3. A Tensão entre ius puniendi e ius libertatis
3.1. Ius puniendi e ius persequendi: o Direito ao Processo
Praticado um crime, nasce para o Estado, agindo em nome da coletividade, o direito de perseguir o provável autor da infração, a fim de que este seja submetido à sanção prevista em lei, após apurada a veracidade da acusação através de procedimento penal.
O ius persequendi procura dar efetividade ao ius puniendi, sendo dividido em duas etapas: a investigativa, que se materializa no inquérito policial, e a judicial, a qual é representada pelo procedimento penal iniciado através da ação penal. Enquanto a primeira é atividade preparatória de acusação, de caráter informativo e preliminar; a segunda é instaurada para que se apure a pretensão punitiva (MARQUES, 2000, p. 138).
O poder abstrato de punir torna-se concreto a partir do cometimento do crime e se materializa no ius persequendi, quando o Estado aciona seu aparelho policial para que se busquem provas que indiquem a materialidade e a autoria do fato delituoso. Após o que, deverá ser feito o inquérito policial para embasar a acusação.
Na definição de Fernando Capez (2005, p. 67), o Inquérito Policial consiste em:
conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo(...). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129,I) e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares.
Tal procedimento administrativo tem caráter sigiloso, deve ter obrigatoriamente a forma escrita, é feito por órgãos oficiais, independe de provocação, é presidido por autoridade policial (delegado de polícia de carreira) e tem natureza inquisitiva.
Como dito anteriormente, para se julgar a pretensão punitiva do Estado, faz-se necessário uma ação penal a ser proposta pelo acusador – que na ação penal pública se encontra na figura do órgão estatal denominado Ministério Público –, em face do suposto autor do delito.
Fernando Capez (2005, p. 101) conceitua ação penal como:
direito de pedir ao Estado-juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. É também o direito público subjetivo do Estado-Administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo, com a consequente satisfação da pretensão punitiva. [07]
Apesar de correto, o conceito apresentado por Fernando Capez, data venia, resta incompleto, pois apresenta a ação penal apenas pelo prisma da acusação, deixando de abordar a mesma como garantia do réu de não ter uma condenação arbitrária, de ser apurada a sua culpa em juízo, sob as vistas do Estado-juiz e da lei. Cumpre asseverar que toda a atuação estatal em busca da condenação do provável autor do crime deve ser amplamente jurisdicionalizada, a fim de que o réu tenha todos os seus direitos garantidos e não sofra coação arbitrária em sua liberdade. Por este motivo, deve o Estado-juiz acompanhar a persecutio criminis não só na fase judicial, mas também na investigativa (TOURINHO FILHO, 2001, p. 07).
Tourinho Filho (2001, p. 07) bem sintetiza o rito processual da ação penal em seu manual:
Assim, quando alguém comete uma infração penal, o Estado, como titular do direito de punir, impossibilitado, pelas razões expostas, de auto-executar seu direito, vai a juízo (...) por meio de órgão próprio (Ministério Público) e deduz sua pretensão. O juiz, então, procura ouvir o pretenso culpado. Colhe as provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes (..), recebe as suas razões e, após, o estudo do material de cognição recolhido, procura ver se prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado, ou se o interesse do réu, em não sofrer restrição no seu jus libertatis.
É através deste conflito existente na lide penal que se extrai o escopo do direito processual penal, qual seja, a defesa do direito subjetivo de liberdade, pois ao traçar os limites da atuação estatal quando da prática do ius persequendi e do ius puniendi, acaba, também, por proteger o indivíduo contra abuso de poder, como explicita Lauria Tucci, citando Hélio Tornaghi (apud TUCCI, 2002, p. 170):
A lei penal procura abrigar e garantir a paz, ameaçando com penas os atos que ela reputa ilícitos. A lei processual protege os que são acusados da prática de infrações penais, impondo normas que devem ser seguidas nos processos contra eles instaurados e impedindo que eles sejam entregues ao arbítrio das autoridades processantes.
