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Juizados especiais ambientais, sonho ou realidade?

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26/08/2008 às 00:00
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Resumo. Apesar do avanço representado pela criação dos Juizados Especiais, permanecem as deficiências que entravam a implementação plena do sistema, em especial no que se refere à efetivação da legislação ambiental. A máquina administrativa do Estado ainda não se adequou de maneira a permitir que a sistemática processual preconizada pelos Juizados Especiais se desenvolva com a agilidade e eficiência para as quais foi concebida. Os Juizados Especiais Ambientais, constituídos ainda em reduzido número e somente em determinados Estados da Federação, dada à especialização que encerram, podem reunir reais condições de se firmarem, pois como sendo derivados dos Juizados Especiais Criminais, tais como estes, contemplam a nova sistemática processual penal, capaz de proporcionar a esperança em se alcançar à efetividade da justiça em matéria de infrações ambientais, se não pela punição como primeiro objetivo, então pela reparação direta ou indireta dos danos.

Palavras Chave. Juizados Especiais Ambientais – Lei 9099/95 - Lei 9605/98 - Lei 10.259/2001.


1. Introdução

Os Juizados Especiais instituídos, os Estaduais pela Lei 9099/95, os Federais pela Lei 10.259/2001, constituem, sem dúvida, uma importante inovação, que dotou o aparato judicial brasileiro de uma sistemática processual capaz de permitir um maior acesso à justiça e, em contrapartida, uma resposta do Judiciário em geral rápida e de baixo custo para as partes.

No que concerne aos Juizados Especiais Criminais, a inovação se fez presente com muita ênfase, eis que é facilmente perceptível que a "sistemática processual penal" [01] modificou-se consideravelmente com a introdução do novo modelo. E é exatamente nos Juizados Especiais Criminais, sob o prisma dos crimes ambientais, que se direcionou o foco principal deste ensaio, inclusive porque representam o embrião dos Juizados Especiais Ambientais que começam a tomar corpo.


3. Uma nova concepção para os Direitos Penal e Processual Penal.

A mudança de paradigma experimentada a partir da vigência da Lei 9099/95 é de tamanha amplitude que aponta para a perda dos "horizontes antigos do Direito Penal e do Direito Processual Penal, quais fossem entidades afastadas em seus métodos e objetivos". [02] À luz desta nova concepção, alcançar a reparação dos danos passa a ser, também, um objetivo a ser perseguido, hipótese que se tornou viável graças à elasticidade emprestada à nova sistemática, diferentemente daquela preconizado pelo clássico (e velho) sistema penal.

Vladimir Passos de Freitas, ao referir-se à Lei 9099/95, destaca que "os princípios estampados no art. 2º da legislação especial modificaram autênticos dogmas processuais ensinados há décadas. O processo deve orientar-se pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a transação e a conciliação." [03]

Daí a razão de Fernando da Costa Tourinho Neto enfatizar que "Os objetivos do processo perante o Juizado Especial são, sempre que possível: a) não-aplicação de pena privativa de liberdade; b) reparação dos danos sofridos pela vítima (art. 62 da lei 9099/1995). Nas infrações de menor potencial ofensivo, de baixa lesividade social, a vítima, geralmente, sofre mais um prejuízo de ordem patrimonial do que físico-moral." [04]

A propósito, para embasar a concepção que persegue a aplicação da pena restritiva de liberdade como última razão, Tourinho Neto busca o auxílio de Maura Roberti: "(...) no processo legislativo de elaboração de leis penais, o princípio da intervenção mínima deverá ser observado, num primeiro momento, para impedir o quanto possível novas e desnecessárias criminalizações, e, num segundo momento, aliado ao princípio da proporcionalidade e aos critérios da necessidade e suficiência da sanção penal, para, com a máxima cautela do legislador, servir de termômetro ao cominar o grau de resposta estatal, especialmente quando se trata de pena de prisão." [05]

Importa observar, o que pretende a lei – a nosso ver - não é descriminalizar e sim, sempre que possível, despenalizar, institutos estes que diferem substancialmente, eis que para o primeiro a infração perde o caráter de ilicitude, enquanto para o segundo, "a conduta continua ilícita, mas a pena é diminuída, substituída, medidas processuais são adotadas, como a transação penal, a suspensão do processo, a mudança de ação penal pública incondicionada para condicionada, para a apuração de determinados crimes." [06]

É de se destacar que o novo sistema não ofende (e seria inaceitável se o fizesse) o princípio da legalidade que, adotado pelas instituições democráticas, caracteriza-se como pressuposto inarredável a ser observado nas lides penais. Pode-se dizer, contudo, à vista dos institutos; da transação (art. 76); da composição (art. 74 e parágrafo); da suspensão condicional do processo (art. 89); e da inversão da titularidade de ação penal (art. 89), que houve uma flexibilização do princípio da legalidade como decorrência de uma evolução que permitiu uma nova visão do direito penal, principalmente no que se refere às infrações penais de menor potencial ofensivo.

