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Reclamação constitucional

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09/09/2008 às 00:00
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As decisões do STF que versam sobre a natureza jurídica da reclamação têm sido um tanto quanto erráticas, apontando em direções diversas a cada novo julgamento.

1. Origem e objeto

A reclamação, segundo nos narra Pontes de Miranda, foi criada pela Justiça do Distrito Federal, e mais tarde incorporada pelo STF, "para quando houvesse subversão patente da hierarquia judicial, portanto em casos especialíssimos de desrespeito a julgado seu em que se tivesse de aguardar ação rescisória (Min. Orosimbo Nonato), ou revisão criminal" (1974, p. 387).

"Em leis de organização judiciária ou em regimentos internos, aludiu-se, de certo tempo para cá, à reclamação contra atos dos juízes, em caso de erro judiciário, se não cabe recurso.. Não faltou reação, na doutrina e na jurisprudência; mas o ambiente ditatorial e, ainda depois da ditadura, a mentalidade de juízes formados durante a ditadura foram propícios à medida correcional. O Supremo Tribunal Federal pô-la, finalmente, no seu Regimento Interno [de 1940, através da Emenda de 2 de outubro de 1957]. Hoje, no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal [de 1970] estão os arts. 7º, I, h), e 161, e os art. 85-88" (Pontes de Miranda, 1974, p. 382-383).

Durante toda a primeira parte do século XX foi admitida por construção jurisprudencial, embora não unânime, baseada na teoria dos poderes implícitos, e sob a marcante influência do que se passou na Suprema Corte dos Estados Unidos, após o célebre caso Mac Culloch vs. Maryland, relatado pelo Chief Justice John Marshall [01] (cf. Silva Pacheco, 2002, p. 603).

O Min. Rocha Lagoa, em voto preliminar na Rcl nº 141, j. 25/01/1952, defendeu o entendimento de que a competência não expressa dos tribunais federais poderia ser ampliada por construção constitucional, como já ocorrera nos acórdãos do STF de 21/09/1898 e 15/10/1899. Advertia que "tudo o que for necessário para fazer efetiva alguma disposição constitucional, envolvendo proibição ou restrição ou a garantia a um poder, deve ser julgado implícito e entendido na própria disposição", pois "vão seria o poder, outorgado ao STF, de julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância, se lhe não fora possível fazer prevalecer seus próprio pronunciamentos, acaso desrespeitados pelas justiças locais" (apud Silva Pacheco, 2002, p. 604).

Também muito contribuiu para a construção jurisprudencial do STF a criação do mandado de segurança contra atos de autoridade, inclusive autoridade judicial, e a necessidade de se poder tomar medidas contra atos atentatórios da legalidade e da ordem jurídica. Ainda, a inclusão no texto constitucional do direito fundamental de petição contra abusos dos poderes públicos, inclusive judiciários, "pôs em destaque a necessidade de se permitir a reclamação, que muitos acoimavam de inconstitucional, de contrariar os princípios que norteiam as leis processuais e de não ser prevista entre os recursos admissíveis" (Silva Pacheco, 2002, p. 604).

Assim é que em 02/10/1957 os Mins. Lafayette de Andrade e Ribeiro da Costa assinaram justificativa da emenda ao RISTF, salientando que

"a medida processual, de caráter acentuadamente disciplinar e correcional, denominada reclamação, embora não prevista, de modo expresso, no art. 101, I a IV, da CF/46, tem sido admitida pelo Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades, exercendo-se, nesses casos, sua função corregedora, a fim de salvaguardar a extensão e os efeitos de seus julgados, em cumprimento dos quais se avocou legítima e oportuna intervenção. A medida da reclamação compreende a faculdade cometida aos órgãos do Poder Judiciário para, em processo especial, corrigir excessos, abusos e irregularidades derivados de atos de autoridades judiciárias, ou de serventuários que lhes sejam subordinados. Visa manter em sua inteireza a plenitude o prestígio da autoridade, a supremacia da lei, a ordem processual e a força da coisa julgada. É sem dúvida meio idôneo para obviar os efeitos de atos de autoridades, administrativas ou judiciárias, que, pelas circunstâncias excepcionais, de que se revestem, exigem a pronta aplicação de corretivo, energético, imediato e eficaz que impeça a prossecução de violência ou atentado à ordem jurídica. Assim, a proposição em apreço entende com a atribuição concedida a este Tribunal pelo art. 97, II, da Carta Magna, e vem suprir omissão contida no seu Regimento Interno" (Min. Ribeiro da Costa apud Silva Pacheco, 2002, p. 606).

A primeira referência em lei federal, teria vindo com a Lei nº 1533/1951, quando prevê que não cabe mandado de segurança quando se tratar "de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso prescrito ou possa ser modificado por via de correição" (art. 5º, II).

Para Pontes de Miranda a reclamação nada mais é do que espécie de correição, sendo essa a sua conformação regimental inicial e o entendimento jurisprudencial majoritário à época (1974, p. 382-383). No mesmo sentido, o Min. Nelson Hungria chegou a afirmar que a lei sobre mandado de segurança "oficializou, indiretamente, o expediente da reclamação correicional perante as instâncias superiores, ao dispor que esse writ somente cabe quando se trata de ato judicial, se não couber recurso com efeito suspensivo ou não for o ato passível de correição, ou seja, de reclamação" (voto in Rcl nº 141, rel. Min. Barros Barreto, j. 03/11/1952).

Em 1969, como Decreto-Lei nº 1002 – Código de Processo Penal Militar – foi introduzida a reclamação no âmbito da Justiça Militar, nos art. 584-586.

Com a Constituição de 1988, esse instrumento passou a ter previsão no texto constitucional – art. 102, I, l e 105, I, f. Assim, alçado a instrumento de extração constitucional, "destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça" (Min. Celso de Mello, in Rcl-AgR nº 354, j. 16/5/1991).

