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ON, PN (sem direito de voto ou com sua restrição) e o poder de controle em companhias abertas com alto nível de governança corporativa.

Direito, economia e política

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05/09/2008 às 00:00
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3. Visão macroeconômica: panorama do atual mercado de capitais brasileiro

Dois são os modos pelos quais podemos analisar o desenvolvimento econômico atual do mercado de capitais, consistindo o primeiro em uma análise comparativa externa, ou seja, do mercado de capitais brasileiro com os mercados de capitais de outros países, e consistindo o outro modo em uma análise entre diferentes momentos do mercado de capitais interno.

Para tanto, utilizaremos os dados estatísticos da Federação Mundial de Bolsas de Valores (World Federation of Exchanges) referentes à soma do valor de mercado das companhias listadas em três mercados diferentes, conforme tabela a seguir.

Capitalização dos mercados domésticos – US$ milhões

São Paulo SE

Hong Kong Exchanges

NYSE

1990

11.201,2

83.385,9

2.692.123,0

1991

32.152,1

121.880,9

3.484.340,3

1992

45.416,4

171.983,5

3.798.238,1

1993

96.779,1

385.042,7

4.212.956,0

1994

189.303,3

269.507,8

4.147.936,7

1995

147.636,8

303.705,3

5.654.815,4

1996

216.906,2

449.218,8

6.841.987,6

1997

255.478,0

413.322,6

8.879.630,6

1998

160.886,4

343.566,5

10.277.899,8

1999

227.962,1

609.090,4

11.437.597,3

2000

226.152,3

623.397,7

11.534.612,9

2001

186.238,6

506.072,9

11.026.586,5

2002

121.640,5

463.054,9

9.015.270,5

2003

226.357,7

714.597,4

11.328.953,1

2004

330.346,6

861.462,9

12.707.578,3

2005

474.646,9

1.054.999,3

13.632.303,0

2006

710.247,4

1.714.953,3

15.421.167,9

2007

1.369.711,3

2.654.416,1

15.650.832,5

Fonte: World Federation of Exchanges [12]

A capitalização de uma Bolsa é calculada, basicamente, pelo número total das ações (ordinárias e preferenciais) das companhias negociadas em Bolsa multiplicado pelas cotações destas ações em determinados períodos, excluindo-se fundos de investimento, direitos, warrants, ETFs, instrumentos convertíveis, opções, futuros, ações das holdings e de companhias estrangeiras.

Quando analisamos os dados estatísticos concernentes à soma do valor de mercado das companhias brasileiras listadas na Bovespa, verificamos que, em 17 anos, houve um crescimento de 12.228,25% deste valor.

Em perspectiva com as bolsas de outros países, verificamos que o mercado de capitais brasileiro refletido pela Bovespa teve um crescimento muito maior do que o refletido pelas Bolsas de Hong Kong e de Nova York.

Mesmo em sendo estes mercados maiores, em 17 anos, o crescimento do mercado brasileiro de US$ 11.201,2 milhões (em 1990) para US$ 1.369.711,3 milhões (em 2007), ou seja, de 12.228,25%, é maior do que o crescimento do mercado refletido pela Bolsa de Hong Kong, que foi de US$ 83.385,9 milhões (em 1990) para US$ 2.654.416,1 milhões (2007), ou seja, de 3.183,29%, bem como, é maior do que o crescimento refletido pela Bolsa de New York, que foi de US$ 2.692.123,0 milhões (em 1990) para US$ 15.650.832,5 milhões (2007), ou seja, de 581,35%.

Vê-se em números, portanto, que o mercado brasileiro está crescendo em ritmo mais acelerado do que o mercado do seu parceiro no grupo dos "países emergentes" ("BRIC") e, até mesmo, está crescendo em ritmo mais acelerado do que o dos EUA, que também cresce vertiginosamente mesmo em meio a um declínio econômico que alguns economistas estão a chamar de "a década perdida dos EUA", em alusão às décadas perdidas de outros países, como foi a década de 1980 para os brasileiros.

E o que é importante notar é que todo este crescimento se deu em meio a fatores internacionais negativos como as crises mexicana (1995), asiática (1997) e russa (1998), o ataque às torres gêmeas (2001) e a guerra do Iraque (2003), bem como, deu-se em meio a fatores negativos nacionais, como o Plano Collor (1990), o que demonstra que o crescimento do mercado de capitais, no mundo e no Brasil, é sustentável.