Ribeiro Lopes a esse respeito menciona que "Com a superação das noções isoladas dos institutos penais e processuais que exige a Lei 9099/95 e a necessária interpretação dos valores principiológicos da legalidade (sem dúvida alguma muito mais amplos do que a mera técnica de redução normativa tão freqüentemente operada pela doutrina), pode-se antever um sistema revitalizado em sua capacidade de produzir justiça material ao caso concreto. Nesse novo contexto devem ser analisados os novos institutos da transação, suspensão condicional do processo, princípio da oportunidade e os critérios despenalizadores da nova lei". [07]

O já referido autor, antecipando-se às manifestações que atribuem à Lei 9099/95 e, em conseqüência, também à Lei 10259/2001, um potencial de lesão à legalidade material e processual, toma em defesa do sistema os ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover quando esta refere "que a ‘justiça, irrepreensibilidade, due processo of law (e princípio da legalidade, acrescento) são conceitos históricos e relativos, cujo conteúdo pode variar de acordo com a evolução da consciência jurídica e política de um país (...)’". [08]

Geraldo Prado, citado por Tourinho Neto, comenta que "As inovações incorporadas ao cenário do processo penal brasileiro, por meio da Lei 9099, de 26 de setembro de 1995, procuraram acompanhar os grandes movimentos ideológicos, políticos e culturais que têm motivado os ramos mais progressistas da criminologia, no chamado mundo moderno". [09]

Quer dizer, não se pode obstar o movimento do direito que evolui para refletir a consciência jurídica retratada na atualidade, fundamentando a contraposição em critérios e ritos construídos à luz de uma realidade distante, dramaticamente diferente da realidade social atual, que exige do judiciário uma estrutura ágil e eficiente, a propiciar o amplo acesso à justiça e a oferecer solução rápida ao sempre crescente número de demandas.

Mais ainda, há que se buscar a adequação do sistema jurídico às necessidades e aos anseios da sociedade atual, principalmente quando se anuncia a urgência de se tomarem medidas para, no mínimo, estancar o crescente e avassalador processo de degradação do meio ambiente.

Nesse contexto busca-se o auxílio nos ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover que, nos termos da citação levada a efeito por Ribeiro Lopes "preleciona que a eficiência e a efetividade do processo dependem, em última análise, da adequação das formas procedimentais à natureza da controvérsia subjacente. Esta, no processo penal, varia de acordo com a complexidade dos fatos a serem apurados e com a gravidade do delito. A razão moderna da variedade de procedimentos não obedece, assim, aos critérios formalísticos e rituais do direito antigo, mas exprime a necessidade de se estruturarem procedimentos adequados à solução das controvérsias que estão à base do processo." [10]

De sua vez, Damásio de Jesus escreve que "o Juizado Especial Criminal sintetizou os anseios de uma justiça penal efetiva, em que a prestação jurisdicional acenasse com a composição da lide, satisfazendo a vítima e o autor do delito de menor potencial da forma mais ágil possível. Nesse sentido, o Juizado Especial Criminal é norteado por princípios voltados ao alcance da prestação jurisdicional da forma mais célere em detrimento de formalismos e rigorismos jurídicos que burocratizam o processo penal." [11]


4. Os Juizados Especiais Criminais e a Lei 9605/98.

E foi sob a ótica dessa nova realidade, proporcionada pela edição e vigência da lei 9099/95, que passou a viger também a Lei 9605/98 [12], que dispôs sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, tornando os termos do § 3º do artigo 225 da Constituição Federal, efetivamente passíveis de aplicação vez que as sanções impostas anteriormente à vigência da Lei 9605/98, fundadas em portarias do Ibama, eram rejeitadas pelo judiciário à vista do já referido princípio da legalidade.

Dita Lei 9605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, reuniu previsões legais antes esparsas (inclusive de ordem administrativa), regulamentou a responsabilização penal da pessoa jurídica e conceituou como crimes condutas anteriormente tidas como contravenções.