Ademais, deve-se lembrar que para ser assegurado o equilíbrio entre o direito de punir e a liberdade do indivíduo, é imprescindível a via processual, devendo ser obedecidas todas as regras estabelecidas em lei e na Constituição. Impõe-se, em especial, o respeito ao contraditório e a ampla defesa, ao tratamento isonômico, ao estado de inocência que conformam o devido processo penal, tendo em vista que não pode o Estado condenar o réu de plano, pois o ius puniendi não é auto-executável, mas sim de coação indireta, como já salientado, sendo esta a lição de Frederico Marques (2000, p. 06):
(...) a prática de infração penal faz surgir uma lide de igual natureza, resultante do conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do réu. A pretensão punitiva encontra, no direito de liberdade, a resistência necessária para qualificar esse conflito como litígio, visto que o Estado não pode fazer prevalecer, de plano, o seu interesse repressivo.
Proteger a liberdade do acusado é a principal função do Processo penal, porém, não é a única, tendo em vista que este possui dupla finalidade, qual seja: a de tutelar a liberdade jurídica dos indivíduos, bem como, a de garantir o interesse público, conclusão que se extrai da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal de 1941, no tópico "O espírito do Código":
XVII – Do que vem de ser ressaltado e de vários outros critérios adotados pelo projeto, se evidencia que este se norteou no sentido de obter o equilíbrio entre o interesse social e o da defesa individual, entre o direito do Estado à punição dos criminosos e o direito do indivíduo às garantias e seguranças de sua liberdade.
Portanto, toda norma processual penal deve ser interpretada de forma que o direito de punir não se sobreponha ao direito subjetivo de liberdade, sendo inafastável o processo judicial quando da imposição de sanção, devendo ser respeitados os princípios basilares do devido processo penal quais sejam, o contraditório e a ampla defesa.
3.2. Ius Libertatis: O Processo como Garantidor da Liberdade
O ius libertatis corresponde ao direito de liberdade, direito fundamental de todo ser humano, de aplicabilidade imediata, de acordo com o §1º do art. 5º da CF [08]. Ressaltando que o mesmo consta do rol de cláusulas pétreas [09] da Constituição, conforme se aduz do inciso IV, §4º do art. 60 da CF [10], tendo, ainda, como características a inviolabilidade e a imprescritibilidade.
Os direitos fundamentais consagrados na Constituição brasileira, de acordo com José Afonso do Silva (2004, p. 183), classificam-se em: individuais, políticos, sociais, de nacionalidade, coletivos e solidários. Neste contexto, o direito de liberdade se encontra no rol dos direitos fundamentais individuais, os quais se encontram estabelecidos no art. 5º, caput da CF. Além deste, é assegurado neste dispositivo o direito à vida, à propriedade, à igualdade e à segurança. No Brasil, a primeira Constituição a prever o direito de liberdade como direito fundamental foi a de 1824, trazendo vários dispositivos que o asseguravam em seu art. 179 (SILVA, 2004, P. 75).
Há que se falar, num primeiro momento, da classificação tradicionalmente verificada em estudos filosóficos acerca da liberdade, dividindo-a em interna e externa: a interna consiste no poder de escolha de cada indivíduo, ou seja, o livre-arbítrio; ao passo que a externa se refere à liberdade de fazer, traduzindo-se em poder fazer tudo o que se quer. Caso a liberdade externa não tivesse freio, implicaria na barbárie de tempos de outrora, onde o mais forte dominava o mais fraco. Esta liberdade pode ser deduzida do seguinte preceito constitucional, encartado no art. 5º, inciso II: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". É nesta medida que o ius puniendi influi na liberdade externa, posto que aquele que descumprir a lei e praticar um fato criminoso, se sujeita à sanção imposta, também, por lei.