Obviamente, este extraordinário crescimento de 12.228,25% não advém apenas do crescimento de empresas que já estavam listadas, mas, também, é fruto de adesões de inúmeras sociedades que viram na abertura de capital um meio muito mais eficaz de capitalização do que aquela viabilizada pelos financiamentos do sistema bancário, bem como, viram um meio alternativo às operações de private equity (aquisição de empresas para posterior venda com lucro em razão de racionalização de seus processos), venture capital (participação capitalista em empresas novas que atuam na área de ponta, viabilizando as idéias dos empreendedores que não possuem recursos financeiros suficientes, nem gestão eficiente, para manter uma empresa de modo competitivo) e project finance (operação pela qual há financiamento de um projeto em razão do retorno futuro que os ativos deste trarão ao financiador). A distribuição (e, portanto, a amortização) do risco inicial do empreendimento entre os acionistas já é, por si só, uma ótima razão a se apontar para cada vez mais empresas estarem abrindo seu capital. (7a)

A quantidade de capital que a área privada brasileira conseguiu arrecadar via mercado de capitais, que está aliada à notável concretização de um direito regulatório, cujas estruturas, segundo Yazbek, "...se justificam não apenas pelo seu rigor e tecnicidade, mas também (e especialmente) por permitir aquela inserção [do país na economia global e nas redes financeiras internacionais]" [13], são elementos mais do que suficientes para podermos dizer que o mercado de capitais brasileiro é sólido o bastante para, ao mesmo tempo, garantir os investidores contra riscos que de outro modo não conseguiriam se proteger, e para garantir a retenção de crises do sistema financeiro, minimizando danos que impactam diretamente a sociedade.

Ou seja, as estruturas do mercado já possuem suas raízes tanto voltadas para a proteção do acionista-investidor quanto voltadas para a proteção da sociedade. (7b)

Definitivamente, estamos no momento econômico certo e com a estrutura jurídica adequada para começarmos a implantar, no estrito sentido democrático do termo, as verdadeiras public companies aqui no Brasil. E já estamos começando a fazer isto, sendo o Novo Mercado da Bovespa a expressão mais forte deste fenômeno social político e econômico.

Como os dados demonstram, há investimento constante nos setores econômicos brasileiros das empresas de grande porte via mercado de capitais, estando tais setores e muitas destas empresas já suficiente e sustentavelmente capitalizados para consolidar a etapa de desenvolvimento das sociedades na qual o poder de controle deve ser desconcentrado (democratizado) para que, com isto, se possa melhor controlar os riscos dos investimentos da companhia e, consequentemente, para que se possa trazer mais eficiência para o mercado.


4. Porque uma sociedade formada apenas com ON é mais eficaz no controle do risco de investimentos

O folheto da Bovespa, dedicado à apresentação do Novo Mercado, é essencial para começarmos a refletir sobre como uma composição de capital social apenas com ONs pode diminuir riscos de investimentos tanto para a companhia quanto para aquele que quer investir no mercado de capitais brasileiro: "A melhoria da qualidade das informações prestadas pela Companhia e a ampliação dos direitos societários reduzem as incertezas no processo de avaliação e de investimento e, conseqüentemente, o risco. Assim, em virtude do aumento da confiança, eleva-se a disposição dos investidores em adquirirem ações da Companhia, tornando-se seus sócios...A redução do risco também gera uma melhor precificação das ações que, por sua vez, incentiva novas aberturas de capital e novas emissões, fortalecendo o mercado acionário como alternativa de financiamento às empresas" [14].

Desde logo, vê-se que o termo chave é risco, sendo este proveniente, dentre inúmeros outros fatores, do princípio econômico segundo o qual informações perfeitas em um processo decisório não existem, pois, em razão da complexidade da realidade, só conseguimos trabalhar com modelos abstratos limitados, os quais operam sobre a realidade com apenas algumas informações.

Em outras palavras, é impossível apreender todas as variáveis de um processo e, por isto, precisamos escolher e trabalhar apenas com algumas e as relações que entre elas existem. Assim, este natural gap de informações é o elemento que, genericamente, traz a incerteza (do amanhã) para a atividade decisória empresarial, ou seja, que traz o risco.