Mais tarde vieram algumas previsões em textos legais, tal como a Lei nº 8038/1990, arts. 13-18, tratando da reclamação no âmbito do STF e STJ. Pouco mais tarde, a Lei nº 8.457/1992, que organizou a Justiça Militar Federal, reforçou a competência do STM para julgar reclamações – art. 6º, I, f.


2. Natureza jurídica

Apesar de ser um instrumento já existente há algum tempo em nosso sistema jurídico, a reclamação ainda é pouco estudada, e não há consenso quanto à sua natureza jurídica.

Para Pontes de Miranda a reclamação "não é recurso; é ação contra ato do juiz suscetível de exame fora da via recursal" (1974, p. 384). Porém, o citado autor considera a reclamação ora estudada equivalente à correição parcial, que tem natureza eminentemente administrativa e não jurisdicional [02]. Isso nos leva a crer que em conceituação utilizou-se do termo "ação" no sentido de "ação de direito material", a actio, e não como "remédio processual".

Assim é que Frederico Marques a considerou providência de caráter administrativo, tal como a correição parcial (apud Gisele Góes, 2007, p. 467, nota 2).

A reclamação correicional, ou correição parcial, é "medida administrativa tendente a apurar uma atividade tumultuária do juiz, não passível de recurso" (Didier Jr. et al, 2007, p. 373). À época do CPC/39 nem toda decisão interlocutória era agravável, daí os tribunais terem criado o instituto da reclamação correicional, para preencher essa lacuna. Tal situação foi alterada com a edição do CPC/73, esvaziando o âmbito de aplicação da reclamação correicional (cf. Dinamarco, 2002, p. 99-100). Assim, medida administrativa que é, "em razão do princípio da separação dos poderes, não deve conter aptidão para atacar um ato judicial (...) de produzir, cassar ou alterar decisões jurisdicionais no seio do processo’." (Marcelo Dantas apud Didier Jr. et al, 2007, p. 374). Sabemos, porém, que o escopo da reclamação, tal como delimitada no texto constitucional, é exatamente o de cassar a decisão judicial. Daí ser impossível a equiparar à correição parcial.

As decisões do STF que versam sobre a natureza jurídica da reclamação têm sido um tanto quanto erráticas, apontando em direções diversas a cada novo julgamento. Na verdade, é o que nos parece, as tomadas de posição do STF nesse tema têm sido mais no sentido de buscar construir uma fundamentação casuística para as suas conclusões do que realmente a conclusão de uma investigação jurídica sobre a natureza jurídica do instituto.

Assim é que na Rp nº 1092 – rel. Min. Djaci Falcão, j. 31/10/1984 –, concluiu-se que era inconstitucional a previsão de reclamação no Regimento Interno do Tribunal Federal de Recursos. O STF se limitou a afirmar que se trata de instrumento processual – sem definir se ação, recurso, ou "medida processual de natureza excepcional" – devendo, então, estar prevista em texto legal, ou, por óbvio, constitucional. Note-se que sob a regência da Constituição anterior [03], o Regimento Interno do STF, veículo pelo qual foi criada a reclamação, tinha status de lei, o que não se repetiu no sistema vigente.

Desde então, a única inovação legislativa relevante registrada em relação à reclamação, foi a inclusão de sua previsão no texto constitucional, com referência expressa da competência do STF e do STJ, e de ninguém mais.

Já na ADI nº 2212, onde se discutia a constitucionalidade da previsão desse instrumento em constituição estadual, o STF firmou posicionamento de que a reclamação não é ação e nem recurso, pois na reclamação "não há autor e não há réu, não há pedido, não há contestação, na há, portanto, litígio. Não há falar, em conseqüência, que constitua ela processo". Tratar-se-ia, então, de mero e singelo procedimento destituído de litígio, destinado apenas a possibilitar ao Tribunal a defesa e manutenção de suas decisões. "Pode ser objeto, portanto, de normas regimentais" (Carlos Velloso, voto in ADI nº 2212, j. 02/10/2003 – no mesmo sentido o voto do Min. Marco Aurélio). Situou-se o instituto no âmbito do direito de petição; daí ser possível a sua adoção em nível estadual, pela constituição local (ADIn n. 2212, rel. Min. Ellen Gracie, j. 02/10/2003). [04]

Semelhante havia sido a posição do Min. Nelson Hungria, em voto na Rcl nº 141, rel. Min. Barros Barreto, j. 03/11/1952, onde afirmou que "não se tratava de recurso, mas de simples representação, em que se pede ao STF que faça cumprir o seu julgado tal como nele se contém", salientando que "tanto não é recurso, no sentido técnico, que vários Estados a têm instituído em suas leis de organização judiciária, mesmo com intensos objetivos de correição forense, sem que tivesse sido argüida de inconstitucionalidade ou quebra do princípio de unidade do direito processual".

Corolário desse entendimento, bem lembram Didier Jr. et al (2007, p. 381), é que não se poderia, então, exigir custas para o ajuizamento da reclamação, "porquanto, consistindo numa manifestação do direito de petição, seu exercício está garantido independentemente do pagamento de taxas (CF/88, art. 5º, XXXIV, a)".

Ainda, mantendo a coerência dessa posição, a decisão da reclamação não se sujeitaria à coisa julgada, nem se poderia exigir capacidade postulatória para o seu ajuizamento (cf Didier Jr. et al, 2007, p. 382), o que, bem se sabe, não é o que vem decidindo o STF: Rcl-AgR nº 532, rel. Min. Sydney Sanches, j. 01/08/1996.

Não obstante, como se sabe, a coisa julgada somente incide sobre o dispositivo da decisão – CPC, art. 469: no caso, que a norma estadual é constitucional. Não se admite, então, a argumentação de que a natureza jurídica da reclamação é essa ou aquela simplesmente, "porque o STF assim decidiu" [05].