José Afonso da Silva (2004, p. 234) classifica a liberdade em cinco tipos: liberdade da pessoa física, liberdade de pensamento, liberdade de expressão coletiva, liberdade de ação profissional e liberdade de conteúdo econômico e social. Para este autor, a liberdade da pessoa física se traduz na liberdade de locomoção e de circulação e se opõe ao estado de escravidão e de prisão; a liberdade de pensamento se caracteriza pela exteriorização do pensamento; já a liberdade de expressão coletiva se subsume à liberdade de reunião e de associação; a liberdade de ação profissional é a livre escolha e exercício do trabalho, do ofício e da profissão; e, por fim, a liberdade de conteúdo econômico corresponde à livre iniciativa privada (SILVA, 2004, p. 234).
O ius puniendi, além de limitar a liberdade externa, mantém relação direta com a liberdade da pessoa física, que só pode ser restringida em situações excepcionais, como por exemplo, em caso de prisão. Vale lembrar que é assegurado aos brasileiros e aos estrangeiros que se encontrarem no Brasil a garantia de somente serem privados de sua liberdade física – ou seja, de ir, vir, permanecer e ficar –, mediante ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária ou em virtude de prisão em flagrante, conforme preceitua o art. 5º, inciso LXI da CF.
Desta limitação (...) surge, então, mediante conversão, o direito subjetivo de liberdade das pessoas físicas integrantes da coletividade, que é tutelado, implicitamente, pela mesma norma jurídica penal material e, explicitamente, por outros preceitos, inclusive de Direito Constitucional, a definirem a intenção, ou interesses, de liberdade(...) (TUCCI, 2002, p. 165).
Neste diapasão, cumpre demonstrar a diferença entre direitos e garantias:
Ruy Barbosa já dizia que uma coisa são os direitos, outras as garantias, pois devemos separar ‘no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder’. (SILVA, 2004, p. 185).
Tomando por base a explicação acima colacionada, infere-se que para todo direito fundamental há uma garantia de caráter instrumental que lhe confere proteção e efetividade. No caso do direito da liberdade, esta garantia se dá através do remédio processual chamado habeas corpus, consubstanciado no inciso LXVIII, do art. 5º da CF, o qual preceitua que "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder".
O habeas corpus é um dos mais importantes writs constitucionais, tendo em vista que fora o primeiro a ser posto a serviço das conquistas liberais através da Magna Carta de 1215. No Brasil, sua primeira manifestação se deu no Código de Processo Criminal de 1832, vindo a constitucionalizar-se somente em 1891. O habeas corpus é um instrumento de controle do ius puniendi estatal, o qual visa o equilíbrio entre o direito de punir e o direito de liberdade, na medida em que não proíbe qualquer constrição à liberdade, mas apenas as ilegais ou ocasionadas pelo abuso de poder (MORAES, A., 2004, p. 138-139).
Desta forma, pode-se concluir que o Estado, quando da efetivação do seu direito de punir, deve ter como limitação o direito de liberdade, direito fundamental e inerente a todo ser humano.
3.3. O Sistema Processual Penal Brasileiro
3.3.1. Sistema e Características
Há três espécies de sistemas na área processual penal: o inquisitivo, o acusatório e o misto. O modelo inquisitivo é marcado pela concentração das funções de acusar, julgar e defender nas mãos de uma única pessoa: o juiz; no sistema acusatório há figuras diversas para acusar, defender e julgar; e, no sistema misto há uma fase inicial inquisitiva e um posterior juízo de julgamento contraditório.
O sistema inquisitivo tem como característica mais destacada a não previsão de contraditório, como preleciona Tourinho Filho (2001, p. 29):
O processo de tipo inquisitório é a antítese do acusatório. Não há o contraditório, e por isso mesmo inexistem as regras de igualdade e liberdade processuais. As funções de acusar, defender e julgar encontram-se enfeixadas numa só pessoa: o Juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e, a final, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação tal subordinação que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito.