Reflexamente, apreendemos que o controle do risco só pode ser feito por um processo que diminua este gap de informações. Mesmo que não se possa fazer esta redução totalmente, porque não possuímos capacidade de prevermos com perfeição os efeitos futuros causados pelos eventos determinados no presente, é possível fazer a redução do risco trazido pela incerteza a partir de vários mecanismos de governança corporativa e, principalmente, a partir da defesa do direito de voto como direito que não deve ser suprimido quando a sociedade já está mínima e sustentavelmente capitalizada para a consecução de seu objeto social.

É importante apreendermos que a retirada de um intermediário no processo decisório faz com que o risco do investidor diminua e, não obstante, precisamos lembrar que quando o investidor opta por ações preferenciais ele opta por correr o risco máximo dentro dos limites regulados pela prática do mercado, justamente, porque ele aliena a sua própria possibilidade de decidir sobre a alocação de seus próprios bens e, portanto, fica a cargo da discricionariedade dos acionistas que detêm o direito de voto (intermediários) nas Assembléias Gerais, evento deliberação de máximo da sociedade. (8)

Ora, se as empresas já estão capitalizadas o suficiente para terem um desenvolvimento minimamente sustentável (ótimo grau de liquidez), que é o caso, por exemplo, das sociedades listadas no Novo Mercado da Bovespa, o que deve passar a constituir a ordem do dia é o ganho que se tem pela diminuição do gap de informações quando da democratização, via proteção do direito de voto, do controle social interno (que é o controle social exercido por agente que atua no interior da companhia, destacadamente, que atua nas Assembléias Gerais).

Quando pensamos em controle social, devemos pensar que tanto maior é o poder quanto maior for o grau de imposição e menor for a possibilidade de negociação. Onde não há negociação, não há pacificação adequada, a qual se mostra como aquela que é construída diretamente pelas partes do conflito, e não apenas por uma delas ou por um terceiro alheio.

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O direito de voto é o instrumento pelo qual se negocia diferentes interesses e sua ausência representa a impossibilidade de uma das partes manifestar-se quando está insatisfeita e, consequentemente, representa a impossibilidade de emergência de um empreendimento comum que satisfaça o maior número possível dos seus integrantes, pois, basicamente, impede-se a participação de todos. Portanto, é conveniente a diluição do poder, desconcentrando-o, democratizando-o, visto que, quanto maior participação houver menor será o risco no processo decisório. (9)

Os artigos 116 e 243, § 2º, da Lei 6.404 [15], expressam que o poder de controle é o poder, efetivamente exercido, de eleger os administradores da sociedade e comandar as atividades sociais.

O Contrato de Participação no Novo Mercado da empresa CPFL Energia S.A. nós dá uma dimensão prática do poder de controle: "’Poder de Controle’ significa o poder efetivamente utilizado de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia, de forma direta ou indireta, de fato ou de direito. Há presunção relativa de titularidade do controle em relação à pessoa ou ao grupo de pessoas, vinculado por acordo de acionistas ou sob Controle comum ("grupo de controle") que seja titular de ações que lhe tenham assegurado a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas assembléias gerais da Companhia, ainda que não seja titular das ações que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante." [16]

E, segundo Proença, "a doutrina brasileira define as várias formas de controle interno em cinco possíveis situações: a) controle da participação completa ou quase completa – ocorre na sociedade unipessoal, na qual o controle é exercido por e em interesse do titular único do capital social; b) controle pela maioria; c) controle exercido por algum mecanismo jurídico, como, por exemplo, uma holding ou o sistema de franquia; d) controle pela minoria; e e) controle administrativo ou gerencial, exercido pelos administradores, independentemente do controle acionário" [17].

Ora, pela análise da lei, da praxis e da doutrina, verificamos que o acionista de PNs sem direito de voto ou com restrição a este não exerce nenhuma forma de controle, o que o deixa distante da sociedade, e, deste modo, alheio aos interesses da companhia. (10)

Uma objeção que é possível levantar a favor destas PNs consiste no argumento de que existem investidores que procuram retorno rápido e que não estão interessados em participar da vida da sociedade.

Mas como já se evidenciou em tópico anterior deste artigo, esta objeção está correta até o limite em que adentramos em uma dimensão de desenvolvimento do mercado na qual as empresas já se capitalizaram suficientemente para um crescimento sustentável, dimensão esta que deve, portanto, atribuir menor espaço de atuação para esta espécie de investidor. Este investidor mais imediato tem sua importância diminuída para o mercado quando, em razão de sua própria natureza, age de modo a realizar o seu interesse pessoal sem observar o interesse da companhia, significando tal ausência de interesse que ele está mais preocupado em retirar capital da empresa do que fazê-la crescer. E este distanciamento aumenta o risco, que afeta diretamente a precificação das ações.