Exemplifica-se a mencionada ampliação de abrangência apontando condutas que passaram a ser tipificadas como crimes tais como os "maus-tratos contra animal doméstico (art. 32), pesca de espécimes com aparelhos não permitidos, por exemplo, com rede de malha fina (art. 34, parágrafo único, II), poluição do mar por óleo, incluída a forma culposa (art. 54, § 2º, V, e § 3º), construção de obras sem estudo de impacto ambiental (art. 60) e impedimento ou embaraço à ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais (art. 69)." [13]

Tais infrações em sua maioria enquadram-se como de menor potencial ofensivo. Nesse passo, caracterizados ditos crimes como de menor potencial ofensivo, tornou-se possível à aplicação da Lei 9605/98 pela via dos Juizados Especiais Estaduais e Federais, passando os crimes ambientais a tramitar segundo os termos da sistemática processual neles adotadas.

Importa destacar que a redação do artigo 61 da Lei 9099/95 descreve como infrações de menor potencial ofensivo às contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano. Contudo, posteriormente, o parágrafo único do artigo 2º da Lei 10.259/2001, que dispôs sobre a instituição dos Juizados Especiais Federais estabelece como infrações de menor potencial ofensivo "os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa".

Para Tourinho Neto "O parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001 derrogou o art. 61 da Lei 9099/95. Depois da Lei 10.259/2001, infração de menor potencial ofensivo é aquela a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. Seja o crime de competência estadual ou federal. Também pouco importa se se trate de crime em que a Lei preveja procedimento especial." [14]

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Especificamente estão sujeitos à competência dos Juizados Especiais os seguintes crimes previstos pela Lei 9605/98: Crimes contra a fauna (arts. 29, 31, 32); Crimes contra a flora (arts. 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 51); Crimes de poluição (arts. 54, § 1º, 55, 56, § 3º, 60); Crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (art. 62, parágrafo único, 64, 65); Crimes contra a administração ambiental (art. 67, parágrafo único).


5. As vantagens da apreciação das infrações ambientais em sede de Juizados Especiais.

À luz dos princípios norteadores dos Juizados Especiais, da celeridade, economia processual e informalidade, permitida – como já mencionado - a transação penal, é possível a responsabilização do agente infrator pelo dano que causou mesmo não ocorrendo ação penal, somando-se a isso a vantagem de se alcançar o resultado em espaço de tempo menor do que demandaria o procedimento ordinário.

Daí que a possibilidade da apreciação dos crimes ambientais no âmbito dos Juizados Especiais traz benefícios à sociedade e ao causador do dano ambiental. Este, embora se veja responsabilizado pelo dano que causou, não sofre a ação penal e aquela obtém, na medida do possível, a reparação do dano ou a compensação do mal causado.

É de fácil percepção a existência de dificuldades para alcançar-se, mesmo através da transação, a reparação direta do dano ambiental. Bianca Georgia Cruz Arenhardt, a este respeito ressalta que "... urge notar que a composição no cível, para todos, passa à condição de procedibilidade da transação penal na disposição especial da Lei 9.605/98 (art. 27). Do mesmo modo, para a suspensão condicional do processo a Lei ambiental exige a plena reparação do dano antes da declaração extintiva da punibilidade (salvo impossibilidade de fazê-lo – art. 28), restando, ao menos, louvável a primordial intenção do legislador em fazer retornar o meio ambiente ao status quo ante. O único problema que se aponta, porém, é que, como já dito, em geral os danos ambientais são irreparáveis (impossíveis de serem sanados), convertendo-se, pois, a regra, em verdadeira exceção". [15] (grifou-se).

Contudo, é de se ver, essa dificuldade não diz respeito propriamente ao procedimento adotado pelos Juizados Especiais, mas sim à natureza e as características do dano ambiental, que muitas vezes não comportam reparação. Nesse passo o eventual insucesso na obtenção de um resultado voltado à recuperação específica do dano causado seria o mesmo em qualquer outro procedimento que viesse a ser adotado. Assim, o que se deve considerar é que a transação penal facilita a reparação do dano ambiental e/ou, no caso da impossibilidade da reparação do dano específico, permite a compensação com outras iniciativas ligadas à conservação do meio ambiente.

Neste aspecto, vale destacar a observação de Vladimir Passos de Freitas no sentido de que "é importante também que as condições para gozar das regalias da lei especial só sejam concedidas se o infrator procurar reparar o mal. É dizer, se ele polui um rio, a suspensão do processo terá como condição alguma atividade relacionada diretamente com a ação reprovável: por exemplo, prestar serviços em um parque. Não deverá ser imposto algo que nada tenha a ver com o crime e em nada auxilie na conscientização e recuperação do infrator, como a doação de cestas básicas". [16]

De outro lado, observa-se, essa facilitação não deve ser interpretada como uma forma de impunidade. Na verdade representa exatamente o contrário, uma vez que proporciona, com maior agilidade e rapidez, o exame de infrações que, se submetidas aos procedimentos ordinários, estariam, em sua maioria, muito mais sujeitas aos efeitos da prescrição, lembrando ainda que a punibilidade – nos termos das Leis 9099/95 e 10259/2001 - só se extingue após o cumprimento, pelo infrator, da obrigação que vier a assumir.