Assim, não obstante os argumentos da maioria nesse julgamento do STF, temos de forma clara, pelas razões já afirmadas acima, que a reclamação deve ser necessariamente instrumento processual, pois para cassar uma decisão judicial, somente outra, e concluir de forma diferente seria afrontar a independência da função jurisdicional, porque sujeitaria atos jurisdicionais a controle por órgãos administrativos (cf. Nery Jr., 2004, p. 89; Dinamarco, 2002, p. 102). Essa conclusão, por si só, resulta na necessariedade de haver previsão em lei, ou, obviamente na Constituição federal, "eis que constitui matéria de processo, a cujo respeito é privativa a competência legislativa da União, a teor do que prescreve o art. 22, I, da Constituição Federal" (Didier Jr. et al, 2007, p. 378); não se nega a possibilidade de previsão nas constituições estaduais, mas nunca diretamente por lei estadual ou norma regimental.

"Confirmação do caráter jurisdicional da reclamação é também o fato de esse controle ser feito necessariamente mediante provocação de parte ou do Ministério Público (RISTF, art. 156, e RISTJ, art. 187). Se os objetivos do controle fossem puramente administrativos, não haveria razão para condicioná-lo a essa iniciativa, que vem de pessoas ou entes interessados na eliminação de conflitos; a jurisdição, como expressão do poder estatal, caracteriza-se e distingue-se das demais funções do Estado, precisamente por essa sua destinação pacificadora, eliminando conflitos mediante critérios de justiça" (Dinamarco, 2002, p. 102-103).

"(...) a propositura de reclamação constitucional exige capacidade postulatória, ou seja, representação técnica da parte por advogado devidamente constituído nos autos; a decisão proferida na reclamação produz coisa julgada; de sua decisão cabe a interposição de recursos, a exemplo do agravo interno e dos embargos de declaração; sendo possível haver em reclamação constitucional a concessão de provimentos cautelares. Todas essas particularidades não estão presentes em procedimentos administrativos, razão pela qual a reclamação é, realmente, uma medida jurisdicional" (Didier Jr. et al, 2007, p. 375)

Resta definir, então, se é ação, recurso, ou incidente.

A doutrina atual é pacífica ao afirmar que recurso não é. Didier Jr. et al (2007, p. 376) demonstram não ser recurso por não se tratar de renovação de exercício de ação já proposta, não pressupor sucumbência, não estar prevista em legislação processual como recurso, e estar prevista no rol de competência originária do STF e STJ na CF/88. Para Dinamarco (2002, p. 100), além de não estar tipificada entre as modalidades recursais, a reclamação não se destina a desempenhar a missão que os recursos têm.

"(...) não se configura recurso porque sua finalidade não é impugnar decisão judicial pretendendo-lhe a reforma ou invalidação, mas, tão-somente, fazer com que seja cumprida decisão do STF ou do STJ sobre determinada hipótese, ou preservar a competência do Pretório Excelso (RISTF 156 e ss.) ou do STJ (RISTJ 187 e ss.)" (Nery Jr., 2004, p. 116).

"Não se trata de cassar um ato e substituí-lo por outro, em virtude de algum error in judicando, ou de cassá-lo simplesmente para que outro seja proferido pelo órgão inferior, o que ordinariamente acontece quando o ato contém algum vício de ordem processual. A referência ao binômio cassação-substituição, que é moeda corrente na teoria dos recursos, apóia-se sempre no pressuposto de que estes se voltam contra atos portadores de algum erro substancial ou processual, mas sempre atos suscetíveis de serem realizados pelo juiz prolator, ou por outro – ao contrário dos atos sujeitos à reclamação, que não poderiam ter sido realizados (a) porque a matéria já estava superiormente decidida pelo tribunal ou (b) porque a competência para o ato era deste e não do órgão que o proferiu, nem de outro de seu mesmo grau, ou mesmo de grau superior no âmbito da mesma Justiça" (Dinamarco, 2002, p. 101).

Não obstante haja processualistas de peso afirmando a sua natureza de incidente (Dinamarco, 2002, p. 109; Nery Jr., 2004, p. 116-118), não é possível afirmar que se trate de incidente processual, por não se tratar de situação nova que cai sobre algo que preexiste – o incidente pressupõe sempre a existência de um processo, o que não ocorre na reclamação (cf. Didier Jr. et al, 2007, p. 377).

Gisele Góes (2007, p. 471) diz tratar-se de processo incidente, pois se criaria uma "nova relação processual, instaurada por causa de outro processo já pendente, destinado a exercer alguma influência sobre ele", porém, como já afirmamos, nem sempre haverá processo anterior, aliás, nos casos de reclamação interposta para preservar a competência de tribunal nunca haverá processo anterior.

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"Na reclamação, não se examina a matéria sobre que se decidiu; a sua finalidade é rechaçar o ato do juiz, em si, ou porque usurpe competência do tribunal superior, ou porque não tenha reconhecido à decisão do tribunal a eficácia que ela tem, ou porque haja retardado a remessa do recurso, ou de outro remédio processual, que seja da competência do tribunal, ou de outro corpo superior. Nada tem isso com o conceito de inovação, que se liga ao atentado; há violação de linhas de competência ou de eficácia sentencial ou despacho de tribunal superior ou retardamento em entregar materialmente ao tribunal superior os dados para o exercício da sua jurisdição.

"O tribunal ou corpo correcional que conhece a reclamação e a julga não pode substituir ao ato do juiz outra decisão; pode cortá-lo todo, ou podá-lo, ou determinar aquilo que o juiz foi omisso em determinar.

"A ação de reclamação que rechaça o ato do juiz por invadente da competência do tribunal superior é constitutiva negativa. A ação de reclamação que rechaça o ato do juiz e repele a interpretação que fora dada à decisão sua, no toante à força e à eficácia, também é constitutiva negativa. A ação de reclamação que rechaça o ato do juiz por ter retardado, materialmente, a cognição pelo tribunal superior é mandamental" (Pontes de Miranda, 1974, p. 384).