Este modelo processual foi introduzido pelo direito canônico e depois fora amplamente utilizado pelos soberanos, que viram nele uma forma de poder. Foi bastante usado durante o Império Romano e na Idade Média, conforme ensinamentos de Júlio Fabbrini Mirabete (2005, p. 41) que traz um panorama histórico acerca deste sistema:
No sistema inquisitivo encontra-se mais uma forma auto-defensiva da administração da justiça do que um genuíno processo de apuração da verdade. Tem suas raízes no Direito Romano, quando, por influência da organização política do Império, se permitiu ao juiz iniciar o processo de ofício. Revigorou-se na Idade Média diante da necessidade de afastar a repressão criminal dos acusadores privados e alastrou-se por todo o continente europeu a partir do Século XV diante da influência do Direito Penal da Igreja e só entrou em declínio com a Revolução Francesa.
Convém salientar que este sistema processual tem caráter sigiloso e forma escrita. Ademais, o réu é visto como mero objeto de persecução, sendo, por este motivo, admitida, por vezes, a tortura, com o objetivo de obtenção da confissão.
Já o sistema acusatório, acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro, é contraditório, público, imparcial; assegura a ampla defesa; e há distribuição das funções de acusar, julgar e defender a órgãos distintos. De acordo com Fernando Capez (2005, p. 40 e 41), este sistema pressupõe as seguintes garantias constitucionais: tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), devido processo legal (art. 5º, LIV), acesso à justiça (art. 5º, LXXIV), juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), igualdade entre as partes (art. 5º, caput e I), ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), publicidade e motivação (art. 93, IX) e presunção de inocência (art. 5º, LVII).
No sistema acusatório, autor e réu se encontram em pé de igualdade, sobrepondo-se a ambos, como órgão imparcial de aplicação da lei, o titular da jurisdição, ou juiz, tal como o consagra o direito brasileiro. A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal tão-somente da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu. (MARQUES, 2000, p. 66).
Fora dito que o sistema acusatório é o vigente no ordenamento pátrio. No entanto, algumas ressalvas devem ser feitas, haja vista que não fora adotado o modelo acusatório puro, mas sim o não ortodoxo, conforme lição de Tourinho Filho (2001, p. 30):
No direito pátrio, o sistema adotado é o acusatório. Não o processo acusatório puro, mas o acusatório não ortodoxo. Tanto é verdade que o Juiz pode requisitar abertura de inquérito, decretar de ofício prisão preventiva, conceder habeas corpus de ofício, determinar a realização da prova que bem quiser e entender, etc.
O sistema acusatório tem suas raízes na Grécia e em Roma. Na Idade Moderna despontou na França e na Inglaterra após a Revolução, sendo adotado atualmente na maioria dos países europeus e americanos (MIRABETE, 2005, P. 41).
No sistema misto há uma fase inicial inquisitiva, de investigação preliminar e instrução preparatória, e um posterior juízo contraditório de julgamento (fase acusatória).
Embora as primeiras regras desse processo fossem introduzidas com as reformas da Ordenança Criminal de Luiz XIX (1670), a reforma radical foi operada com o Code D’Instruction Criminelle de 1808, na época de Napoleão, espalhando-se pela Europa Continental no século XIX. É ainda o sistema utilizado em vários países da Europa e até da América Latina (Venezuela). No direito contemporâneo, o sistema misto combina elementos acusatórios e inquisitivos em maior ou menor medida, segundo ordenamento processual local e se subdivide em duas orientações, segundo a predominância na segunda fase do procedimento escrito ou oral, o que, até hoje, é matéria de discussão. (MIRABETE, 2005, p. 42).
Visto as espécies de sistemas processuais penais (acusatório, inquisitório e misto), suas respectivas características, deve-se analisar os princípios que norteiam o processo penal brasileiro.
3.3.2. Princípios
Paulo Rangel (2005, p. 05-23) aponta oito princípios processuais penais, quais sejam, do devido processo legal, do contraditório, da presunção de inocência, da verdade real, da publicidade dos atos processuais, do favor rei, da imparcialidade do juiz e do promotor natural.