6. O resultado prático da aplicação do novo sistema em face das normas de direito ambiental.

Para que se tenha uma efetiva noção quanto ao sucesso, ou não, que a implementação, em conjunto, das Leis 9099/95, 10.259/2001 e 9605/98, representa para o sistema jurídico, importa avaliar o resultado prático que essa legislação, combinada, vem proporcionando.

Em estudo financiado pela Fundação Willian & Flora Hewllet através de doação ao Imazon publicado na Revista de Direito Ambiental [17] sob o título "Aplicação da Lei de Crimes Ambientais pela Justiça Federal no Setor Florestal do Pará", elaborado por Brenda Brito, Advogada assistente de pesquisa do Imazon [18] e Paulo Barreto, Mestre em Ciências Florestais pela Universidade Yale (EUA), pesquisador e secretário executivo do Imazon, é possível perceber que apesar do inegável avanço experimentado com a edição das referidas leis, são necessários, ainda, importantes ajustes para que os Juizados Especiais Criminais, particularmente em matéria ambiental, deixem de representar um sonho e proporcionem os resultados para os quais foram concebidos.

No referido estudo foi avaliada a aplicação da Lei de Crimes Ambientais em 55 processos referentes ao setor florestal na Justiça Federal em Belém, PA iniciados entre 2000 e março de 2003. Apurou o perfil das infrações e os respectivos encaminhamentos dos processos, bem como as dificuldades para conduzi-los e seus resultados.

Já, no início do ensaio os pesquisadores destacam que "apesar do grande número de infrações ambientais, a aplicação da Lei nº 9.605/98 vem sendo dificultada principalmente pela comunicação deficiente entre órgãos envolvidos e o conflito de competência para julgar os crimes ambientais. A maioria das propostas de transação penal tem caráter assistencial e o valor médio das propostas de reparação civil tem sido baixo. Por isso, mesmo que os julgamentos fossem rápidos as penas teriam contribuído pouco para a reparação de danos ambientais." [19]

Os resultados encontrados pela pesquisa, observado o perfil dos processos e tipos de infração, indicam que "Dos cinqüenta e cinco processos analisados, 53% foram contra pessoas jurídicas e 47% contra pessoas físicas exclusivamente".

Nos processos examinados "o MPF optou pela transação penal em 91% e denunciou inicialmente 9%," fator que aponta para a efetiva utilização do instituto da transação passível de realização em sede de Juizados Especiais. Ainda, "em 90% dos casos, o MPF iniciou os processos sem a instauração de inquérito policial, utilizando apenas o termo circunstanciado, que é o procedimento solicitado nos processos nos Juizados Especiais Estaduais e Federais", ficando também demonstrada, na prática, a efetiva adoção, pelo MP, da simplificação representada pela dispensa do Inquérito Policial.

Para a sistemática adotada nos Juizados Especiais, especificamente em relação aos crimes ambientais, conforme anota a pesquisa que ora empresta suporte, o termo circunstanciado traduz "as informações contidas no auto de infração do Ibama, tais como: a qualificação do infrator, data e local e horário da lavratura do auto de infração, descrição do fato, dispositivos legais violados, penalidade a que se sujeita o infrator (por exemplo, valor da multa), valor do produto apreendido e as identificações do autuante e das testemunhas." [20]

Retornando aos dados da pesquisa, consta que "em março de 2003, dos cinco processos nos quais foram oferecidas denúncias, 40% ainda aguardavam a citação do acusado, 40% enfrentavam conflito de competência entre Justiça Federal e Estadual para seu julgamento. Um caso (20% do total) aguardava suspensão processual por dois anos, que é um direito do acusado quando preenchidos os requisitos legais. Segundo a Lei de Crimes Ambientais, se esse infrator tiver direito e aceitar a suspensão processual, ele deverá reparar os danos causados para que a punibilidade seja extinta." [21]

Em relação aos casos de transação penal, "até março de 2003, apenas um – ou o equivalente a 2% - dos 50 casos em que foi oferecida transação penal foi concluído. Outros 60% aguardavam intimação dos autores da infração e 20% aguardavam o cumprimento dos acordos de transação penal. Os outros 6% foram denunciados pelos seguintes motivos: i dificuldade em localizar o infrator; ii- não cumprimento da transação penal e iii reincidência." [22]