Filiamo-nos, então, à posição adotada por Silva Pacheco (2002, p. 623) e Didier Jr. et al (2007, p. 373): é ação, ação autônoma de impugnação de ato judicial, provocando o exercício de jurisdição contenciosa, portanto.


3. Condições da ação

Como ação que é, também na reclamação se exige a existência de condições para o julgamento de mérito: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir, e legitimidade para o processo (ativa e passiva).

3.1 Possibilidade jurídica

Em sua configuração original, a reclamação foi delimitada pelo Min. Ribeiro da Costa, seu padrinho, como "a faculdade cometida aos órgãos do Poder Judiciário para, em processo especial corrigir excessos, abusos e irregularidade derivados de atos de autoridades judiciárias ou de serventuários que lhe sejam subordinados". Essa correção se dá por meio da cassação do ato reclamado.

"Assim, se vê que a reclamação só é admissível, para dois fins – assegurar a integridade da competência do Supremo Tribunal e assegurar a autoridade dos seus julgados. Para a consecução desses fins, poderá o Supremo tribunal avocar o processo onde se esteja verificando a usurpação da sua competência ou o desrespeito do seu julgado, compreendida na hipótese de usurpação a demora injustificada da remessa de recursos para ele interpostos" (Min. Pedro Chaves, voto in Rcl nº 624, j. 24/06/1965).

A essas duas hipóteses foi acrescida uma terceira: para garantir a correta aplicação de enunciado de súmula vinculante pelos órgãos jurisdicionais e administrativos – os atos judiciais serão cassados e os administrativos anulados.

3.1.1 Preservação da competência

Quando se fala em preservação da competência, falamos em competência civil e criminal, recursal ou originária (cf. Silva Pacheco, 2002, p. 611), e falamos exclusivamente da competência absoluta, "porque tal é a competência dos tribunais. Não há interesse público na preservação das competências relativas e, por isso, a competência relativa não comporta controle pela via da reclamação" (Dinamarco, 2003, vol. I, p. 449).

Ressalte-se que quando se fala em resguardar a competência do tribunal, fala-se especificamente da competência jurisdicional, de modo que a sua possível violação somente pode partir de autoridade judiciária, "porque juízes ou tribunais é que podem pretender, de má ou de boa-fé, usurpar a competência jurisdicional do Supremo Tribunal" (Min. Victor Nunes, voto in Rcl nº 624, j. 24/06/1965). Não há como um órgão não-jurisdicional pretender usurpar a competência de órgão jurisdicional (nesse sentido: Rcl-QO nº 2066, rel. Min. Sydney Sanches, j. 19/08/2002).

São exemplos de reclamação para a preservação de competência: contra presidente de tribunal local que não remete ao tribunal superior Agravo contra decisão que nega seguimento de recurso [06]; contra omissão de tribunal em remeter os autos do processo após reconhecida a sua suspeição – CF 102, I, n [07] (Rcl n° 1933, rel. Min. Celso de Mello, j. 16/05/2002; Rcl nº 1004, rel Min. Ilmar Galvão, j. 25/11/1999 [08]; AO nº 106, rel. Min. Néri da Silveira, j. 07/10/1993 [09]); juiz de primeira instância que suspende o processamento da execução em razão da pendência de rescisória – somente o tribunal que julga a Rescisória pode fazê-lo (cf. Didier Jr. et al, 2007, p. 383-384); processo ajuizado em primeira instância tendo como objeto principal o controle de constitucionalidade em abstrato de norma, ainda que de forma disfarçada (Rcl nº 434, rel. Min. Francisco Rezek, j. 10/12/1993).

"Ação civil pública em que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes não é posta como causa de pedir, mas, sim como o próprio objeto do pedido, configurando hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade de leis federais, da privativa competência originária do Supremo Tribunal" Rcl nº 2224, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 26/10/2005.

O STF já julgou procedente reclamação em face de MS impetrado perante Grupo de Câmara Cíveis de TJ contra liminar em MS concedida por órgão fracionário do próprio TJ, pois não teria competência para julgar o recurso contra aquela decisão – Rcl nº 176, rel. Min. Moreira Alves, j. 05/06/1985. Da mesma forma em face de acórdão proferido em AgR suspendendo a segurança – Rcl nº 172, rel. Min. Moreira Alves, j. 08/05/1986.

Porém, já se admitiu reclamação contra ato do órgão do MP que se negara a cumprir decisão do STF (Rcl nº 1047, rel. Min. Sidney Sanches, j. 02/09/1999). Também o STJ já admitiu em situações excepcionais que a reclamação seja interposta contra ato administrativo – mais especificamente, por descumprimento de decisão em mandado de segurança (STJ, Rcl nº 283, rel. Min. Américo Luz, j. 25/04/1995; Rcl nº 386, rel. Min. Humerto Gomes de Barros, j. 12/06/1996; Rcl nº 326, rel. Min. José Dantas, j. 26/02/1997), em dissonância com a jurisprudência do STF (Rcl nº 624, j. 24/06/1965).

Não significa, no entanto, que sendo a decisão judicial caberá a reclamação: "Não pode a reclamação, contra atos de autoridades judiciárias, substituir o habeas-corpus e o mandado de segurança, que são os remédios específicos" (Rcl nº 173, rel. Min. Mário Guimarães, j. 20/06/1953).

2.3.1.2 Garantia da autoridade dos julgados

A ofensa à autoridade das decisões do tribunal ocorre nas hipóteses de resistência à execução de seus julgados, ou na decisão que determine a execução de um julgado de maneira diversa daquela determinada pelo tribunal (Didier Jr. et al, 2007, p. 384-385), "não se caracterizando pela simples prolação (...) de decisão que alegadamente contrarie a orientação jurisprudencial dominante" do tribunal, caso em que a parte deve se socorrer da via recursal (STJ, Rcl nº 1548, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 05/02/2004) [10].

A recusa de cumprimento de decisões mandamentais do tribunal pelo juízo inferior, tal como a carta de ordem, também configura descumprimento de decisão que autoriza o manejo da reclamação (Dinamarco, 2003, vol. II, p. 519).