O princípio do devido processo legal, originário da Magna Carta de João sem Terra de 1215, encontra-se erigido na forma de dogma constitucional no art. 5º, LIV da CF, que preceitua que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". A literalidade do dispositivo é clara e não impõe qualquer esforço, "devem ser respeitadas todas as formalidades previstas em lei para que haja cerceamento da liberdade (seja ela qual for) ou para que alguém seja privado de seus bens" (RANGEL, 2005, p. 2).
O princípio do contraditório se encontra inserto no art. 5º, LV da CF, é previsto não somente na Constituição, como também na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 27 de maio de 1992, que diz em seu art. 8º:
Art. 8º. Garantias Judiciais
1.Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Convém ressaltar que no processo penal o respeito a este princípio tem maior grau de exigibilidade que na seara civil, haja vista a regra do art. 261 do Código de Processo Penal (CPP), que aborda a obrigatoriedade de defesa técnica para o réu que não for citado ou não comparecer em juízo após a citação. Ademais deste princípio decorre a igualdade e a liberdade processual:
Do princípio do contraditório decorre a igualdade processual, ou seja, a igualdade de direitos entre as partes acusadora e acusada, que se encontram num mesmo plano, e a liberdade processual, que consiste na faculdade que tem o acusado de nomear o advogado que bem entender, de apresentar as provas que lhe convenham, etc. (MIRABETE, 2005, P. 44).
O princípio do estado de inocência encontra-se no art. 5º, inciso LVII da CF, traduz a idéia de que o acusado, indiciado ou réu não podem ser considerados culpados até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, tendo este princípio as seguintes implicações:
Em decorrência do princípio do estado de inocência deve-se concluir que: a) a restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou conveniência, segundo estabelecer a lei processual; b) o réu não tem o dever de provar a sua inocência, cabe ao acusador comprovar a sua culpa; c) para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é ele o responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito da sua culpa (in dubio pro reo). (MIRABETE, 2005, p. 43).
O princípio da verdade real, também chamado de verdade processual, consiste na colheita de "elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza absoluta (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e a maneira pela qual o fez". (RANGEL, 2005, p. 5). Ou seja, é a tendência pela busca, feita pelo juiz, do que realmente aconteceu. Este princípio encontra-se consubstanciado no art. 156, parte final, do CPP, in verbis: "A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante."
Além deste dispositivo, há outros que indicam o dever de busca da verdade real pelo magistrado, como, por exemplo, os artigos 196, 234, 502 e 616 do CPP. No entanto, este princípio sofre limitações, como o respeito à dignidade da pessoa humana e a proibição de obtenção de provas por meios ilícitos. Ademais, comporta algumas exceções, apontadas por Fernando Capez (2005, p. 27):
Como a impossibilidade de juntada de documentos na fase do art. 406 do CPP, a impossibilidade de exibir prova no plenário do júri, que não tenha sido comunicada à parte contrária com antecedência mínima de três dias (CPP, art. 475), a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI), os limites para depor de pessoas que, me razão de função, ofício ou profissão, devam guardar segredo (CPP, art. 207), a recusa de depor de parentes do acusado (CPP, art. 206)e as restrições à prova, existentes no juízo cível, aplicáveis ao penal, quanto ao estado de pessoas (CPP, art. 155).
O princípio da publicidade dos atos processuais é apresentado pela CF/88 em seus artigos 5º, inciso LX; 37, caput; e 93, IX, podendo ser restrito somente em situações de interesse público. Prevalece no ordenamento jurídico pátrio a publicidade absoluta (ou externa), conforme se infere dos artigos supramencionados e do art. 792 do CPP. A publicidade pode ser classificada em geral ou especial e em imediata ou mediata, é o que se extrai do escólio doutrinário de Mirabete (2005, p. 46):
Segundo a doutrina, a publicidade apresenta dois aspectos: a publicidade geral, plena (publicidade popular), quando os atos podem ser assistidos por qualquer pessoa, e a publicidade especial, restrita (publicidade para as partes), quando um número reduzido de pessoas pode estar presente a eles. Pode ela ser imediata, quando se pode tomar conhecimento dos atos diretamente, ou mediata, quando os atos processuais só se tornam públicos através de informe ou certidão sobre sua realização e conteúdo.