Os pesquisadores noticiam ainda que "em média, decorreram 24 dias úteis entre a chegada do processo na Justiça Federal até o despacho inicial do Juiz, que ordena a intimação do autor da infração e na maioria das vezes marca a data da audiência de conciliação. Nos 16 casos em que ocorreu a audiência de conciliação ou de instrução e julgamento, decorreram em média mais 183 dias. No único caso concluído, o prazo para cumprimento do acordo de transação penal era de 90 dias, mas demorou 281. No total, este processo durou 522 dias úteis, ou quase dois anos, do início até a extinção de punibilidade decretada pelo juiz." [23]

Outro fator preocupante em se tratando de crimes ambientais é que "A maioria (92%) das propostas de transação penal visava à assistência social, incluindo a doação de medicamentos, alimentos e roupas. Entre os beneficiários estavam principalmente a Santa Casa, a Associação dos Renais Crônicos e Transplantados do Pará e hospitais municipais que solicitaram apoio do MPF através de ofícios. O Ibama, responsável pela gestão ambiental, foi beneficiário de apenas 8% das propostas de transação penal, que incluía a doação de combustível. Todas as propostas foram acompanhadas da solicitação de mudas de madeira nobre, como forma de responsabilização civil pelo dano causado. As mudas seriam entregues ao Ibama, que ficaria responsável pela sua destinação." [24]

Ainda a respeito das mudas de madeira, "O valor médio da transação penal correspondeu à grande maioria do valor total proposto (transação penal + responsabilização civil), variando de 88,5% em 2002, até 98,5% em 2003 (Figura 5). A responsabilização civil, que envolveu a doação de mudas, e portanto, estava relacionada de alguma forma com a reparação de danos ambientais, correspondeu a apenas 1,5% do valor total das propostas em 2003." [25]

Também é preocupante o resultado apontado pela estatística em relação ao percentual de cumprimento dos acordos, eis que "Em apenas três de dez casos em que houve acordo, as prestações foram cumpridas dentro do prazo estabelecido em audiência. Nos outros sete processos, houve um atraso médio de 4 meses, sendo que três acordos não haviam sido cumpridos até o mês de março de 2003." [26]

Relativamente ao andamento dos processos, foram constatadas dificuldades para localização dos infratores, que foram intimados através de correspondências, nos termos do que prescreve o artigo 67 da Lei 9099/95, cujo procedimento não surtiu efeito, resultando na necessidade de a Justiça Federal se valer da expedição de cartas precatórias para proceder as pretendidas intimações.

Em resposta às cartas precatórias "as comarcas Federais e Estaduais de outros Estados – que equivaleram a 5% dos casos – conseguiram notificar os infratores." Porém, a pesquisa constatou a lentidão, em especial, da Justiça Estadual do Pará para cumprir as deprecatas que lhes foram encaminhadas, "devido a problemas materiais e causas indeterminadas" [27] questão que certamente se apresenta como um obstáculo a ser vencido para que se alcancem os objetivos preconizados.

Para que se possa formar uma idéia mais aproximada da realidade, reproduziu-se abaixo um dos exemplos das dificuldades enfrentadas pela justiça para conduzir os processos: o assunto versava sobre a "apreensão de 4.367 metros cúbicos de toras no município de Portel, a escrivã local solicitou à Justiça Federal que fosse marcada outra data para a audiência, pois a comarca estava encontrando dificuldades para conseguir um barco para localizar o infrator." [28]

Foram observadas ainda deficiências de comunicação entre as comarcas. "De acordo com funcionários do 2º Juizado Especial Federal Criminal de Belém, as cartas precatórias não são cumpridas a tempo e o contato com algumas comarcas é difícil, mesmo por telefone. Em outras não há fax e nem telefone. Neste caso, é solicitada através de ofício a devolução da carta precatória, mesmo que não tenha sido cumprida, a fim de se ter ciência do que está acontecendo. Contudo, muitas vezes essa solicitação ocorre apenas depois da data em que a audiência havia sido marcada. Quando não é possível intimar o infrator pela via pessoal, ele é denunciado, para que assim seja possível a citação do acusado por edital, que não é permitida para os Juizados Especiais." [29]

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Sobre o autor
Luís Oscar Six Botton

Advogado, Especialista em Direito Empresarial, Especialista em Direito Ambiental e Mestrando em Direito Econômico e Socioambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOTTON, Luís Oscar Six. Juizados especiais ambientais, sonho ou realidade?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1882, 26 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11645. Acesso em: 25 abr. 2024.

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