"As decisões dos tribunais de superposição operam em face dos juízes e tribunais locais um fenômeno que se qualifica como preclusão, consistente em impedi-los de voltar a decidir sobre o que já haja sido superiormente decidido. Ainda quando se trate de matéria ordinariamente insuscetível de precluir, cabendo ao juiz o poder-dever de voltar a ela sempre que haja pertinência e mesmo que já se tenha pronunciado a respeito (incompetência absoluta, condições da ação etc.: CPC, art. 267, §3º), essa liberdade de atuação deixa de existir se sobre ela já houver um pronunciamento superior sobre o tema. (...). Diante das disposições constitucionais que sujeitam a reclamação às decisões com que os juízos ou tribunais venham a contrariar o que os órgãos mais elevados hajam decidido (arts. 102, inc. III, letra l, e 105, inc. III, letra f), é imperioso o entendimento de que aquelas decisões superiores constituem fator de impedimento a qualquer manifestação dos órgãos inferiores sobre a matéria já decidida (...). Decidida a matéria em grau superior, aos juízes das Justiças não cabe senão dar cumprimento ao decidido, seja mediante a implantação das situações práticas determinadas, seja proferindo decisões sobre matéria subseqüente ou prejudicada, de modo harmonioso com a decisão mais elevada. O próprio pedido ou requerimento sobre o qual o tribunal de superposição houver decidido não comporta mais decisão alguma pelo órgão inferior. Isso é autêntica preclusão.

"Essa preclusão não se acomoda nas classificações usualmente apresentadas pela doutrina, pela razão de que estas são voltadas às situações das partes e não do juiz. Reconhecido porém que a constituição e os regimentos internos instituem um efeito extintivo do poder-dever deste, é imperioso reconhecer que se trata de uma preclusão, sendo essa uma preclusão hierárquica" (Dinamarco, 2002, p. 104-105).

Pressupõe-se, portanto, decisão de mérito, pois se o tribunal não se pronunciou sobre o mérito da ação, não há autoridade a ser preservada – Rcl nº 219, rel. Min. Moreira Alves, j. 29/04/1987.

Como o que obriga as pessoas submetidas aos efeitos da decisão é o dispositivo, só haverá afronta à autoridade de decisão do tribunal quando houver "disposição prática conflitante com a que ele houve emitido e não a que simplesmente adotar como razão de decidir uma tese jurídica diferente, sem infirmar ou questionar o preceito contido no decisório da primeira sentença" (Dinamarco, 2002, p. 106).

Ademais, a princípio, a decisão tida por afrontar a decisão do tribunal deve ser proferida em processo onde figurem as mesmas partes, tendo os mesmos fundamentos de fato e de direito – alterando-se qualquer um desses elementos já não se trata da mesma causa decidida anteriormente pelo tribunal, não havendo, portanto, desrespeito à autoridade do decidido.

"Não se reputa desobediente ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça uma decisão sobre pedido já soberanamente decidido por um deles, quando essa nova decisão se pronunciar sobre novos fundamentos antes não versados" (Dinamarco, 2002, p. 108).

Outrossim, a exigência da identidade de partes tem sido flexibilizada pela jurisprudência do STF, que tem evoluído no sentido de objetivar as decisões de constitucionalidade proferidas em processo subjetivo, de modo que o recurso extraordinário "deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva"; argumenta-se que processo entre as partes levado ao STF "via recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos" (Gilmar Mendes apud Didier Jr. et al, 2007, p. 275).

Esse fenômeno se manifesta no julgamento de RE no sistema dos JEFs – Lei nº 10.259/2001, art. 14, §§4º a 9º [11] e RISTF, art. 321, §5º [12]; no julgamento de REsp sobre matéria repetida – CPC, art. 543-C (introduzido pela Lei nº 11672/2008); no julgamento de súmula vinculante – CF/88, art. 103-A; admissão de julgamento do RE por fundamento diverso daquele enfrentado pelo tribunal recorrido (RE nº 298694, rel. Min. Sepúlvelda Pertence, j. 06/08/2003); a dispensa de reexame necessário quando a decisão estiver em conformidade com o entendimento adotado pelo Pleno do STF – CPC, art. 475, §3º; a expansão dos efeitos inter partes do julgamento do RE nº 197917 [13] para erga omnes por força da Resolução nº 21702/2004, do TSE [14]; admissão de amicus curiae em RE (RE nº 416827, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 08/02/2007; RE nº 415454, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 08/02/2007); modulação de efeitos em controle difuso de constitucionalidade (HC nº 82959, rel. Min. Marco Aurélio, j. 23/02/2006) (cf. Didier Jr. et al, 2007, p. 274-280).

Caberá reclamação não só contra ato judicial que desobedeça a decisão do STF em processo subjetivo, mas também a decisão prolatada em sede de ADIn ou ADeCon, definitiva ou liminar (Rcl-QO n° 1007, 1652, Rcl nº 777, 785, 800), seja de deferimento/procedência, seja de indeferimento/improcedência (Rcl-AgR nº 2381, Rcl-MC nº 2509, Rcl nº 2623, Rcl-MC nº 2652, Rcl-MC nº 2669; contra: Rcl nº 2810) (cf. Didier Jr. et al, 2007, p. 384-385). Também cabe reclamação contra ato que descumpra o decidido em sede de ADPF – Lei nº 9882/1999, art. 13.

A princípio, o objeto da ADIn não pode ser ampliado, nem mesmo para abranger ato de conteúdo igual ou semelhante (Rcl-QO nº 380, rel. Min. Néri da Silveira, j. 29/06/1992), de modo que não caberia reclamação em face de ato igual ou semelhante ao que teve sua eficácia suspensa ou inconstitucionalidade declarada – no mesmo sentido: Rcl nº 2398, rel. Min. Marco Aurélio, j. 06/10/2005.