A importância do elemento "comprometimento" para a maximização sustentável dos lucros pode ser vislumbrada não apenas na esfera mais básica e poderosa de poder interno da sociedade (o poder de decisão em Assembléia Geral), mas, também, tal fenômeno apresenta-se no controle administrativo ou gerencial (exercido pelos administradores, independentemente do controle acionário) quando se analisa o sistema de remuneração dos seus agentes. Se grande parte desta remuneração advém de bônus oriundos de lucro de curto prazo, o administrador tenderá a aumentar as atividades de risco da sociedade. O mecanismo de maximização pela constante e rápida retirada de capital que vislumbramos na relação do administrador com a sociedade é o mesmo mecanismo que com esta tem o detentor de PNs sem direito a voto ou com restrição a este.

O fato que devemos extrair destas análises é que somos maximizadores, somos auto-interessados e, deste modo, é preciso evitar as situações em que a maximização individual pode trazer malefícios para a maximização social, o que, na dimensão mais básica de poder dentro de uma companhia, faz-se por meio da supressão de PNs sem direito de voto ou com restrição a este na composição do capital social que já se mostra suficiente para o desenvolvimento sustentável da atividade lucrativa. (11a)

Neste sentido da relação comprometimento/crescimento sustentável, devemos lembrar que o direito de voto traz, junto consigo, deveres. (para mais artigos do Autor, visite www.rafaeldeconti.pro.br)

O artigo 115 da Lei 6.404, ao expressar que "o acionista deve exercer o direito de voto no interesse da companhia", não visa expressar que o acionista não deve ter interesse privado (pois isto é natural que ele tenha), antes, o dispositivo legal está expressando que tal interesse não pode ser impeditivo de concretização do interesse público.

Ora, a própria distribuição de dividendo em porcentagem maior do que a atribuída à ação ordinária para os acionistas detentores de certas classes de PNs, por exemplo, explicita claramente esta mecânica de conflitos de interesses que o Artigo 115 da Lei 6.404 objetiva evitar (mesmo que, por outras disposições legais e certas condições econômicas, esta distribuição desproporcional acabe por ser lastreada juridicamente).

As responsabilidades em relação ao voto, tanto no condizente a eventuais conflitos de interesse de caráter formal (definidos pela lei, ou seja, a priori) [18], como no condizente aos conflitos de caráter substancial (que são aqueles não previstos pela lei e que, portanto, devem ser analisados casuisticamente, ou seja, a posteriori), tais responsabilidades quando do exercício de voto apontam para a necessidade de comprometimento do indivíduo para com o meio que integra e constitui, indo muito além da mera responsabilidade que os acionistas possuem de integralização do capital.

Assim, quando todos votam, em razão das responsabilidades oriundas deste exercício, as quais acabam por aproximar o acionista da sociedade, torna-se possível mitigar o risco de investimentos da empresa e do próprio indivíduo que optou por alocar seus recursos no mercado de ações. Comprometimento e risco possuem uma relação inversamente proporcional. (11b)

Uma questão que poderia ser levantada contra a idéia de que a pulverização do poder de controle em ON traz necessariamente eficiência e democracia, consiste na consideração de que, inevitavelmente, para que o acionista faça prevalecer a sua vontade dentro da companhia, este acionista precisa se juntar a outros com iguais interesses e eleger um representante que unifique estas suas vontades em comum, tornando-as mais fortes e, conseqüentemente, formando micro conjunto de poderes dentro da companhia. E este mecanismo, segundo a hipotética objeção levantada, tenderia a concentrar o poder novamente, não adiantando de nada a pulverização do poder de controle em ONs.

Esta argumentação não prevalece simplesmente porque é possível limitar o grau de concentração do poder dos grupos de controle, garantindo-se uma pulverização democratizada, pela qual a força daqueles que estão em conflito na deliberação é suficiente para garantir um processo decisório que engendre julgamentos equânimes, plurilaterais sobre o destino da sociedade.

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Sobre o autor
Rafael Augusto De Conti

Advogado Empresarial e Filósofo Político

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONTI, Rafael Augusto. ON, PN (sem direito de voto ou com sua restrição) e o poder de controle em companhias abertas com alto nível de governança corporativa.: Direito, economia e política. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1892, 5 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11682. Acesso em: 27 abr. 2024.

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