidade civil por cancelamento, alteração ou atraso de voo por motivo de caso fortuito ou força maior.

O legislador constitucional, ao afetar a matéria, estabeleceu um delimitador claro: o motivo da falha deve ser o caso fortuito ou a força maior.

Para que um processo seja legitimamente suspenso, ele deve, necessariamente, discutir a aplicação da responsabilidade em face de um evento dessa natureza.


2. O conceito de Caso Fortuito na Lei Civil

O Código Civil brasileiro, em seu art. 393, parágrafo único, define:

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.”

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. - Grifei.

O fortuito é tradicionalmente caracterizado pela inevitabilidade (em relação aos efeitos) e a imprevisibilidade (em relação ao evento). No contexto da responsabilidade civil, o caso fortuito ou a força maior (evento inevitável ou irresistível) funciona como um excludente do nexo causal, impedindo a atribuição de responsabilidade.

Contudo, a aplicação desse excludente no Direito do Consumidor exige uma distinção essencial: a Teoria do Risco da Atividade.


3. Fortuito Interno: a falha operacional fora do Tema afetado

O Direito do Consumidor, especialmente no transporte aéreo, adota a Teoria do Risco da Atividade, pela qual o fornecedor é responsável, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição (art. 14. do CDC).

Neste contexto, o conceito de caso fortuito é subdividido em:

3.1. Fortuito Externo (atingido pela suspensão)

O fortuito externo é o evento totalmente alheio à atividade empresarial, que não guarda qualquer conexão com os riscos inerentes ao serviço. São as hipóteses que se enquadram na literalidade do Tema 1.417.

  • Exemplos típicos:

    • Condições climáticas extraordinárias e imprevisíveis (neve, erupção vulcânica, tempestades atípicas);

    • Fechamento de espaço aéreo por ordem de autoridade pública.

3.2. Fortuito Interno (não atingido pela suspensão)

O fortuito interno é o evento inevitável, mas que se encontra intrinsecamente ligado aos riscos da atividade desenvolvida pela companhia aérea. Decorre da má organização da empresa ou de falhas que fazem parte do ônus do negócio.

  • Exemplos que não afastam a responsabilidade:

    • Overbooking (preterição de embarque);

    • Problemas de manutenção da aeronave ou falhas técnicas;

    • Atrasos da tripulação ou da logística de solo; e/ou

    • Falhas em sistemas de reservas, cancelamento automático ou problemas operacionais internos.

Nesses casos, a causa de pedir do autor não é o "caso fortuito", mas sim a falha do serviço que, no microssistema do CDC, não é capaz de romper o nexo causal. A responsabilidade da aérea decorre do risco assumido ao explorar a atividade econômica, sendo irrelevante para a ação de indenização se o evento foi previsível ou não, desde que seja interno à cadeia de fornecimento.

Portanto, as ações baseadas em fortuito interno devem prosseguir, pois não tratam da matéria constitucional afetada.


4. O dever de fundamentação e o contraditório pleno

Diante de despacho que determine a suspensão, o magistrado tem o dever legal de analisar a causa de pedir. A mera presunção de que o caso se encaixa na suspensão viola o art. 489, §1º, IV, do Código de Processo Civil:

“Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;”

O argumento de que a ação trata de fortuito interno e, portanto, está fora do Tema 1.417, é um argumento capaz de infirmar a decisão de suspensão. Assim, caso o Juízo entenda por manter a paralisação do feito, mesmo diante da manifestação técnica das partes, impõe-se a ele o ônus de justificar expressamente por quais razões o fato narrado na exordial (ex.: falha de sistema ou overbooking) seria equiparado a caso fortuito ou força maior para fins de aplicação do Tema 1.417.

A ausência dessa fundamentação específica impede o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, abrindo espaço para o manejo de recursos para questionar a manutenção da suspensão.

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Conclusão

A suspensão de processos determinada no ARE 1.560.244 é direcional, e não genérica. Não se trata de um “salvo-conduto” ou de uma moratória judicial para as companhias aéreas. O foco da suspensão é o debate sobre o regime jurídico do fortuito externo.

As ações que demandam reparação por fortuito interno, as falhas operacionais inerentes ao risco do negócio, continuam a ser regidas pela responsabilidade objetiva do CDC e devem ter seu prosseguimento garantido. A distinção técnica e a fundamentação específica do Juízo são as ferramentas necessárias para assegurar a Justiça e a celeridade processual neste momento de insegurança jurídica.

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Sobre o autor
Luanjir Luna da Silva

Advogado. Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação pela UFSJ. Pós-graduando pelo EBRADI.︎ Sou um profissional apaixonado pelo Direito, sempre dedicado a aprimorar minhas habilidades e conhecimentos, tanto na academia quanto no ambiente corporativo, para oferecer o melhor serviço possível aos meus clientes. Acredito que a advocacia é uma busca incessante pela justiça, e estou comprometido em desempenhar meu papel com excelência.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luanjir Luna. Tema 1.417/STF: a suspensão de processos aéreos não é um “salvo-conduto” contra a responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8189, 2 dez. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116392. Acesso em: 5 dez. 2025.

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