A tendência, porém, e ir mais longe: no julgamento de processos objetivos temos observado uma tendência de inversão no parâmetro do julgamento – o objeto da interpretação não seria o ato impugnado, mas o próprio texto constitucional, de modo que o que for decidido num caso vale para os casos semelhantes – Rcl nº 3014, rel. Min. Carlos Britto, em julgamento [15]; já nos processos subjetivos, a decisão sobre a constitucionalidade também, por si, bastaria para retirar a vigência da norma declarada inconstitucional: Rcl nº 4335, rel. Min. Gilmar Mendes, em julgamento. [16]

Indo mais além ainda, Gisele Góes (2007, p. 469) entende que a aplicação da "súmula impeditiva de recurso" (CPC 518, §1º [17]; Lei nº 8038/90, art 38 [18]) é obrigatória, e a sua inobservância também ensejaria a interposição de reclamação ao tribunal superior.

A "razoável e prudente aplicação" pelo juiz da decisão do tribunal não é considerada afronta à autoridade do julgado do tribunal – Rcl nº 838, rel. Min. Adalício Nogueira, j. 19/05/1971; Rcl nº 204, rel. Min. Célio Borja, j. 01/08/1986. Dúvidas sobre a interpretação da decisão exeqüenda devem ser dirimidas pelas vias ordinárias.

Assim, o objeto da reclamação "não comporta exame do ato por seus aspectos processuais-formais, com vista a repelir alguma invalidade ou afirmar nulidades; nem se destina a corrigir erros do juiz em face da lei, desvios das linhas jurisprudenciais etc." Na reclamação limita-se a cassar o ato reclamado, se que se determine a prolação de outro em substituição, "porque o vício reconhecido residia justamente na ausência de poder para realizar o ato. O âmbito da reclamação é muito mais estreito que do recurso de agravo" (Dinamarco, 2002, p. 102).

3.1.2 Contrariedade a súmula vinculante

Por fim, caberá reclamação para assegurar a devida observância de enunciado de súmula vinculante. Isso quer dizer que caberá a reclamação sempre que a súmula deixar de ser aplicada quando seria o caso de aplicá-la, bem como sempre que ela foi aplicada quando for o caso de não se aplicá-la. A reclamação não se serve, porém, dirimir dúvidas sobre a sua interpretação – senda resultado de um processo interpretativo que possui efeitos vinculantes, também ela está sujeita a interpretações; assim, não será o caso de reclamação se o ato reclamado adotou razoável interpretação do enunciado. Deste modo caberá a reclamação para corrigir o desrespeito frontal ao enunciado de súmula vinculante pelos seus destinatários, bem como o desvio desarrazoado de interpretação (cf. André Ramos Tavares, 2007, p. 380).

3.2 Interesse de agir

O ajuizamento de reclamação pressupõe a existência de ato judicial que esteja desrespeitando a decisão ou súmula vinculante, ou ainda a competência do tribunal, ou então ato administrativo que esteja desrespeitando súmula vinculante.

Assim, quando a reclamação tiver por objetivo assegurar a autoridade do julgado, pressupõe processo prévio, em que a decisão que se busca garantir tenha sido proferida (cf. André Ramos Tavares, 2007, p. 376); quando o objeto for assegurar a competência do tribunal pressupõe "causa posta em juízo e, em segundo lugar, o conhecimento dela por autoridade judiciária diversa e incompetente" (Xavier Albuquerque apud Gilmar Mendes, 2004, p. 67).

Temos, então, que a reclamação, ressalvada a excepcional hipótese de cabimento em face de ato administrativo que deixe de aplicar ou aplique indevidamente súmula vinculante, será sempre interposta em face de ato judicial de instância inferior (Rcl nº 2106, rel. Min. Celso de Mello, j. 01/08/2002) – essa regra parece comportar uma exceção relevante: seria possível o cabimento de reclamação para o Pleno, ou Órgão Especial, quando o órgão fracionário tomar decisão em desacordo ao que já fora decidido sobre a constitucionalidade de ato normativo nos moldes do previsto nos arts. 97, da CF, e 481, §ú, do CPC.

A reclamação, então, via de regra, pressupõe o exercício indevido de jurisdição, i.e., os atos passíveis de ser cassados "são os dos juízes e dos serventuários da Justiça" (Pontes de Miranda, 1974, p. 385; também: Rcl nº 831, rel. Min. Amaral Santos, j. 11/12/1970).

Portanto, não cabe reclamação quando o ato que desrespeita a decisão do tribunal e realizado por quem não seja autoridade judicial, por inadequação da via eleita; se o ato impugnado tiver sido praticado por qualquer outra pessoa que não autoridade judicial, será o caso de o juiz da causa adotar as medidas executivas ou mandamentais necessárias para o adequado cumprimento da decisão.

No mandado de segurança,

"o julgado se cumpre pelo atendimento aos termos através da prática de atos simplesmente administrativos, da alçada de outro Poder e o desatendimento ao mandado judicial, uma vez verificado, não justifica pedido reparatório por via de ‘reclamação’ e sim a imputação de crime de desobediência ou de responsabilidade" (Min. Pedro Chaves, voto in Rcl nº 624, j. 24/06/1965).

Assim, não cabe reclamação em face de descumprimento de reclamação – "A relutância em dar-se cumprimento ao pronunciamento na reclamação resolve-se no campo da execução do que decidido" (Rcl nº 2398, Min. Marco Aurélio, j. 06/10/2005).

A decisão tida por violada só pode servir de parâmetro para a reclamação se já estiver produzindo seus efeitos, o que geralmente ocorre com a intimação das partes, salvo quando impugnável por recurso com efeito suspensivo, quando ela somente terá eficácia após o decurso em branco do prazo para recorrer. Com maior razão não cabe reclamação para assegurar eficácia de futura decisão – Rcl-QO nº 243, rel. Min. Sidney Sanches, j. 16/12/1987 – por absoluta inadequação da via. O STF, porém, entende que em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a decisão, cautelar ou de mérito, tem eficácia – obrigatoriedade – com a publicação da ata da sessão de julgamento no Diário de Justiça, independente da publicação do acórdão (Rcl-AgR nº 872, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, j. 08/09/2005).