O princípio do favor rei está consubstanciado nos artigos 36, IV e 615 do CPP e traduz a regra de que em caso de dúvida, deve o juiz decidir de forma favorável ao acusado, sendo este um princípio basilar do processo penal.
Como bem diz Guiseppe Bettiol, numa determinada ótica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação processual penal de um Estado, inspirado na sua vida política e no seu ordenamento jurídico por um critério superior de liberdade. (TOURINHO FILHO, 2001, p. 25).
O princípio da imparcialidade do juiz não fica adstrito somente ao processo penal, sendo ele princípio de toda e qualquer jurisdição, devendo "o Estado-juiz interessar-se apenas pela busca da verdade processual" (RANGEL, 2005, p. 19). Esta imparcialidade é assegurada por determinadas garantias constitucionais, como afirma Tourinho Filho (2001, p. 16):
Mas a imparcialidade exige, antes de mais nada, independência. Nenhum juiz poderia ser efetivamente imparcial se não estivesse livre de coações, de influências constrangedoras, enfim, de ameaças que pudessem fazê-lo temer a perda do cargo. Daí as garantias conferidas à Magistratura pela Lei Maior: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.
O princípio do promotor natural é corolário lógico do princípio da independência funcional do Ministério Público (MP), bem como da garantia constitucional da inamovibilidade. Paulo Rangel explica em que consiste este princípio:
O promotor natural, assim, é garantia constitucional de toda e qualquer pessoa (física ou jurídica) de ter um órgão de execução do Ministério Público com suas atribuições previamente estabelecidas em lei, a fim de se evitar o chamado promotor de encomenda para esse ou aquele caso. (RANGEL, 2005, p. 36).
Ora, se a ação penal pública é privativa do Ministério Público, conforme o art. 129, inciso I da CF, o indivíduo deve ter a garantia de que será processado por órgão do MP com atribuição determinada em lei.
O promotor ou procurador não pode ser designado sem obediência ao critério legal, a fim de garantir julgamento imparcial, isento. Veda-se, assim, designação de promotor ou procurador ad hoc no sentido de fixar prévia orientação, como seria odioso indicação singular de magistrado para processar e julgar alguém. Importante, fundamental é fixar o critério de designação. (CAPEZ, 2005, p. 40).
Há, ainda, outros princípios, que são importantes para a correta compreensão do processo penal, tais como o da persuasão racional do juiz, da iniciativa das partes e do ne eat judex ultra petita partium (o juiz não deve julgar além do pedido das partes).
O princípio da persuasão racional ou do livre convencimento impede que o juiz possa julgar com base em informações extra-autos, o juiz deve decidir somente com base nos elementos existentes no processo e os avaliar segundo critérios objetivos e racionais. Conforme explicação de Fernando Capez (2005, p. 23): "O juiz só decide com base nos elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e racionais, devendo observar, na sua apreciação, as regras legais porventura existentes e as máximas de experiência."
O princípio da iniciativa das partes afirma que cabe às partes provocar a prestação jurisdicional, não pode o juiz iniciar o processo de ofício (ne procedat judex ex officio), cabendo ao MP a iniciativa para propositura de ação penal pública e ao ofendido ou seu representante legal a ação penal privada.
O princípio do ne eat judex ultra petita partium afirma que o juiz deve se pronunciar somente acerca da requerido na denúncia ou queixa, não se vinculando ao tipo penal imputado na peça inicial, mas sim aos fatos narrados, podendo dar classificação diversa à indicada pela acusação, desde que observando o respeito ao contraditório.