Não há interesse de agir quando o ato reclamado é anterior à decisão do tribunal tida por desrespeitada: Rcl-AgR nº 1723, rel. Min. Celso de Mello, j. 08/02/2001 – "A ausência de qualquer parâmetro decisório, previamente fixado pelo Supremo Tribunal Federal, torna inviável a instauração do processo de reclamação, notadamente porque inexistente o requisito necessário do interesse de agir".

Não há que se falar em usurpação de competência do tribunal se o usurpador não é órgão judicial. Outrossim, a cessação de exercício de função que garante foro privilegiado, deixando, então, o tribunal de ter competência para processar o cidadão, causa a perda do objeto da reclamação: Rcl nº 636, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 04/12/2001.

Tampouco há usurpação de competência quando o ato decisório veicula juízo negativo de admissibilidade do recurso.

"O presidente de Tribunal de jurisdição inferior – ao formular juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário – não usurpa competência do Supremo Tribunal Federal, pois desempenha, nesse contexto, poder de controle que lhe foi expressamente conferido pelo ordenamento positivo, o que afasta, por si só, a possibilidade de acesso à via reclamatória, por inocorrência de pressuposto legitimador da válida utilização desse meio processual" Rcl nº 2106, rel. Min. Celso de Mello, j. 01/08/2002.

Por outro lado, há usurpação de competência quando se deixa (o juiz ou o escrivão – cf. Pontes de Miranda, 1974, p. 391) de remeter o recurso ao tribunal competente para julgá-lo, ou quando se nega seguimento a recurso que não está sujeito a exame prévio de admissibilidade pelo juízo a quo.

Não há violação de enunciado de súmula vinculante se o reclamado não for órgão ou ente do Judiciário ou da Administração, direta ou indireta. O enunciado de súmula vinculante não vincula particulares e nem o Poder Legislativo no exercício de suas função legislativa.

"É firme a jurisprudência desta Corte que não admite reclamação contra lei posterior à decisão cujo desrespeito se alega (cf. Rcl nº 344-AgR, rel. Min. Maurício Côrrea, DJ de 08/02/2002; Rcl nº 552, rel. Min. Victor Nunes Leal, DJ de 01/06/1966; Rcl nº 706, rel. Min. Amaral Santos, DJ de 18/11/1968).

"Se assim não fosse, interferir-se-ia de maneira desarmônica na esfera de atuação do Poder Legislativo do Estado, impedindo-o de legislar novamente sobre a matéria, toda vez que esta Corte se manifeste pela inconstitucionalidade de lei preexistente" Rcl nº 2617, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 17/06/2004.

"Está visto, pois, que nosso ordenamento não estendeu ao legislador os efeitos vinculantes da decisão de inconstitucionalidade.

"Nem se pode tirar coisa diversa à só previsão da eficácia erga omnes. Já se demonstrou alhures, com abundância de argumentos, que, como fruto de exegese de textos similares ou análogos, a proibição de reprodução de norma idêntica à que foi declarada inconstitucional não pode inspirar-se nalgum princípio processual geral que iniba renovação do comportamento subjacente a ato concreto anulado ou tido por ilegal, o que, sob a autoridade da res iudicata, conviria apenas a processos de índole subjetiva. Ademais, o postulado da segurança jurídica acabaria, contra uma correta interpretação constitucional sistemático-teleológica, sacrificando, em relação às leis futuras, a própria justiça da decisão. Por outro lado, tal concepção comprometeria a relação de equilíbrio entre o tribunal constitucional e o legislador, reduzindo este a papel subalterno perante o poder incontrolável daquele, com evidente prejuízo do espaço democrático-representativo da legitimidade política do órgão legislativo" Rcl-AgR nº 2617, rel. Min. Cezar Peluso, j. 23/02/2005.

Outrossim, quando o ato reclamado em face de súmula vinculante tiver sido prolatado por órgão da administração, a reclamação será cabível após o esgotamento das vias administrativas. Em respeito à regra do art. 5º, XXXV, da CF, é inconstitucional "qualquer regra geral que condicione o exercício do direito de agir a um prévio esgotamento de instâncias extrajudiciais, a pretexto de demonstração do interesse de agir, sem exame das peculiaridades do caso concreto". Assim, demonstrada em concreto a utilidade e necessidade da tutela jurisdicional, deverá o julgador dispensar o esgotamento da via administrativa (Didier Jr. et al, 2007, p. 387).

"Não é sem razão, aliás, que o interesse de agir deve ser concreto e atual, devendo dizer respeito a uma relação jurídica específica e individualizada, concernindo, ainda, a uma providência judicial determinada, tudo em decorrência do que constar da causa de pedir e do pedido insertos na petição inicial" (Didier Jr. et al, 2007, p. 386).

De qualquer modo, a Lei nº 9784/1999, em seu art. 56, §3º, exige que, interposto recurso administrativo, o órgão recorrido explicite "as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso", devendo o mesmo ser feito na fundamentação da decisão do recurso – trata-se de texto supérfluo, uma vez que tal dever já pode ser extraído do dever de motivação das decisões.

Não há exigência para que, no caso de decisão judicial, em qualquer hipótese, seja antes exaurida a via recursal, posto que haja entendimento doutrinário afirmando que a reclamação "há de ser apenas para os casos em que não haja recurso" (Pontes de Miranda, 1974, p. 385).

"Se a reclamação foi feita, havendo recorribilidade, é sem admissibilidade, porém, o erro não tem conseqüências quanto ao recurso, cujo prazo é próprio e independente da reclamação" (Pontes de Miranda, 1974, p. 390).

A interposição de reclamação é sem prejuízo dos outros recursos ou meios admissíveis de impugnação. "Há, assim, um cúmulo de meios de impugnação" (Didier Jr. et al, 2007, p. 385).

A revogação do ato reclamado implica na perda do objeto da reclamação: Rcl-QO nº 2496, rel. Min. Marco Aurélio, j. 24/06/2004.

Inexiste disposição constitucional ou legal fixando prazo para o ajuizamento da reclamação. Não obstante, o STF tem entendimento sumulado de que não cabe reclamação quando o ato reclamado já houver transitado em julgado (Súmula nº 734; Rcl nº 831, rel. Min. Amaral Santos, j. 11/12/1970) quando do ajuizamento da reclamação (Rcl nº 509, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 17/12/1999); fundamenta-se que aí a reclamação estaria fazendo as vezes de ação rescisória (Rcl nº 1438, rel. Min. Celso de Mello, j. 28/08/2002), não sendo admissível hipótese de rescisão não prevista no art. 485, do CPC (cf. Pontes de Miranda, 1974, p. 392).

Anteriormente, o STF chegou a firmar posição de que havendo frontal desrespeito à decisão do tribunal, seria, então, de se desprezar o decurso de prazo para impugnação recursal da decisão reclamada – Rcl nº 22, rel. Min. Luiz Gallotti, j. 14/03/1973 (vencido, pela preservação da coisa julgada/preclusão: Min. Thompson Flores).

Por óbvio, óbice algum há se a decisão desrespeitada tiver transitado em julgado, pois o que se pretende é justamente fazer valer a autoridade da coisa julgada (cf. Didier Jr. et al, 2007, p. 388).

3.3 Legitimidade ativa

Pode ajuizar a reclamação o órgão do Ministério Público, e qualquer interessado, parte, ou terceiro que tenha interesse na causa, como o assistente (Pontes de Miranda, 1974, p. 388). Nos processos subjetivos, de partes, não há maiores problemas.

O grande debate surge quando se discute a legitimidade para ajuizar reclamação para garantir a autoridade de decisão proferida em processo objetivo, i.e., em sede de controle abstrato de constitucionalidade. A jurisprudência sobre o tema passou por larga evolução nos últimos anos.

Inicialmente não se admitia reclamação em face de decisão proferida em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Argumentava-se que por não estar o julgado sujeito a execução, não haveria na verdade um descumprimento da decisão – ADIn-QO 1423, rel. Min Moreira Alves, j. 13/03/1997; MS-QO nº 20875, rel. Min. Aldir Passarinho, j. 15/03/1989. Note-se que essa é a posição sustentada ainda hoje pelo Min. Marco Aurélio (voto in Rcl-MC nº 707, p. ex.) e por André Ramos Tavares (2007, p. 379).

Num momento seguinte passou-se a admitir a reclamação quando o desrespeito imputável ao próprio órgão de que emanara a norma declarada inconstitucional, desde que figurasse como reclamante o próprio autor da argüição de inconstitucionalidade acolhida – o que, no regime constitucional anterior, resumia a legitimidade ativa ao Procurador-Geral da República. Os prejudicados deveriam se socorrer das vias ordinárias – Rcl-QO nº 235, rel. Min. Néri da Silveira, j. 01/10/1987; Rcl nº 621, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 04/07/1996; Rcl nº 354, rel. Min. Celso de Mello, j. 16/05/1991; Rcl nº 397, rel. Min. Celso de Mello, j. 25/11/1992.

Posteriormente, o STF veio a compreender que os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade, que teriam legitimidade para o mesmo pedido (cf. Rcl-AgR nº 1880, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 23/05/2002), poderiam reclamar a obediência do que decidido no processo objetivo.

Assim, o conceito de parte interessada – art. 13, da Lei 8038 – ganha abrangência idêntica aos efeitos do julgado a ser preservado, "alcançando todos aqueles que comprovem prejuízo em razão de pronunciamento dos demais órgãos do Poder Judiciário, desde que manifestamente contrários ao julgamento da Corte" (Rcl-AgR nº 1880, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 07/11/2002).

"O efeito vinculante permite a defesa imediata da segurança jurídica e do respeito à ordem constitucional e, por isso, o acesso à reclamação é assegurado aos concretamente prejudicados à decisão desta corte" (ADI-QO nº 1, rel. Min. Moreira Alves, j. 27/10/1993).

Outrossim, não há óbice "quanto à possibilidade de formação litisconsorcial ativa, apresentando-se como litisconsorte do reclamante aquele que já era litisconsorte na ação principal" (Gisele Góes, 2007, p. 473).

O terceiro prejudicado por medida judicial não tem acesso à via da reclamação – "pode opor embargos de terceiro. Se a medida foi extrajudicial, uma das ações adequadas é a de mandado de segurança, mais recomendável pela sua presteza" (Pontes de Miranda, 1974, p. 388).

3.4 Legitimidade passiva

O sujeito passivo da reclamação pode ser qualquer pessoa, órgão ou ente, de qualquer órgão ou esfera, que descumpra decisão do tribunal (Didier Jr. et al, 2007, p. 389).

Quando o ato reclamado estiver usurpando a competência do tribunal, o sujeito passivo deverá necessariamente ser órgão jurisdicional.

A reclamação "só pode ser dirigida contra autoridade judiciária com jurisdição sobre um processo e não contra a parte adversa ao reclamante" (Min. Pedro Chaves, voto in Rcl nº 624, j. 24/06/1965). Porém, a parte contrária no processo original poderá figurar como assistente litisconsorcial, em litisconsórcio facultativo simples (cf. Gisele Góes, 2007, p. 473) – Rcl 126 e RclAgR 449, rel. Min. Celso de Mello, j. 12/12/1996. Justifica-se por a decisão da reclamação incidir na esfera dos direitos desse interessado, que sofrerá os efeitos jurídicos da decisão, ainda que o reclamante seja o MP. Para Didier Jr. et al (2007, p. 390) essa é situação de litisconsórcio necessário.

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Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. Reclamação constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1896, 9 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11698. Acesso em: 24 nov. 2024.

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